Quarta-feira, 17 de setembro de 2014, às 10h48


Foi aos poucos. Deterioração e decadência não acontecem de um dia para o outro. E, assim, mais uma parte da história se perde.

Gerson Soares

Sem questionar os direitos de cada um e de todos, sobre o episódio ocorrido ontem (16/9) no centro da cidade de São Paulo [sobre o violento confronto entre 200 famílias despejadas do antigo Hotel Aquarius no centro histórico de São Paulo e a Polícia Militar que cumpria mandato de reintegração de posse], no que pensamos são as páginas sagradas da história paulistana que aos poucos se perderam para os cupins, a ferrugem e a poeira das antigas construções.

Edifícios majestosos, cobertos de glamour com suas docerias, lojas chics e o footing; ruas que viram a glória das manifestações revolucionárias, onde mesmo sob o fogo inimigo, se impunha a ordem entre os paulistas.

Nos anos 50, o Martinelli (visto ao fundo) rodeado pelos prédios do Banespa e do Banco do Brasil, ainda em construção. Foto: Livro Lembranças de São Paulo

O progresso nunca deu margem à destruição e o centro de São Paulo esbanjou beleza, comparado – pelos turistas e homens de negócios do exterior – a Paris, Londres e à Europa. Fachadas belíssimas, palacetes ali se ergueram. Deles quase nada restou; dos grandes, nenhum para testemunhar vivamente a história.

O centro de São Paulo agora é reivindicado pelos moradores sem teto, sem trabalho, sem isso nem aquilo, apoiados por movimentos que se infiltram entre os mais necessitados e os usam como massa de manobras para suas ações e intuitos.

As leis, ora as leis, são tantas que se confundem a si mesmas, prorrogando as decisões, dando brechas para o acaso. E, se não tomam para si a responsabilidade do patrimônio que se esvai, também não preservaram a memória de São Paulo, deixando ao sabor da própria sorte, verdadeiras relíquias arquitetônicas e o urbanismo do velho centro – ainda preservados com esmero na maioria dos países que as inspirou, hoje visitados por bilhões de turistas.

Nessa agonia desvairada da parte mais antiga da pauliceia, as hostes se digladiam e destroem, não só o que resta, mas o que já passou: a dignidade.

Dos homens que fizeram a cidade e sua grandeza poucos ainda restam, nas consciências coletivas já morreram todos, foram esquecidos para sempre. Martinelli, Ramos de Azevedo, Barão de Limeira, Brigadeiro Luís Antônio, entre tantos moradores ilustres, não imaginariam ver a sua cidade acabar assim.

Que aos necessitados se incuta os valores e se lhes concedam as condições para a evolução pessoal, a São Paulo que se dê o devido respeito. Se não pelo seu passado virtuoso, pelo menos ao horror do abandono relegado ao velho centro.

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