Atividades econômicas que dependem diretamente dos recursos marinhos respondem por 2,91% do Produto Interno Bruto e 1,07% do emprego. Quando se consideram os efeitos indiretos de seu encadeamento com outros setores, o impacto sobe para 4,45% do emprego e 6,39% do PIB do país

Agência FAPESP | José Tadeu Arantes


Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) revelou a estrutura da chamada “economia azul” no Brasil – o conjunto de atividades econômicas que dependem diretamente dos recursos marinhos. Com base em um modelo inter-regional de insumo-produto, os autores mapearam os impactos diretos e indiretos dessas atividades, evidenciando tanto a importância econômica do litoral quanto sua profunda conexão com o interior do país.

A pesquisa foi realizada por Eduardo Haddad, professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP), e por Inácio Araújo, pesquisador de pós-doutorado no mesmo departamento. Artigo a respeito foi publicado no periódico Ocean Sustainability.

“O que aportamos como inovação foi a mensuração da chamada economia do mar, com destaque para a dimensão geográfica e a interconexão da estrutura produtiva. Isso gerou um conhecimento que pode servir de base para outros modelos”, afirma Haddad.

Segundo o estudo, em 2019 as atividades diretamente ligadas à economia azul responderam por 2,91% do Produto Interno Bruto (PIB) e por 1,07% do emprego nacional. Na composição desse PIB Azul, o setor de longe mais relevante foi extração de petróleo e gás natural (60,4%), seguido por administração pública e defesa (7,4%) e armazenagem e transporte (7,3%). “Em termos de valor, o grosso está no petróleo offshore, que contribui com mais de 60% do PIB Azul brasileiro. Os outros quase 40% estão distribuídos em clusters como defesa, turismo costeiro, transporte marítimo e pesca”, informa o pesquisador.

Um dos principais resultados do trabalho foi mostrar a interconexão da economia do mar com cadeias econômicas de áreas não costeiras. Quando se consideram os efeitos indiretos do encadeamento com outros setores, o impacto da economia azul sobe para 6,39% do PIB e 4,45% do emprego. “É como se eu retirasse uma planta do solo e viesse junto toda a raiz, que havia se expandido até muito longe. Quando abstraímos do conjunto da economia uma atividade ligada ao mar, como a pesca, isso afeta toda a cadeia de valor para trás e para frente. Eu costumo brincar dizendo que é por meio dessa interconexão econômica que o mar chega a Minas Gerais”, explica Haddad.

Embora a economia azul brasileira esteja fortemente concentrada na região Sudeste, com Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo respondendo por 82% da produção direta, o estudo revela uma diversidade de especializações regionais. “O que percebemos são várias nuances regionais nas economias costeiras e isso tem implicações importantes para o desenho de políticas de desenvolvimento sustentável”, argumenta Haddad. “Daí o título de nosso estudo: Tons de azul.”

Enquanto o Sudeste e parte do Sul se destacam em extração de petróleo e transporte marítimo, o Nordeste mostra maior especialização em turismo costeiro e pesca artesanal. Segundo o pesquisador, “a economia do mar é importante de formas diferentes, dependendo da região. No Rio de Janeiro, é o petróleo; no Ceará, são o turismo e a pesca”.

O estudo também ranqueia os 50 municípios com maior participação na economia do mar, que concentram 90% da atividade nacional. “Do total de 280 municípios costeiros, a maior parte dos mais relevantes está no Estado do Rio de Janeiro, muito em função da exploração de petróleo”, observa Haddad.

 

Municípios costeiros do Brasil: o país é composto por 5.570 municípios, distribuídos pelos 27 Estados; destes, 280 municípios, em 17 estados, estão localizados ao longo da costa atlântica. Imagem: Eduardo Haddad et al./Ocean Sustainability

 

Para os autores do estudo, o Brasil precisa superar a fragmentação das políticas marítimas. Apesar de contar com a Política Nacional para os Recursos do Mar e com a Política Marítima Nacional, ainda não há uma articulação eficaz para transformar os recursos oceânicos em desenvolvimento sustentável.

“O que fizemos foi adotar uma abordagem integrada, que mede não apenas o efeito direto das atividades ligadas ao mar, mas também as interações com outras atividades econômicas, localizadas tanto na costa quanto no interior”, sublinha Haddad. “A lógica é permitir que políticas públicas regionais sejam mais bem calibradas à realidade de cada território.”

A metodologia desenvolvida no estudo já começou a ser aplicada em lugares cujas economias dependem fortemente do mar, como Ilha da Madeira, Açores e Peru. “Nossa pretensão é contribuir para a formulação de decisões ambientais e econômicas mais justas, territorialmente sensíveis e eficazes”, conclui Haddad.


Destaque – Imagem: aloart / IA Image


Leia outras matérias desta editoria

Brinquedos vendidos no Brasil têm níveis preocupantes de elementos tóxicos, mostra estudo

Análise de 70 produtos plásticos infantis revelou contaminação química em grande parte das amostras, com níveis até 15 vezes acima do permitido; bário, chumbo, crômio e antimônio foram os mais encontrados. Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP...

Pesquisa sobre modelo de IA segura para uso governamental ganha prêmio internacional

Destacado como melhor trabalho acadêmico no Latin American Symposium on Digital Government, estudo da USP de São Carlos foi financiado pela FAPESP. Agência FAPESP Um artigo produzido por pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da...

O papel da racionalidade e das emoções na tomada de decisões jurídicas

Todas as emoções causam vieses na tomada de decisões jurídicas? Um projeto financiado pela União Europeia (UE) investigou cenários em que emoções sutis podem auxiliar na análise crítica de evidências. A tomada de decisões jurídicas tem sido...

Desvendando os mistérios do transporte químico através das membranas celulares, estudo pioneiro

Artigo divulgado no dia 12 de maio deste ano revela pesquisas inovadoras sobre proteínas transportadoras de soluto e expande enormemente o conhecimento da comunidade científica sobre as vias de transporte químico em células humanas. Um esforço...

Obesidade abdominal e perda muscular aumentam em 83% risco de morte após os 50 anos de idade

Estudo realizado com mais de 5 mil pessoas durante 12 anos mostrou que medidas simples para avaliar as duas condições podem favorecer o diagnóstico de obesidade sarcopênica sem a necessidade de exames complexos como ressonância e tomografia...

Estudo sobre “economia azul” mostra interdependência entre regiões costeiras e interioranas do Brasil

Atividades econômicas que dependem diretamente dos recursos marinhos respondem por 2,91% do Produto Interno Bruto e 1,07% do emprego. Quando se consideram os efeitos indiretos de seu encadeamento com outros setores, o impacto sobe para 4,45% do emprego e...

De onde vêm os bebês?

Robin Marantz Henig* Jornalista Científica No início, ninguém entendia realmente como os bebês eram formados. Pensadores se intrigaram por milênios sobre como a vida surgia de uma geração para a outra, mas foi somente no século XVII que os...