Sexta-feira, 22 de dezembro de 2017 às 19h30


Na natureza, as condições são um tanto inconstantes. Alimentos podem estar disponíveis ou não, predadores são mais abundantes em determinadas situações, os elementos climáticos são, por vezes, um desafio. Convém antecipar algumas dessas condições para entrar em ação quando é mais produtivo ou seguro. Aí entra o relógio biológico, um mecanismo interno para regulação de atividade cujo controle genético vem sendo desvendado nos últimos 30 anos – feito reconhecido pelo Prêmio Nobel de Medicina deste ano. Essa capacidade de previsão é especialmente preciosa para animais que não têm acesso fácil às indicações ambientais, como é o caso dos roedores subterrâneos conhecidos como tuco-tucos.

Maria Guimarães | Revista Pesquisa FAPESP

Trata-se de um ambiente extremo do ponto de vista da luz, também uma realidade para animais polares, abissais ou cavernícolas, e por isso precioso para estudos de cronobiologia. “Estamos comparando os ritmos biológicos na natureza e no laboratório”, conta a física Gisele Oda, coordenadora do Laboratório de Cronobiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). “A linha de campo é pouco usual na cronobiologia, tradicionalmente estudada em ambientes controlados”, afirma ela, que chegou à biologia pelo caminho da física, estudando oscilações em sistemas dinâmicos. O projeto desenvolvido por Oda teve apoio FAPESP.

 

Física, biologia e tecnologia se unem para desvendar ritmos circadianos de roedor subterrâneo. Imagem: Revista Pesquisa FAPESP

 

A comparação entre as duas situações logo acrescentou elementos a serem desvendados quando os tuco-tucos, diurnos na natureza, no laboratório passaram a ser noturnos. Essa mudança já tinha sido observada em outros animais, entre eles os parentes chilenos dos tuco-tucos conhecidos como coruros.

A bióloga Patricia Tachinardi, do grupo de Oda, concentrou-se nesse aspecto e concluiu que traz o benefício de economizar energia, conforme relata em artigo publicado no ano passado na revista científica Physiological and Biochemical Zoology.

Como parte de seu doutorado, defendido este ano, Tachinardi pôs tuco-tucos em câmaras que medem a atividade metabólica por meio do consumo de oxigênio na respiração. Nesses experimentos foi possível definir que temperaturas entre 23 graus Celsius (°C) e 33 °C são ideais para esses animais e estimar quanta energia eles economizam sendo diurnos ou noturnos.

O estudo contou com a parceria do fisiologista norte-americano Loren Buck, da Universidade do Norte do Arizona, especialista em balanço energético nas condições naturais. Um percalço surpreendente foi que três dos nove animais sujeitos ao experimento, notívagos no laboratório, instantaneamente passaram à atividade diurna nessas caixas. “A umidade aumenta e a concentração de oxigênio é menor do que nas condições normais do laboratório, precisamos controlar essas condições para investigar o que incita a mudança no padrão de atividade.”

Acontece que no inverno, quando o aconchego do ninho subterrâneo seria bem-vindo, os tuco-tucos na natureza precisam estar mais ativos. Eles têm que comer mais para obter a energia suficiente para enfrentar o frio e o alimento, nessa época, é mais escasso. Torna-se então crucial restringir a atividade às horas em que o Sol ameniza a temperatura. Para estudar em detalhe o consumo energético em campo, o grupo de Gisele esbarra em limitações técnicas. “Os acelerômetros que temos ainda são muito grandes para serem acoplados aos animais livres”, diz a física. Ela se refere a aparelhos que, presos a coleiras ou implantados, poderiam registrar com precisão o movimento e o dispêndio de energia dos animais.

Orçamento energético

É curioso constatar a capacidade adaptativa do horário de atividade como se as condições ambientais acionassem um interruptor que instantaneamente muda o padrão. “Ser noturno ou diurno costuma ser associado à identidade de cada espécie, como um rótulo imutável”, comenta Oda. As observações se encaixam no modelo “trabalhando por comida” do cronobiólogo holandês Roelof Hut, da Universidade de Groningen, onde Patricia passou um período durante o doutorado. Ele mostrou, em camundongos, que o aumento da dificuldade para obter comida os transforma de noturnos em diurnos. “Quanto mais eles precisam fazer esforço para comer, mais diurnos ficam”, explica a bióloga.

Seria, de acordo com a hipótese, o que acontece com os tuco-tucos quando precisam cavar túneis para encontrar escassas folhagens. “O orçamento energético na natureza é bem justo, enquanto no laboratório eles têm alimento à vontade.” Na mordomia calórica do cativeiro, esses animais reverteriam ao modo noturno – supostamente o padrão nos ancestrais dessa espécie.

Nature lança sistema para estimar, “com 100% de exatidão”, o impacto de qualquer pesquisa em 50 anos. Vale avisar: é brincadeira.

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