Segunda-feira, 7 de julho de 2014 às 7h31 – Atualizado às 14h47

Reportagem especial sobre a 
Revolução Constitucionalista de 1932

Gerson Soares

Antes de tudo uma homenagem ao heroísmo dos Constitucionalistas de São Paulo, uma data sagrada. Há 82 anos, homens, mulheres e também crianças deram a vida por um ideal. Se este fato histórico tivesse acontecido na Europa ou Estados Unidos da América, já teria merecido uma grandiosa produção de Hollywood.


 

O feriado do dia 9 de Julho tem um significado muito especial para muitos paulistas e brasileiros. Nem todos sabem o que ele realmente significa, pois a história dos heróis no Brasil não é devidamente lembrada. Essa data pode ser comparada a grandes feitos históricos, como aqueles que nos acostumamos (isso sim) a assistir no cinema. Em São Paulo e em outras localidades espalhadas pelo país, existem praças, ruas e avenidas que homenageiam esse acontecimento. Se a bravura e os feitos dos paulistas, que merecem tal honraria, tivessem sido realizados nos Estados Unidos, por exemplo – país que valoriza sobremaneira o patriotismo –, já teria se transformado em filmes como "Fort Knoxx" ou "O Patriota", onde as cenas revelam a luta pelos ideais, pela justiça. Seria estrelado pelos astros de Hollywood, que certamente não se recusariam aos papéis principais. Teria ganho os principais prêmios do cinema e provavelmente o Oscar, pois não faltariam cenas reais de superação e táticas militares. Merecidamente, devemos citar a produção de documentários e curtas-metragens já produzidos, a fim de homenagear esta data. Isso sem falar, nos livros, publicações especiais, artigos, jornais, internet e todos os meios utilizados para que esse ideal permaneça vivo.

Simbolicamente, nove de Julho de 1932, foi a data em que os paulistas deram seu sangue por um ideal, por algo em que acreditaram, e seus atos, por mais absurdos que pudessem parecer podem e devem ser contados e recontados, antes de serem colocados em qualquer prateleira da história ou esquecidos. Quando afirmamos simbolicamente 9 de julho é porque a indigestão causada pela ditadura Vargas, começou antes e eclodiu com fervor nesse dia. A audácia de São Paulo estava explícita em vários pontos: Não havia armas, munição, roupas, médicos, enfermeiros em número suficiente para enfrentar o governo federal, mas São Paulo defendeu até o mês de outubro suas trincheiras. Os paulistas lutaram com pouca munição e armas, compraram o que puderam com pequenas contribuições da própria população, que acorria para depositar correntes de ouro, anéis, alianças, joias, convocados pela frase: Ouro para São Paulo; mas o mais importante depósito foi seu apoio, num momento crucial da história paulista. Outras ruas e avenidas, como a 23 de maio, lembram os nomes dos heróis dessa Revolução, que enfrentaram todo o poderio militar do Estado, de Getúlio Vargas.

Há histórias contadas e aquelas que não se contam; entre mitos e verdades. Pelo Tatuapé, próximo à Guaiaúna (Penha), tropas do Governo Federal passaram e em sua trilha deixaram marcas que povoam a memória de moradores antigos, por exemplo, as invasões no comércio e desrespeito com os civis. Outra marca ficou na fronteira entre São Paulo e Rio de Janeiro, nos contrafortes das montanhas que olham para o litoral, entre Parati e Cunha. Ali houve bravura e determinação, quando o soldado paulista teve de cavar sua própria sepultura, a mando dos inimigos. Não contentes atiraram nele, desarmado que estava. Isso provocou a ira dos paulistas que travaram ali batalhas sangrentas. Na Baixada Santista, os aviadores de Getúlio foram enganados ao verem canhões, maliciosamente cobertos com lonas, que na verdade escondiam não armas bélicas, mas sim a boca de velhos canos de ferro, utilizados em instalações hidráulicas e de saneamento. Os soldados não tinham canhões nem munição suficiente para enfrentar as tropas do governo, então simularam e enganaram os aviadores, que do alto não conseguiam distinguir entre uma coisa e outra, passando-lhes a impressão de que ali havia canhões de verdade, uma ameaça para as tropas terrestres governamentais, atrasando-as. Da mesma forma, foram usadas matracas para imitar metralhadoras e enganar com argúcia cabocla os militares governistas.

