20 de março de 2014

Já dizia um velho pescador: “Pode faltar dinheiro, comida, só não pode faltar água. Água é o bem mais precioso”.

Gerson Soares


É, o velho Tião, sabia do que estava falando. Á agua que abastecia sua residência vinha do alto da serra através de canos finos de plástico. Não esses modernos de PVC, eram quilômetros de canos de plástico emendados. Ainda hoje são usados pelos caiçaras do litoral norte paulista, aonde a água da Sabesp nem sonha passar, mas também não falta. Enterrados e passando de um terreno ao outro, aparecem aqui e ali. Alguém que não tenha conhecimento de causa nem chega perto deles, com medo de mexer aonde não deve e provocar a faltar do líquido imprescindível. Fora o trabalho que dá para consertar.

Com botas de borracha, calção vermelho, facão na mão, lá ia ele subindo pelas trilhas da mata até desaparecer, com sua camiseta branca suada e digamos, um pouco surrada, um furo maior aqui e outro menor ali. Era roupa de trabalho, já estava acostumada. A caminhada do Tião o levaria até o alto dos morros que devagar dão lugar à Serra do Mar.

“Esta vindo pouca água, tenho de ir olhar. É bicho que passa, gente que mexe, folhagem que entope o cano, às vezes por causa da chuvarada”, explicava ele. Não muito feliz de ter que percorrer a mata depois da pescaria, que fazia na canoa cavada na casca de um certo tipo de árvore litorânea, assim como a dos índios. A borda da embarcação já estava afinada e apresentava cortes nas bordas de tanto passar as cordas das redes. Saía cedinho antes do dia clarear e chegava lá pelo meio dia. Ele nasceu pescando, esse entendia de água. Subir a trilha não é para qualquer um.

Quando voltava do alto do morro, o Tião estava coberto de folhas, fustigado por espinhos e até os insetos ousavam picar sua pele grossa. Ele mostrava os calos da mão que mais parecia um casco. “Melhorou?”, perguntava para a esposa, que tinha os filhos com pouco mais de 10 anos, um menino e uma menina.

Água não podia falta e o Tião respeitava isso como à sua família. Fora os campistas, cujas barracas ficavam espalhadas pelo seu terreno; no máximo sete, oito barracas; algumas bangalôs, outras menores. Eles dependiam da água que vinha da serra para tudo. Beber, tomar banho, preparar a comida, lavar as roupas, descarga dos banheiros.

Na capital paulista e na maioria dos locais servidos pela Sabesp, ninguém precisa se preocupar com isso. Bem, que fique claro: Não precisa se preocupar em escalar a Serra do Mar para captar água, ela chega até a torneira. Mas, mesmo depois das chuvas que estão ocorrendo, ainda é preciso economizar esse bem precioso.

Ambientalistas, meteorologistas e a própria Sabesp pedem que a população continue poupando água. O governo está tomando providências (leia mais: https://alotatuape.com.br/?p=2903), mas a população precisa continuar economizando, apesar dos temporais passageiros.

No Sistema Cantareira, a questão é que as chuvas do final e começo do ano ficam armazenadas e compõe o planejamento de abastecimento para o ano inteiro. Portanto, a escassez pluviométrica nessa época pode acarretar problemas nos meses que virão. Por isso, é preciso poupar.

Logo depois da seca e do calorão em São Paulo, entre os meses de dezembro até o final de fevereiro, à ocorrência de chuvas em março, puderam ser vistos alguns desperdícios, como a lavagem de fachadas e calçadas, talvez imaginando-se que a situação está sendo normalizada pelas pancadas que caem no final de tarde. Este é um engano que pode custar o racionamento no futuro, como já vem ocorrendo em Guarulhos, por exemplo.

Então, vamos fazer como o nosso amigo Tião, que respeitava a água difícil de levar até as torneiras da sua casa, mas que abria um sorriso contido quando ela voltava a jorrar.

“Melhorooou”, respondia sua esposa, menos nervosa e mais feliz. Parecia até que um sorriso se esboçava em seu rosto. As crianças brincavam...

 

Cena de um final de tarde em Ubatuba: riacho chegando até a praia é uma dádiva aos caiçaras desde os tempos mais antigos.