Segunda-feira, 26 de junho de 2017 às 08h52


Um polímero extraído do caule do cajueiro (Anacardium occidentale) pode se tornar uma importante ferramenta no tratamento da doença do refluxo gastroesofágico, condição que afeta cerca de 12% da população mundial, segundo experimentos conduzidos na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Karina Toledo, de Ribeirão Preto | Agência FAPESP

Resultados da pesquisa foram apresentados por Marcellus Souza, professor do Departamento de Medicina Clínica da UFC e ex-bolsista de doutorado da FAPESP, durante o Third International Symposium on Inflammatory Diseases (INFLAMMA III).

Estudos feitos na UFC sugerem que, além de conferir proteção tópica, polímero tem ação anti-inflamatória sobre a mucosa do esôfago. Resultados foram apresentados em Ribeirão Preto, durante o Third International Symposium on Inflammatory Diseases. Foto: UFPI

O evento foi realizado entre os dias 21 e 23 de junho, em Ribeirão Preto, pelo Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) e pela Sociedade Brasileira de Inflamação (SBIn).

“Nos testes feitos com tecido de 33 pacientes, obtidos por meio de biópsia, observamos que a goma do cajueiro adere profundamente às células do esôfago, formando um biofilme e aumentando a resistência contra os danos causados pelo ácido gástrico. Nossa hipótese é que, além de conferir proteção tópica, o polímero também tenha ação anti-inflamatória”, disse Souza à Agência FAPESP.

A descoberta foi possível graças a um modelo experimental desenvolvido na UFC capaz de mimetizar em camundongos a forma mais prevalente da doença: o refluxo gastroesofágico não erosivo. O método foi descrito em um artigo publicado no dia 8 de junho no American Journal of Physiology.

“Entre 60% e 70% dos pacientes com refluxo apresentam o fenótipo não erosivo da doença. Embora tenham sintomas como azia, o exame de endoscopia não indica a existência de lesão no tecido do esôfago”, explicou Souza.

Com o objetivo de mimetizar essa condição nos animais, os cientistas realizaram um procedimento cirúrgico para amarrar o piloro – válvula que controla a passagem do conteúdo gástrico para o duodeno. Além disso, amarraram o fundo do estômago, para impedir o órgão de se expandir.

“Desse modo, o estômago fica cheio, não consegue aumentar seu volume e isso faz com que ocorra o retorno do conteúdo gástrico para o esôfago. Cerca de três dias após o procedimento, a inflamação no tecido atinge o auge. Também é possível observar uma dilatação nos espaço entre as células do esôfago, o que causa um comprometimento da barreira epitelial característico da doença”, contou Souza.

Em um dos grupos de camundongos, os pesquisadores iniciaram, logo após o procedimento cirúrgico, um tratamento por via oral com a goma purificada do cajueiro. O polímero foi obtido graças a uma colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Os animais receberam a terapia uma vez por dia durante uma semana. Ao final, foram sacrificados para que o tecido do esôfago pudesse ser analisado e comparado com o de animais não tratados.

“Nossos resultados mostram que a goma do cajueiro reduziu o edema e a permeabilidade do tecido. Ou seja, ao combater a inflamação, a terapia manteve íntegra a barreira epitelial, impedindo os ácidos gástricos de atravessar para a região abaixo do epitélio, onde podem ativar receptores envolvidos na sensação de dor [azia]”, explicou.

Em testes feitos in vitro, com biópsia de pacientes, o grupo também observou uma redução na permeabilidade do tecido do esôfago após o tratamento com a goma do cajueiro.

“No momento, estamos realizando estudos de toxicidade para avaliar a segurança e definir a dose ideal para que, futuramente, possam ser realizados ensaios clínicos com o polímero”, afirmou Souza.

Novos alvos terapêuticos

De acordo com Souza, quase metade dos pacientes acometidos pela forma não erosiva do refluxo gastroesofágico não respondem ao tratamento convencional – feito com medicamentos da classe dos inibidores da bomba de prótons, como o omeprazol e o pantoprazol.

“Há, portanto, uma grande necessidade de desenvolver novos métodos terapêuticos. Para isso, precisamos entender por que esses pacientes sentem dor mesmo não apresentando lesão no esôfago”, comentou.

Visando compreender os mecanismos envolvidos na sensação dolorosa, o grupo usou o modelo experimental para investigar o efeito do refluxo gastroesofágico sobre um receptor celular conhecido como TRPV1 (receptor de potencial transiente vaniloide do tipo 1, na sigla em inglês). Presente em células nervosas, essa proteína atua como um receptor sensorial, responsável por enviar um sinal que causa a percepção da dor em resposta a um estímulo potencialmente danoso.

“Nossos resultados sugerem que o aumento da permeabilidade no epitélio do esôfago, causado pela microinflamação que acomete pacientes com refluxo gastroesofágico não erosivo, permite aos ácidos gástricos atravessar a barreira epitelial e ativar esse receptor TRPV1, desencadeando a resposta dolorosa”, contou Souza.

Para validar a hipótese, o grupo tratou os animais com substâncias capazes de bloquear a ação do TRPV1. Em um outro experimento, foram administradas aos animais moléculas capazes de superestimular esse mesmo receptor, causando a destruição do sistema sensorial por ele modulado. Nos dois casos, foi possível observar diminuição na inflamação e na permeabilidade esofágica.

“Esses dados sugerem, portanto, que o receptor TRPV1 é um alvo terapêutico a ser explorado no tratamento do refluxo gastroesofágico não erosivo”, avaliou o pesquisador.

Expandindo fronteiras

Em sua terceira edição, o INFLAMMA reuniu cerca de 300 pessoas na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP).

“O simpósio começou pequeno, como uma atividade de difusão do CEPID, mas tem atraído a cada ano mais pesquisadores de todo o país. Este ano temos participantes de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Acre, Paraná, Santa Catarina e Ceará – além dos 22 palestrantes, sendo oito estrangeiros”, contou Fernando de Queiroz Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador do CRID.

Segundo Cunha, para ampliar ainda mais a interação com pesquisadores de outros estados, a ideia é levar o simpósio para fora de São Paulo em 2018.

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