Publicado em 7 de outubro de 2013

 

A atual Constituição Brasileira completou 25 anos no dia 5 de Outubro, mas seu texto ainda deixa brechas para que as leis sejam cumpridas. Baseados na Carta Magna do país, os Ministros do Supremo Tribunal Federal concederam a prorrogação do julgamento do Mensalão, enquanto silenciosamente o Brasil se vê de mãos atadas perante aqueles que se protegem na impunidade reinante.

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Assembleia Nacional Constituinte, 1988: ùltima sessão parlamentar que estabeleceu a atual Constituição brasileira. Foto: Agência Brasil

Quando assistimos aos noticiários mais populares da televisão, o que vemos repetidamente são os mais diversos tipos de crimes e a sensação é de que nossas leis poderiam ser comparadas à figura dos três macacos sábios – um trocadilho japonês – sendo cegas, surdas e mudas. A essa situação legislativa que parece insolúvel, podemos acrescentar vários agravantes, como por exemplo, a superlotação carcerária ou o significativo contingente da sociedade brasileira que acorre à criminalidade desde cedo, acreditando ser esta a solução para os seus problemas. Mas, principalmente à incrível sensação de impunidade que rege as mentes desde muito jovens no Brasil.

Diariamente, temos notícias de assassinos que friamente executam a tiros suas vítimas e mais recentemente ateiam fogo àqueles que não lhes fornecem dinheiro. Outro caso que abalou a opinião pública, e seria muito bom não ser esquecido, foi a morte de Victor Hugo Deppman, assassinado na entrada do prédio onde morava no Belém, bairro vizinho ao Tatuapé, quando voltava para casa depois do estágio. A câmera do condomínio proporcionou um momento bizarro, filmando com a frieza das lentes um crime brutal, ao mesmo tempo incompreensível, pois remete à reflexão de qual seria o real motivo do assassinato, que ocorreu na noite do dia 9 de abril deste ano.

A família do estudante Victor e seus vizinhos ainda devem estar se perguntando isto: O que leva alguém a matar seu semelhante com tamanha desfaçatez? Só o dinheiro e um celular? Ele teria sido obrigado por alguma outra situação que a inconformada opinião pública, policiais, delegados, juízes e legisladores desconhecem? E ainda: Seria ele um bandido nato, como dizem os especialistas no assunto? Sendo menor de idade não têm noção do que faz, como de certa forma o protegem as leis em vigor? O que parece, é que ser menor de idade significa poder tudo e desafiar a todos.

Talvez, esses tipos de indagações da consciência coletiva, se realmente haveria importância nesses questionamentos ou iniciar-se no país um fórum definitivo para solucionar o assunto, tenham levado o Governo do Estado de São Paulo – cuja capital é uma das mais atingidas pela violência – ao Congresso Nacional em Brasília, através do governador Geraldo Alckmin, que numa atitude rápida e corajosa se dispôs a encaminhar mudanças nas leis que regem a imputação de penas aos menores de 18 anos, após esse crime brutal.

Mas num gesto tão rápido quanto a bala do revólver ou as chamas que exauriram as vidas dos dentistas em dores indizíveis, o Congresso apontou para a Constituição Federal que dita a Legislação específica para menores de 18 anos, dando cabo a todos os outros pedidos de revisão e emendas nesse sentido que tramitavam na casa até meados deste ano; a CNBB protestou a favor dos menores, os defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente também se manifestaram contra a proposta do governador Alckmin – que por sua vez afirmou não querer mudar a Constituição.

Pois bem, com tantos defensores da não redução da maioridade penal e a Carta Magna do país a protegê-los, como evidenciar aos menores que a criminalidade deve andar bem longe de suas mentes? Ao mesmo tempo, como afastá-los da malignidade dos adultos que os levam a cometer os crimes engendrados por estes? Fato não recente e corriqueiro em delegacias, são os menores de idade assumindo a autoria de disparos e consequentes mortes das vítimas no lugar dos comparsas maiores de 18 anos, que nesse caso teriam penas mais rigorosas.

A sociedade brasileira está cada vez mais decepcionada com os governos e isso irá lhes causar grandes prejuízos eleitorais, como já pode ser observado nos últimos pleitos nas mais diversas esferas do poder. Aqui e ali surgem paladinos estrênuos que não aceitam as ameaças que lhes impõem os interesses escusos, emanados no Brasil nos mais obscuros formatos.

Quando se pergunta a uma criança: O que você quer ser quando crescer? Elas respondem: Médico, dentista, advogado, engenheiro, quero ser igual ao meu pai, vou ser como minha mãe. Os jovens se espelham nos exemplos dos pais e acabam muitas vezes seguindo para outras profissões modernas, como biotecnólogo, engenharia da automação, informática, manutenção de aeronaves, entre tantas outras. Mas o que vale é o exemplo. O jovem mais atento assiste a difícil tarefa que os pais desempenham para lhe dar a oportunidade de escolher e traçar o seu futuro.

Por isso aprendemos que o exemplo vem de cima. Em primeiro plano, dos pais. E, num sentido mais amplo das autoridades, dos governantes e legisladores do país. Nesse status do poder existe um abismo entre o certo e o errado, entre corrupção e a seriedade, entre o bem e o mal.

Sem reservas nacionalistas, temos como exemplo a própria Constituição americana, criada em 1789 e mantida até hoje com sete artigos e 27 emendas. “Nos EUA, a maioridade penal varia conforme a legislação estadual. Apenas 13 estados fixaram uma idade mínima legal, a qual varia entre 6 e 12 anos. Na maioria dos estados, a legislação se baseia nos usos e costumes locais, dentro do chamado ‘direito consuetudinário’, uma ‘lei comum’ que não é escrita, mas que tem força de lei. Segundo esta ‘lei comum’ (common law), não se pode presumir automaticamente que crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos possam ser responsabilizados por seus atos (imputabilidade absoluta), mas dependendo do caso podem sim ser responsabilizados por seus atos (imputabilidade relativa)”.

Para refletir sobre este tema, o exemplo que vem de cima, deixamos a frase do juiz americano Warren Burger, que por mais tempo presidiu a Suprema Corte americana, sobre a Carta Magna daquele país: “A Constituição representou não uma concessão de poder dos governantes aos governados – como o Rei João sem Terra concedeu a Magna Carta em Runnymede em 1225 – mas uma delegação de poder feita pelo povo ao governo que criou.”

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Móvel que guarda um exemplar original da Constituição de 1988 do Brasil no Museu do STF. Foto: Supremo Tribunal Federal

A Constituição Brasileira acaba de completar 25 anos. Uma dura conquista, porém excessivamente detalhista e extremamente longa para que o cidadão comum possa entender claramente os artigos sobre os seus direitos e deveres, aplicando-se o mesmo ao Estado. Talvez, a intenção da Assembleia Nacional Constituinte tivesse sido a melhor possível, sendo presidida pelo presidente da Câmara dos Deputados, o peemedebista Ulysses Guimarães entre 1987 e 1988. Mas depois de 25 anos não se pode dizer que a Carta Magna garanta um país verdadeiramente justo.