Sábado, 14 de julho de 2018, às 18h18 - atualizado domingo, às 11h53, para novas informações


O remédio ciclosporina, sob a responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e o remédio micofenolato de sódio, entregue a esta pelo Ministério da Saúde, ambos estão faltando sistematicamente desde maio de 2017, nos postos de distribuição aos pacientes de São Paulo. Em última análise, isto pode levar essas pessoas à morte em pouquíssimo tempo.

Gerson Soares

Apesar da gravidade que envolve a falta de remédios de alto custo para transplantados, incluindo os citados acima entre outros, associações, entidades, órgãos federais e estaduais ligados à saúde e também os judiciários, não conseguem solucionar o problema, seja em conjunto ou separadamente. Os transplantados são aqueles que após terem comprovadas as falências de órgãos como fígado, pulmões, pâncreas, rins e coração, recebem de doadores uma chance para continuarem tendo uma vida praticamente normal, após o transplante – ossos também podem ser transplantados. A beleza desse processo, o de proporcionar às pessoas e seus entes queridos uma rara oportunidade para seguirem lado a lado, está muito bem exemplificado no artigo do presidente da ABTO e Professor Titular da FMUSP, Paulo Pêgo Fernandes, “50 anos do Primeiro Transplante Cardíaco no Brasil: O que mudou?”, que pode ser acessado clicando no título em destaque. Infelizmente, o texto não abordou o que tange ao pós-transplante, não era esse o foco – os remédios que são essenciais para o sucesso completo dos transplantes de órgãos.

 

 

Porém, o foco desta matéria são os problemas acarretados com a sonegação sistemática de remédios aos transplantados em São Paulo. Ficamos com este grupo, sem nos estendermos a outros pacientes que também amargam inúmeras dificuldades para obterem as respectivas medicações para suas enfermidades, sem contar as estratégias impostas pela atual gestão da Secretaria da Saúde de São Paulo – assim como a anterior – e pelos funcionários da SPDM, que travam o processo de entrega e levam à ruptura dos nervos de qualquer cidadão com exigências e mudanças sem que haja um propósito fim aparente. A falta de um carimbo, uma letra trocada, um ponto ou uma vírgula fora do lugar no preenchimento dos formulários do chamado “renovação de processo” é motivo para criar entraves e fazer com que o paciente não receba os remédios, levando pessoas ao desespero.

Recentemente houve uma mudança nesse tipo de preenchimento e as consequências foram o aumento das filas e mais problemas, que seriam facilmente solucionados com sistemas informatizados acessíveis para médicos, fornecedores de medicações, setores de logística e atendimento que trabalhariam em grupo; também seria possível criar um simples aplicativo para celular. No entanto, essas providências não são tomadas para reforçar o controle de aquisição e distribuição dos remédios aos pacientes, causando os transtornos que veremos a seguir. Levando-se em conta que não pode haver falta de verbas por parte dos governos federal e estadual ou municipal para obter medicamentos, só nos resta imaginar porque não se facilita esse sistema. A corrupção está sendo desbaratada no País, aos trancos e barrancos chegamos ao ponto de, através de sistemas antiquados, permitir que se surrupiassem verbas das merendas de crianças em São Paulo. Estariam os remédios passando por algum esquema parecido? Com a palavra os órgãos mais adequados para respondê-la.

Imunossupressores

Os imunossupressores são vitais para o bom funcionamento dos órgãos transplantados, sem esses remédios o paciente que recebeu um novo coração, fígado ou pulmão certamente terá um processo de rejeição que o corpo irá impor ao chamado enxerto – o órgão recebido de um doador é tecnicamente assim denominado. Pacientes que receberam um rim, caso não tomem as doses de imunossupressores recomendadas pelos médicos, também passam por dilema semelhante. Os transplantados renais que tenham o órgão rejeitado pela falta de remédios, além de terem de voltar para a hemodiálise, deverão passar por nova cirurgia para a retirada do enxerto. Em resumo, é isto o que acontece com os transplantados que ao chegarem às unidades de alto custo do Governo do Estado de São Paulo não encontram os medicamentos conforme prescritos. Explicamos que isso se multiplica ao Brasil como um todo, mas exemplificamos a questão tomando por base o maior e mais rico estado brasileiro.

