Os feriados de algumas datas importantes, como a Páscoa ou o Natal e Ano Novo, que para muitos são momentos de confraternização, solidariedade, descanso ou de fazer uma pausa para sonhar com futuras realizações, tiveram sua origem em tempos longínquos.
Na Roma Antiga (753 a.C.- 476 d.C.), já se conhecia o termo latino feriae, que designava os “dias de descanso ou dedicados a festas”. Evoluindo ao longo do tempo, em algumas culturas, relacionou-se com os dias da semana, especialmente em contextos religiosos. Na língua portuguesa, a palavra “feira” mantém uma ligação com a ideia de um dia específico (precedida ou não por hífen), geralmente associada a mercados e eventos.
Feriae está emparentada com festus (“festivo”) e festa, termos que, por sua vez, deram origem a uma vasta gama de vocábulos em línguas românicas, incluindo “festa”, “festivo”, “festim”, “festejar” e “festival”.
Obrigação de relaxar
Para os romanos, o conceito de feriae era fundamentalmente diferente da ideia moderna de um dia de folga. Eram dias de repouso público instituídos para honrar os deuses e celebrar rituais religiosos. O descanso não era um direito opcional, mas uma obrigação cívica e religiosa.
Durante as feriae, uma série de atividades era estritamente suspensa: o comércio, os negócios, o funcionamento dos tribunais de justiça e as assembleias cívicas eram interrompidos. O trabalho era proibido por lei civil e religiosa, e um cidadão que fosse apanhado a trabalhar num dies feriati (dias de descanso) estava sujeito a uma multa.
Da Roma Antiga à Cristandade
Na sua superfície, o feriado — palavra derivada de feriae — designa o descanso. Portanto, relaxar nesse dia é um comportamento muito antigo da humanidade.
A transição do conceito de feriae para o termo “feriado”, como o conhecemos hoje, é inseparável da ascensão do cristianismo e da sua presença cultural na Europa. Com o uso eclesiástico, a palavra “feriado” recebeu uma nova conotação, passando a ser vista como “um dia em que se homenageia um santo”.
Singularidade da Língua Portuguesa e a ‘Feira’
A história do termo “feriado” chega a um desvio fenomenal e único no desenvolvimento da língua portuguesa. Ao contrário de outras línguas românicas que mantiveram a nomenclatura dos dias da semana baseada em divindades greco-romanas, o português adotou um sistema numérico e religioso, graças ao papel crucial do bispo Martinho de Braga no século VI.
Desaprovando o uso de nomes de deuses pagãos para os dias da semana, ele propôs uma nova nomenclatura para a Semana Santa, utilizando o termo latino “feria”. Assim, o primeiro dia após o domingo, foi chamado de Secunda Feria (“segunda feira”), que evoluiu para “segunda-feira”. Prática, que se aplicava apenas à Semana Santa e acabou por se generalizar para todo o calendário, transformando o português na única língua de origem românica a nomear os dias da semana com este sistema ordinal. O latim sabbatum e dominica dies foram mantidos para sábado e domingo, respectivamente.
A partir da mesma raiz latina, feria, o português desenvolveu dois conceitos distintos
:: Feriado: A palavra que manteve a conotação de um dia de descanso oficial, seja por razões cívicas ou religiosas;
:: Feira: O sufixo que se tornou parte da nomenclatura dos dias da semana (segunda-feira, terça-feira, etc.) e que, por metonímia, passou a designar um mercado ou evento.
Este caso é um notável exemplo de como a linguagem é um repositório de legado histórico. Uma decisão eclesiástica do século VI, aparentemente de âmbito limitado, deixou uma marca duradoura no vocabulário de centenas de milhões de falantes de português no século XXI.
Significado moderno
Na prática moderna, o feriado é visto quase exclusivamente como sinônimo de “não precisar trabalhar”. O repouso não é mais um ato de fé ou uma obrigação religiosa, mas um direito laboral e uma convenção civil.
A distinção contemporânea entre feriados obrigatórios e facultativos (ou “ponto facultativo”) reforça o caráter civil. Enquanto os feriados obrigatórios determinam a dispensa de trabalho para a maioria da população, os facultativos dão às organizações a liberdade de conceder a folga ou não.
A história da palavra “feriado” não é uma trajetória linear, mas um complexo mosaico de influências religiosas, sociais e linguísticas. O termo, na sua essência, é uma cápsula do tempo, um microcosmo da evolução e do comportamento da civilização ocidental.
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