Terça-feira, 26 de março de 2018 às 19h13


A Democracia teve um raro momento de êxtase no final da noite desta segunda-feira; Durante duas horas, sob a batuta do jornalista Augusto Nunes, o juiz Sérgio Fernando Moro da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, discorreu sobre as questões a ele endereçadas, mantendo a postura que dele se esperava. Ou seja, a mesma que sempre conduziu seus atos até aqui.

Gerson Soares

Modesto, compenetrado, risonho – quando a situação assim exigiu – e até brincalhão ele foi, ao dizer que ali estava cumprindo uma promessa de longa data, a de participar do programa Roda Viva. Invocando sua promessa em tom de brincadeira para suavizar-lhe a resposta difícil, quando a pergunta se elevou ao corporativismo judiciário, ele manteve-se austero para não adentrar em terreno estritamente polêmico, quando foi questionado sobre a lei que concede o auxílio moradia aos juízes. Sendo ele próprio beneficiário, disse que essa seria uma compensação pelos reajustes que não chegam há três anos e explicou que fica difícil falar em salários de juízes diante da diferença que entre estes e a maioria da população. Passada essa tempestade que, talvez, tenha sido a mais difícil de suas respostas, fora aquelas que o levavam opinar pelas decisões do conturbado Supremo Tribunal Federal (STF) – cujos últimos atos causam espanto até aos leigos – Moro não deixou sinais de dúvidas aos brasileiros quanto à sua intenção de continuar defendendo a frágil democracia brasileira. “Democracia é algo em construção e significa promessa de liberdade, igualdade e nesse aspecto nós estamos muito distantes desse cenário”, concluiu.

 

O juiz federal Sérgio Moro, durante o programa Roda Viva da TV Cultura, em entrevista nesta segunda-feira (26), ao vivo. Foto: TV Cultura / Reprodução

 

 

Enfim, uma autoridade que se comporta como tal, dando exemplos de postura e equilíbrio

A inédita entrevista ao vivo do juiz Sérgio Moro, a convite do jornalista Augusto Nunes – que se despediu com chave de ouro do comando do programa Roda Viva da TV Cultura –, foi o assunto mais comentado no Twitter mundial e trouxe esperança aos brasileiros. Poucas vezes, ou quase nenhuma vez, temos a satisfação de presenciarmos em autoridades, as mais altas da República, postura equânime, palavras consoantes, equilíbrio emocional a altura do cargo que ocupa, e entre outras respostas que caracterizaram sua estreia à frente das câmeras em rede nacional de televisão ao vivo, a demonstração de ser apenas um ser humano, capaz de reconhecer e analisar falhas e manter-se firme em suas convicções, mesmo que isso pudesse lhe custar caro e ao mesmo tempo comprometer a mais brilhante operação contra a corrupção de que se tem notícia no Brasil. E, se em algum momento a Lava Jato deixa que a luz da verdade se ofusque pela pressão de forças extraordinárias, perde o brilho, mas não jamais perde a tenacidade. Essas características se alimentam principalmente do apoio que tem recebido de vários setores e da população brasileira.

A favor da prisão em segunda instância

Sem melindrar a Corte Suprema, apesar de membros desta não perderem oportunidades para impor sua pesada e muitas vezes cega autoridade, Moro deixou claro que é a favor da prisão após o julgamento em segunda instância, como ocorreu nesta segunda-feira (26) em Curitiba que levaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao cárcere. “Ordenamos, eu e a juíza com quem trabalho 114 execuções de acórdãos desde o surgimento desse novo precedente em 2016. Se houver uma reversão desse precedente há uma grande chance de serem reformadas essas prisões e essas pessoas colocadas em liberdade”, ponderou. Das 114 citadas, 12 são da Operação Lava jato. “Nessas execuções há traficantes e até pedófilos, mas especialmente crimes de corrupção contra a administração pública, que não da Lava Jato”.

Modesto

Antes de a Lava Jato se tornar um assunto dominado pela população e suas ações levarem criminosos e corruptos das mais altas esferas políticas e empresariais a julgamento, o juiz Sérgio Moro ainda podia manter o hábito de dirigir-se ao trabalho de bicicleta. Quatro anos depois, foi transformado em celebridade e é considerado um herói nacional. Quando é lembrado de que grande parte da população brasileira assim o considera, Moro disse que “esse não é um trabalho feito por uma pessoa, existe uma instituição do judiciário, não só um juiz de primeira instância, mas juízes de outras instâncias, corte de apelação e, além disso, a Polícia Federal, o Ministério Público. É um trabalho mais amplo, é uma conquista institucional, além daqueles milhões de brasileiros que saíram às ruas em 2016 protestando contra a corrupção”.

Antes de entrar em cena no Roda Viva, concedeu uma entrevista exclusivo à jornalista Branca Nunes da Jovem Pan. Em determinado momento ela pede para que ele cite um homem ou mulher de sua admiração. Moro destaca como exemplo, “o Juiz Giovanni Falcone que se notabilizou pelo enfrentamento da Cosa Nostra Siciliana na década dos anos 80 na Itália. O que existia na Sicilia era a máfia, e assim como no Brasil, a máfia era tida como invencível. Aquilo era uma realidade natural, impunes os chefes. E, graças ao trabalho do juiz Falcone e também dos seus colegas, foi rompida essa invencibilidade da máfia. Os chefões foram presos, os ataques terroristas da máfia foram coibidos. Então ali um grande trunfo para a melhora do quadro de vida institucional da Itália e em particular da Sicilia”, apontou.

Habeas corpus de Lula e foro privilegiado

Sem entrar especificamente nas polêmicas decisões do STF, disse torcer para que a Suprema Corte “tome a melhor decisão” sobre o habeas corpus (HC) de Lula, cujo julgamento está agendado para prosseguir no próximo dia 4 de abril. Tecendo diversos elogios ao “saudoso ministro Teori Zavascki”, disse que ele foi muito importante para o funcionamento da Lava Jato.

“Sobre o foro privilegiado Moro foi enfático, diante da seguinte questão levantada pela bancada (João Caminoto | O Estado de São Paulo): O senhor já condenou mais de 100 pessoas denunciadas na Lava Jato. Boa parte desses processos no STF capengam, não andam. Nós temos agora a questão do HC do Lula que deve ser votado no dia 4. Eu gostaria de saber qual o seu sentimento em relação a isso? Todo o trabalho que é feito na Lava Jato, Curitiba, reflexo lá. E esse ponto focal que é a questão do Lula. O senhor acredita nessa tese que possa haver um acórdão para liberar não só o Lula, mas muitos outros implicados na Lava Jato? “Eu não sou censor do STF para emitir juízo de valor, censura ou coisa que o valha. O que eu tenho presente, e que alguns ministros já declararam publicamente isso, é que esse instituto, o foro por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado, através do qual, altas autoridades da República respondem diretamente ao STF é algo que não funciona muito bem. O Supremo, por melhores que sejam os seus ministros, não está preparado para julgar esses recursos. Veja a ação criminal 470, chamado Mensalão, com todos os méritos e esforço do ministro Joaquim Barbosa, e ele teve muito mérito nisso, ainda assim levou cerca de seis anos o julgamento. Diante dessa constatação, o que acho que nós devemos fazer como uma democracia é eliminar ou reduzir bastante o foro privilegiado, quem sabe assim nós tenhamos processos mais rápidos, e aparentemente caminha-se para um julgamento nesse sentido no STF. Quanto a questão de um acórdão, eu simplesmente como juiz não posso acreditar numa hipótese dessa”.

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Roda Viva | Sérgio Moro | 26/03/2018

Publicado em 27 de mar de 2018

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