Desde 2014, acompanhamos e denunciamos este dilema, são inúmeras reportagens publicadas a respeito (saiba mais clicando aqui, leia todas as reportagens). No entanto, os órgãos responsáveis por esse fornecimento não regularizam a situação que se agravou desde o início de 2017. Atualmente, são fornecidas metades das doses recomendadas pelos médicos, com a promessa de que os pacientes receberão as doses restantes assim que os estoques se regularizem, mas isso não acontece. Normalmente, eles são informados que “não há previsão de entrega”. Nesta quinta-feira (12), ao contrário de receberem a metade das doses, não havia no Posto da Vila Mariana os remédios necessários e nada foi entregue. Os pacientes que precisavam dos imunossupressores Micofenolato 360 mg e Ciclosporina 50 mg, voltaram para casa de mãos vazias. A gota d’água vem com a velha afirmativa dos atendentes da SPDM a cargo da Secretaria da Saúde de que não havia previsão de entrega. Fato que confirmamos nesta sexta-feira (13). Testemunhas informaram que mesmo não entregando as doses completas dos remédios, que nada mais é do que cumprir o dever, os funcionários da SPDM se atinham àqueles pequenos detalhes burocráticos (descritos anteriormente) para criarem entraves, ameaçando e humilhando as pessoas com a sonegação da entrega.

Entidades de saúde, medicina e judiciais

A maratona em busca de esclarecimentos sobre essa gravíssima falha no sistema de saúde paulista começou por volta das 10h da quinta-feira, quando conversamos com a SPDM (Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), responsável pela logística de distribuição dos medicamentos e atendimentos aos pacientes da Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana, a cargo da Secretaria da Saúde de São Paulo, cujo atual secretário é o senhor Marco Antônio Zago, ex-reitor da USP que substituiu David Uip, médico que jamais veio a público responder sobre a questão da falta de remédios enquanto esteve no cargo, muito menos nos proporcionando a honra de uma entrevista para entendermos melhor esse processo e a falta de vontade para seu aperfeiçoamento. É de se espantar que pessoas do mais alto nível ocupem esse cargo sem se dar conta da gravidade que a falta de remédios para transplantados e outros pacientes pode causar.

Na sequência, contatamos os seguintes órgãos: Secretaria da Saúde de São Paulo, Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina (CFM), para os quais enviamos emails sobre o assunto em questão. Estes também foram enviados à assessoria de comunicação da Associação Paulista de Medicina (APM) e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), Promotoria de Saúde Pública do Ministério Público de São Paulo (MPSP). Nesta sexta-feira, comunicamos o fato à Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), fizemos contato com a Associação Brasileira de Transplantados (ABTX) e a Ouvidoria do Ministério Público de São Paulo que encaminha e leva às promotorias para as devidas providências jurídicas.

Frisamos que o grau de seriedade desta questão está no fato de os pacientes transplantados correrem o risco de virem a óbito em questão de dias na falta dos medicamentos citados ao terem os órgãos transplantados rejeitados, como já foi explicado. Nem é preciso comentar as consequências que envolvem estes cidadãos e suas famílias. Comprovadamente esse fato ocorre sistematicamente há no mínimo 14 meses, desde maio de 2017, mas não é novidade desde 2014.

Saiba mais em:
Falta de remédios distribuídos pelo governo causa medo e apreensão aos pacientes
Remédios de alto custo: Farmácia Vila Mariana e a falta de medicamentos
Falta de remédios de alto custo amedronta pacientes

É importante notarmos a angústia de alguém que passa pela humilhação de não conseguir os remédios que precisa para continuar vivendo devido aos fatos aqui narrados. É importante lembrarmos que num país onde são gastos milhões incontáveis com mordomias governamentais e judiciárias, sonega-se remédios aos doentes, não só aos transplantados. A estes nos restringimos, para não darmos uma dimensão incomensurável a esta notícia. Por fim, é importante levarmos em conta todas as dificuldades atravessadas pelos doentes, que retornam mensalmente em busca dos remédios, sem que haja um sistema mais adequado para suprir essa necessidade. Mais ainda, devemos lembrar que nem todos conseguem ir até o posto para retirar os medicamentos por estarem debilitados ou outros motivos, quanto mais voltar diversas vezes para saber se os medicamentos que não foram entregues devidamente estão disponíveis – lembremos que estão entregando as metades das doses e agora nem isso. Esses pacientes são orientados para ligarem (telefone 5074-4700 Posto Vila Mariana), mas perversamente ninguém os atende.

