Quinta-feira, 24 de março de 2016 às 17h46


José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Uma grande cratera, produzida pelo impacto de um objeto celeste, estende-se por uma área de 10,2 quilômetros quadrados na periferia do município de São Paulo. A formação geológica, denominada cratera de Colônia, situa-se a menos de 40 quilômetros do marco central da cidade, a Praça da Sé, na orla sudoeste da bacia hidrográfica Billings.

Com o interior atulhado por sedimentos e a borda coberta pela vegetação, a cratera permaneceu ignorada até o início da década de 1960, quando as fotos aéreas e depois as imagens de satélite puseram em evidência sua forma circular característica. A primeira referência na literatura especializada data de 1961, com a publicação, no Boletim da Sociedade Brasileira de Geologia, do artigo “Estudos preliminares de uma depressão circular na região de Colônia: Santo Amaro, São Paulo”, assinado pelos professores Rudolph Kollert, Alfredo Björnberg e André Davino, da Universidade de São Paulo (USP).

 

Análise microscópica confirmou que a estrutura circular existente na área de Colônia, próxima à represa Billings, foi produzida pelo choque de um asteroide ou cometa. Imagem: arquivo de Victor Velázquez Fernandez

Análise microscópica confirmou que a estrutura circular existente na área de Colônia, próxima à represa Billings, foi produzida pelo choque de um asteroide ou cometa. Imagem: arquivo de Victor Velázquez Fernandez

 

Mas, como estruturas circulares podem resultar de outros fatores, como o vulcanismo, por exemplo, persistiu por muito tempo a dúvida sobre se a cratera de Colônia havia sido realmente criada pelo choque de um corpo extraterrestre. Apenas em 2013, graças a uma pesquisa conduzida pelo geólogo Victor Velázquez Fernandez, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), foram finalmente reunidas as evidências que comprovaram a hipótese do impacto. O estudo, que prosseguiu até 2015, teve o apoio da FAPESP: “Cadastramento dos elementos geológicos e geomorfológicos da cratera de Colônia para estabelecer uma estratégia de gestão e preservação ambiental”.

Artigo relatando as evidências foi publicado por Velázquez e colaboradores no International Journal of Geosciences: “Evidence of Shock Metamorphism Effects in Allochthonous Breccia Deposits from the Colônia Crater, São Paulo, Brazil”.

Artigos posteriores do pesquisador enfatizaram também outro aspecto do tema, que é a caracterização dessa formação geológica como patrimônio natural e área a ser protegida e conservada: “The Colônia Impact Crater: Geological Heritage and Natural Patrimony in the Southern Metropolitan Region of São Paulo, Brazil” e “The Current Situation of Protection and Conservation of the Colônia Impact Crater, São Paulo, Brazil”.

“O impacto produziu um buraco de 3,6 quilômetros de diâmetro, com cerca de 300 metros de profundidade e uma borda soerguida de 120 metros”, disse Velázquez à Agência FAPESP. “Mas, ao longo do tempo, e devido ao intenso processo de intemperismo característico do território brasileiro, esse buraco foi inteiramente preenchido por sedimentos e coberto pela vegetação, resultando em uma área plana circundada por colinas. Foi uma evolução muito diferente daquela ocorrida, por exemplo, na Cratera Barringer, no Arizona, Estados Unidos, onde a estrutura geológica ficou praticamente intacta devido ao ambiente desértico.”

“No caso de Colônia, a forma circular perfeita, registrada nas fotografias aéreas, constituía forte indício de uma estrutura de impacto, formada pela colisão de um cometa ou asteroide na superfície terrestre. Mas não era, por si só, um dado suficiente para confirmá-la. Por isso, tivemos que partir para o estudo petrográfico, com a análise microscópica dos sedimentos”, prosseguiu o pesquisador.

Segundo Velázquez, a coleta de material tornou-se possível devido a sondagens realizadas na região para fornecimento de água potável. As perfurações, realizadas na área sedimentar, chegaram a 300 metros de profundidade, até encontrar a rocha dura. Devido a uma cooperação então existente entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a EACH-USP, amostras de sedimentos, colhidas metro a metro, foram fornecidas à universidade para estudo.

“Nas amostras coletadas, encontramos várias evidências. Uma delas, bastante forte, foi a evidência de transformação de vários minerais, em particular, quartzo e zircão. Para a transformação desses minerais é necessária uma pressão superior a 40 quilobars [40 mil vezes a pressão atmosférica padrão] e uma temperatura da ordem de 5 mil graus Celsius. Esses patamares de pressão e temperatura são característicos da potente liberação de energia resultante do impacto na superfície terrestre de um objeto proveniente do espaço interplanetário”, informou o pesquisador.

Com esta e outras evidências do mesmo naipe, a hipótese do impacto foi demonstrada. E a cratera de Colônia encontra-se, agora, devidamente inventariada na Earth Impact Database (EID), uma base de dados internacional mantida pelo Planetary and Space Science Centre (PASSC), instalado na University of New Brunswick, Canadá. A EID contém a relação completa das 188 estruturas de impacto confirmadas em todo o mundo.

