Segunda-feira, 21 de maio de 2018 às 13h23


Do total de 52 gigatoneladas (Gt) que compõem o estoque de carbono armazenado em vegetação nativa no Brasil, 67% estão em terras públicas, sendo que metade (26 Gt) está protegida em unidades de conservação e em terras indígenas.

Elton Alisson | Agência FAPESP

Apesar de o Estado ser o principal “dono” desse carbono, isso não significa que essas reservas estejam protegidas, sem o risco de se converterem em gases de efeito estufa (GEE). Aproximadamente 20% dessas reservas (10 Gt) estão desprotegidas em 80 milhões de hectares de terras públicas sem titulação ou destinação clara, onde a disputa pela propriedade e o desmatamento ilegal desafiam a preservação da vegetação nativa e podem levar ao aumento das emissões brasileiras de GEE.

 

Apesar de o Estado ser o principal responsável por reservas de carbono armazenado em vegetação nativa, aproximadamente 20% desse estoque está desprotegido, indica estudo de pesquisadores da USP e do Imaflora em colaboração com a Suécia. Foto: Parque Nacional do Jurena/Adriano Gambarini/WWF Brasil

 

As constatações são de um estudo realizado por pesquisadores da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em colaboração com colegas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), da KTH Royal Institute of Technology e da Chalmers University of Technology – ambas instituições da Suécia.

O estudo integra o projeto “Atlas da Agropecuária Brasileira”, realizado pelo Imaflora em parceria com o Geolab da Esalq-USP, com apoio da FAPESP. Os resultados do estudo foram publicados na revista Global Change Biology.

“Conseguimos identificar, pela primeira vez, onde está e a quem pertence o carbono no Brasil que está acima do solo, tanto em vegetação nativa, como em culturas e pastagens, de todos os biomas brasileiros”, disse Luís Fernando Guedes Pinto, pesquisador do Imaflora e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.

Para quantificar o estoque de carbono acima do solo no país e identificar seu “tutor”, os pesquisadores desenvolveram uma base georreferenciada da malha fundiária brasileira. A malha abrange todo o território nacional e integra bases de dados oficiais, como as das áreas protegidas nacionais e estaduais – como áreas de conservação, terras indígenas e militares –, além das bases de imóveis e de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e os polígonos de imóveis do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Juntas, essas bases de dados recobrem 80% do país. Para as áreas sem cobertura foi realizada uma modelagem complementar que considera essa porção do território como sendo terra privada, estima os limites dos imóveis rurais a partir dos dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2006 e reproduz a distribuição de tamanho dos imóveis rurais censitados em cada município ou setor censitário.

“A malha fundiária representa a aproximação mais realista do tamanho, da localização e da distribuição dos imóveis privados, além dos assentamentos e das terras públicas brasileiras”, disse Guedes Pinto.

As análises dos dados revelaram que, além de 20% do carbono (10 Gt) encontrado em 80 milhões de hectares de terras públicas sem titulação ou destinação clara estar desprotegido, há outros 3,4 Gt de carbono também sem proteção em propriedades privadas, que ocupam 65% do território brasileiro, mas englobam somente 30% do carbono (15,8 Gt).

Embora o Código Florestal proteja 75% (12,4 Gt) do estoque de carbono encontrado nessas propriedades privadas por meio de reservas legais e áreas de preservação permanente, os outros 25% (3,4 Gt) estão desprotegidos em 101 milhões de hectares, aponta o estudo.

“Nossos resultados indicam que, embora haja uma grande área de vegetação nativa e um grande estoque de carbono protegido no Brasil, aproximadamente 25% (13,4 Gt) – que representa a soma do carbono desprotegido em terras públicas e privadas – ainda estão desprotegidos, expostos ao risco de desmatamento e podendo contribuir para o consequente aumento das emissões brasileiras de gases de efeito estufa”, avaliou Guedes Pinto.

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Desproteção por biomas

De acordo com o estudo, o Cerrado é o bioma com o maior volume de carbono desprotegido: 1,4 Gt, correspondente a 40% do carbono com risco de emissão no país. Em segundo lugar está a Amazônia, que responde por um terço do carbono desprotegido no Brasil (1Gt), seguida pela Caatinga, que também tem um grande volume de carbono e área de vegetação nativa desprotegidos.

A análise também permitiu identificar que a distribuição do carbono por tamanho de imóvel rural é desigual e varia para cada bioma do Brasil.

Somente 2% de grandes imóveis ocupam metade da área privada e acumulam também metade do carbono em terras privadas. Um terço das terras privadas são ocupadas por 93% pequenos e médios imóveis.

No caso da Amazônia, por exemplo, os pesquisadores estimam que 7 mil grandes imóveis acumulam 15% (0,5 Gt) do carbono desprotegido do Brasil, enquanto outros 110 mil pequenos imóveis retenham outros 10% (0,34%). Já o Cerrado é dominado por grandes imóveis: cerca de 30 mil acumulam 25% do carbono nacional desprotegido, enquanto outros 600 mil pequenos e médios imóveis representam apenas 17%.

“O estudo indica que a conservação do carbono desprotegido no Brasil vai depender de uma combinação de políticas que incluem a regularização fundiária, a destinação de terras, a implementação do Código Florestal e outros instrumentos que priorizem a proteção da vegetação nativa e estoques de carbono que excedem a proteção dos mecanismos legais”, avalia Gerd Sparovek, professor da Esalq-USP e um dos autores do estudo.

“Além disso, este conjunto de políticas deve ser desenhado e implementado de maneira adaptada para as diferentes realidades produtivas, ecológicas e de governança de cada região do país”, afirmou.


O artigo “Who owns the Brazilian carbon?” (doi: 10.1111/gcb.14011), de Flavio L. M. Freitas, Oskar Englund, Gerd Sparovek, Göran Berndes, Vinicius Guidotti, Luís F. G. Pinto e Ulla Mörtberg, pode ser lido na revista Global Change Biology em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/gcb.14011.

Síndrome Nefrótica: Pesquisadores da Unifesp analisam mutações genéticas ligadas à doença, com foco em pacientes submetidos a transplante renal. Objetivo é identificar as variantes mais frequentes, aprimorando diagnósticos e tratamentos. Imagem: Wikimedia

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