Sobre o telefone citado, em outras oportunidades, ao longo dos últimos quatro anos, já obtivemos a resposta de que não há contingente suficiente no posto para atender as ligações! Inúmeras foram as tentativas de contato com a Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana durante o dia 12 – assim como já fizemos outras vezes –, mas o telefone só tocava e não foi atendido. Os comentários nas matérias dos links acima comprovam o desleixo. No entanto, depois dos emails enviados pela nossa produção aos órgãos citados, o dito número telefônico, 5074-4700, atendeu no primeiro toque por volta das 14h desta sexta-feira. O que se constata é a mais pura falta de respeito e humanidade com aqueles que mais precisam.

 

Ilustração: aloart

 

Sobre a localização e demais postos

Em março de 2014, a Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana mudou de endereço. Passou de um local privilegiado em matéria de acesso e transporte (saiba mais em "O dilema de quem faz transplante no Brasil, governo precisa dispensar também respeito") para o final de íngreme ladeira na Vila Clementino. Portanto, deixando a proximidade com estação do metrô e terminal de ônibus na Avenida Domingos de Morais para ser instalado ao lado da Avenida Rubem Berta, no final da Avenida Dr. Altino Arantes.

Links que juntos somam mais de 20.000 acessos:
Farmácia de alto custo Vila Mariana Posto Altino Arantes tem novo telefone (mudança para o número atual 5074-4700 que não atende, quando cobramos atende por algum tempo e depois para novamente)
Posto da Altino Arantes inaugura com melhores condições aos usuários (quando houve a mudança de endereço citado na reportagem)
Unidade de Farmácia Vila Mariana

As unidades da Farmácia de Alto Custo em São Paulo (tanto na cidade como em outros municípios do Estado) estão localizadas nos seguintes endereços: Farmácia do AME (Ambulatório Médico Especializado) Maria Zélia, Farmácia Várzea do Carmo, Farmácia de Campinas, Farmácia de Guarulhos e Farmácia da Vila Mariana.

Em abril de 2016, devido às reclamações da falta de remédios que chegavam até a nossa redação com a repercussão das reportagens não só sobre esse assunto, mas também com a burocracia e o desrespeito com os cidadãos, lançamos a Campanha +Respeito, no que a Secretaria da Saúde se deu ao trabalho de lançar o trocadilho “Mais Saúde” em seu site, usando todo o seu poder para mostrar as ações da pasta. Todavia, como podemos perceber aqui, se atingiu sua meta por um lado, continua desrespeitando o cidadão paulista quando não lhe entrega os remédios e o martiriza com burocracias, como a exigência de carimbos, números e siglas as quais ele não entende, sem se preocupar em dinamizar sua gestão.

A gota d’água que faz transbordar a paciência dos cidadãos ainda se reflete na Campanha +Respeito na Saúde. Nosso objetivo foi e será promover mais respeito com as pessoas que necessitam tomar remédios de alto custo e o todo envolvido, mostrando a necessidade da implantação de um sistema mais inteligente para a dispensação dos mesmos, evitando desvios e perdas, equalizando necessidades, utilizando aplicativos e TI, deixando para os registros museológicos o antiquado e decadente processo atual, sujeito a falhas constantes.