Monumento Geológico

Monumento Geológico

Os estudiosos ainda não sabem que tipo de objeto provocou o impacto, se um corpo rochoso ou metálico, como o de um asteroide, ou um corpo constituído por gelo, como o de um cometa. “Mas há, atualmente, 50 novas amostras em estudo no Canadá, que poderão fornecer os dados que faltam para a determinação do objeto impactante”, afirmou Velázquez.

Outra expectativa é que a investigação ainda em curso possibilite estabelecer com maior exatidão a data do evento. Por enquanto, a data estimada é bastante imprecisa, situando-se em um intervalo de 5 milhões a 36 milhões de anos no passado. “A importância de melhorarmos substancialmente a datação é que isso criará condições para um estudo paleoclimático com base nos sedimentos encontrados. Analisando, centímetro por centímetro, a composição da coluna de sedimentos, desde a profundidade de 300 metros (correspondente à data do impacto) até o nível da superfície (correspondente à data atual), será possível compor um quadro bastante expressivo da evolução do clima na América do Sul e, por extensão, no mundo”, explicou o pesquisador.

Por isso, a cratera de Colônia possui, do ponto de vista científico, uma importância inestimável. Mas, para que seu potencial se efetive, é preciso que o patrimônio seja preservado e adequadamente manejado. A formação foi declarada “Monumento Geológico” pelo Conselho Estadual de Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo (CoMGeo-SP) em 2009. Porém, quando isso ocorreu, parte da área já se achava ocupada.

“Há, na borda norte, uma ocupação menor e bastante antiga, promovida por colonos alemães que chegaram à região por volta de 1840. Devido a ela, a área recebeu inicialmente o nome de ‘Colônia Alemã’, denominação que mudou para apenas ‘Colônia’ durante a Segunda Guerra Mundial. Mas há também uma ocupação mais recente, bem maior e desordenada, ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, que deu origem ao bairro de Vargem Grande, atualmente com cerca de 47 mil habitantes”, disse Velázquez.

Com habitações precárias e grande carência de equipamentos urbanos, Vargem Grande [não confundir com Vargem Grande Paulista, que é um município da Região Metropolitana de São Paulo, nem com Vargem Grande do Sul, que é um município da Mesorregião de Campinas, no Estado de São Paulo] possui as mazelas características de vários bairros periféricos das grandes metrópoles brasileiras. Como o lençol freático é muito aflorado, devido à estrutura sedimentar do terreno, os moradores não têm sequer a opção de cavar fossas sépticas, de modo que os esgotos fluem a céu aberto.

“Em contraste com a borda norte, a borda sul é ocupada por sítios cujos proprietários se dedicam à permacultura [agricultura ecológica]. Isso é muito interessante, porque são pessoas engajadas na preservação do meio ambiente. Existem ali matas densas, com trilhas muito aprazíveis”, relatou o pesquisador.

A preocupação em conservar o patrimônio geológico levou Velázquez e seus colaboradores a incorporar ao projeto de pesquisa tópicos relativos à preservação ambiental e à gestão da área.

“Com foco na preservação, estamos atuando em três frentes distintas. Primeiro, na criação de um site, abrigado no portal da USP, que possibilite a visitação virtual da cratera, com acesso diferenciado para pesquisadores, estudantes e público em geral. Segundo, na produção de um gibi em branco e preto, para ser distribuído nas escolas de primeiro grau de Vargem Grande e colorido pelos alunos, de forma que estes se sintam responsáveis pela área e se empenhem em sua conservação. Terceiro, no trabalho de campo em educação ambiental e turismo ecológico”, detalhou.

Velázquez estuda regularmente a região desde 2005. E disse que, ao longo destes 11 anos, testemunhou uma lenta mas consistente tomada de consciência da população local quanto à importância de preservar a formação geológica. “Construímos uma boa interlocução com as associações de moradores, que estão atualmente empenhadas em iniciativas como o Movimento Cratera Limpa”, afirmou.

Das 188 crateras de impacto catalogadas pela EID, existem apenas duas habitadas: Colônia, no Brasil, e Ries, na Alemanha. Diferentemente do que ocorreu aqui, porém, Ries, cujos primeiros vestígios de assentamentos humanos remontam ao período paleolítico, foi objeto de um criterioso manejo. Em torno da cratera, de 24 quilômetros de diâmetro, estende-se o primeiro geoparque da Bavária, com 1.800 quilômetros quadrados de área.

Brasil tem uma das duas crateras de impacto habitadas no mundo

 

Formado por nanopartículas de ouro, o dispositivo é impresso com jato de tinta e será capaz de medir vários processos biológicos associados a variações de potencial elétrico (E); nanopartículas de ouro dentro do eletrodo – Microscopia Eletrônica de Varredura (D). Fotos: arquivo de Felippe José Pavinatto

Formado por nanopartículas de ouro, o dispositivo é impresso com jato de tinta e será capaz de medir vários processos biológicos associados a variações de potencial elétrico (E); nanopartículas de ouro dentro do eletrodo – Microscopia Eletrônica de Varredura (D). Fotos: arquivo de Felippe José Pavinatto

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