 

Cartão-postal que circulou em 1932, homenageando aos M.M.D.C.. Nele, lê-se as inscrições em latim:

Dulce et decorum est pro patria mori 
“É doce e honrado morrer pela pátria”

Pro brasilia fiant eximia
“Pelo Brasil faça-se o melhor”

Non ducor, duco
“Não sou conduzido, conduzo”

In Hoc Signo Vinces
"Com este sinal vencerás"

O movimento, que se estendeu entre os meses de julho e outubro de 1932, teve início no aniversário da cidade de São Paulo no dia 25 de Janeiro, no então chamado Largo da Sé, quando a cidade parou para exigir a “libertação e a autonomia da Terra de Anchieta”, devido ao autoritarismo imposto pelo ditador Vargas, através dos desmandos de seus interventores. Era o início dos chamados “comícios-monstro” e foi a resposta paulista à Revolução de 1930, quando derrotado nas urnas, Getúlio aplicou seu primeiro golpe militar e não permitiu que o paulista Júlio Prestes assumisse a presidência do país, mesmo tendo vencido em 17 estados e no Distrito Federal. Após assumir o governo federal, depondo o ainda presidente Washington Luís, Vargas foi nomeado chefe do “Governo Provisório” pelos militares, suspendeu a Constituição e nomeou interventores em todos os estados, com exceção de Minas Gerais que o apoiará. O ditador dissolveu os congressos Nacional, Estaduais, as câmaras municipais, passando a controlar a economia, a agricultura, as relações trabalhistas, o comércio exterior - através do Banco do Brasil.

Manifestação pró Constituinte, na Praça do Patriarca, centro de São Paulo, em 1932. Foto: ACSP 100 anos/1894-1994

Júlio Prestes, o presidente Washington Luís e vários outros apoiadores de Júlio Prestes foram exilados na Europa, e os jornais que apoiavam Prestes foram fechados (na época se dizia empastelados), entre eles, os jornais estavam os paulistanos Folha de S. Paulo, “A Plateia”, o Correio Paulistano e os jornais cariocas A Noite e O Paiz.

Para o comando da 2ª Região Militar de São Paulo foi designado o general Isidoro Dias Lopes, e para o comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo, então denominada “Força Pública”, foi nomeado o major Miguel Costa. Ambos tinham tentado derrubar o governo paulista na Revolução de 1924. Miguel Costa havia sido expulso da Força Pública por causa de suas ações em 1924. Isidoro Dias Lopes, porém, passaria para o lado dos paulistas para ser um dos comandantes da Revolução de 1932.

Em nossos dias, estamos assistindo aos mais nefastos atos contra tudo o que inspirou a Guerra Paulista de 32. As injustiças se estendem por todo o território nacional, a sombra da desconfiança ainda pode ser vista e decantada em qualquer lugar, quando se fala em líderes nacionais que possam conduzir o Brasil ao seu verdadeiro patamar, longe da corrupção, dos desmandos, privilégios e da impunidade. O Brasil atual ainda está distante da justiça almejada pelos Constitucionalistas, de todos aqueles que morreram e dos que vivem lutando (ou trabalhando, como melhor diria Francisco Cândido Xavier) pela ideia de um país equânime. A memória dos voluntários paulistas de 32 e as gerações que os sucederam, dentre elas crianças, jovens, homens e mulheres não se cansam de acreditar, que um país como este merece líderes à sua altura e dias melhores.

Manifestação pró Constituinte, realizada na Praça da Sé, centro de São Paulo, em 24 de fevereiro de 1932. Ao fundo a Catedral, ainda em construção. Foto: ACSP 100 anos/1894-1994