Enquanto presidentes, governadores, secretários, parlamentares, ministros das mais altas cortes e a camada sombria das classes política e jurídica do País usufruem de tudo quanto lhes possa oferecer o poder de seus cargos, com vantagens e salários espetaculares pagos pela sociedade, o Brasil sonega remédios aos seus doentes. Traz a tona, mais uma de suas vertentes de injustiças e promiscuidade política, distanciando-se a cada dia da austeridade que se prega nos países civilizados, afastando-se cada vez mais daquilo que leva à igualdade e a fraternidade para atingir a prosperidade, onde cabe lembrar ainda a inscrição na bandeira nacional, símbolo máximo da União: “ordem e progresso”, termos usados em recentes slogans do Executivo...

Em resposta às nossas perguntas sobre como é possível faltar remédios de alto custo para transplantados e outros pacientes portadores de doenças, o Ministério da Saúde e a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, vítimas sob as asas de poderes fracassados, repercutem as mesmas respostas com as quais estamos acostumados há anos, sem que sejam solucionados definitivamente os problemas criados pela falta de gestão, mas principalmente pela falta de moral.

 


Seguem as respostas fornecidas pela SPDM e Ministério da Saúde ainda na quinta-feira (12) quando iniciamos esta matéria, e a resposta da Secretaria da Saúde de São Paulo que chegou na sexta-feira (13).

MINISTÉRIO DA SAÚDE

O Ministério da Saúde esclarece que os estados estão abastecidos dos imunossupressores micofenolato de sódio 180mg e 360mg. Para o estado de São Paulo, já foram encaminhados neste ano 831.120 comprimidos do micofenolato de sódio 180mg e 10.085.580 comprimidos de micofenolato de sódio 360mg. Cabe destacar que o estado recebe o medicamento para atender a demanda do trimestre, definido com base no consumo médio mensal dos 12 meses anterior à compra, sempre levando em consideração se houve alguma mudança em protocolo ou ampliação de consumo. Sendo assim, o quantitativo distribuído está previsto para abastecer a rede até o mês de setembro de acordo com a demanda solicita pelo estado. É importante deixar claro que a entrega é feita às secretarias estaduais de saúde, responsáveis por distribuir aos municípios. Em relação ao medicamento ciclosporina, é de responsabilidade do estado o financiamento, aquisição e dispensação.

SPDM

Informamos que a SPDM realiza a dispensação dos medicamentos, mas a aquisição é de responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde e que estamos fazendo todas as tratativas possíveis junto ao órgão para a regularização dos itens faltantes.

SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO

A Coordenadoria de Assistência Farmacêutica esclarece que o medicamento Micofenolato de Sódio é adquirido e distribuído aos estados pelo Ministério da Saúde. Porém, as entregas do governo federal têm ocorrido com irregularidade em termos quantitativos e periódicos.

Para atender os pacientes do terceiro trimestre de 2018, a Secretaria de Estado da Saúde solicitou o envio de 4.469.608 comprimidos do Micofenolato de Sódio de 360 mg, mas o MS só aprovou 3.352.200 (75% do total necessário) e até o momento não realizou sequer entrega parcial, embora a legislação estilasse o prazo de 20 de junho. A previsão é de entrega e reabastecimento é até a próxima semana.

Quanto ao medicamento Ciclosporina 25 mg, a pasta informa que o mesmo já foi adquirido e será cobrada celeridade na entrega por parte do fornecedor. O paciente será comunicado sobre a disponibilidade.

Cabe esclarecer que o SUS (Sistema Único de Saúde) distribui mais de 1.000 tipos de medicamentos em diferentes apresentações no Estado de São Paulo.

Para atender os pacientes cadastrados no programa de Medicamentos Especializados (Alto Custo) em todo o Estado, a pasta estadual realiza planejamento periódico dos estoques, com base no consumo e mais uma margem de segurança para garantir que a unidade tenha estoque até que seja abastecida pela próxima compra. Mas, alguns fatores, alheios ao planejamento da pasta, podem ocasionar desabastecimentos temporários, como aumento inesperado de demanda (acima da margem de segurança prevista), atraso por parte do fornecedor, logística de distribuição do Ministério da Saúde, pregões “vazios” (quando nenhuma empresa oferta o medicamento) ou pregões “fracassados” (quando as empresas estabelecem preços acima da média de mercado, o que inviabiliza legalmente a aquisição).

Campanha +Respeito: Ilustração: aloart

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