Posto jesuítico de Yapeyú, construído há 368 anos, correspondia ao controle de gado. Encontrado por pesquisadores, a descoberta histórica também confirma os mapas do período entre os séculos XVII e XVIII.


O anúncio de um Posto da Estância Jesuíta de Yapeyú, identificado na Fazenda Sobrado, no município de Alegrete, ganhou destaque no dia 10 de outubro no Rio Grande do Sul, ao final do seminário que teve como tema “A importância das Estâncias e a Formação das Reduções Jesuítico-Guaranis dos 30 Povos”, promovido pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa).

Convidado para coordenar a pesquisa pelo presidente do Conselho Municipal de Patrimônio de Alegrete, Homero Dornelles, a descoberta foi anunciada pelo doutor Edison Hüttner, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul e membro do Instituto e Geográfico do RS, acompanhado pelo padre jesuíta Felipe de Assunção Soriano, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Especialista em vestígios missioneiros, no ano 2016, Hüttner já havia realizado estudos em Alegrete, onde identificou duas esculturas sacras jesuíticas de mais de 300 anos: uma Imaculada Conceição e um Santo Antônio.

 

Arquitetura missioneira. Foto: Edison Hüttner

 

Arquitetura missioneira

Segundo os pesquisadores, esse posto correspondia a uma estrutura de controle e manejo de gado vinculada à vasta estância missioneira da Redução de Nossa Senhora dos Reis Magos de Yapeyú (Rio Uruguai), que integrava a dinâmica econômica, social e administrativa das reduções jesuíticas e suas áreas vizinhas.

“As Estâncias Jesuíticas, como a de Yapeyú (ou Yapejú), eram organizadas por grandes postos de criação de gado, estruturados com prédios de habitação para jesuítas e índios, com mangueiras, currais e potreiros, e tinham o objetivo de abastecer as reduções jesuíticas”, expõe Hüttner.

 

Parte interna da fachada do Porto da Estância Jesuítica de Yapeyú (Fazenda Sobrado). Foto: Felipe Soriano

 

Para Hüttner e Soriano, o posto representa uma peça material valiosa da arquitetura missioneira. Essas estruturas, segundo eles, permitiam à estância acompanhar o manejo do gado e colaborar na defesa dos territórios como construções defensáveis das missões.

Essa hipótese é comprovada quando identificamos a existência de seteiras no paredão. A seteira é uma abertura estreita e comprida feita em muros de pedra para defesa, uso de armas de longo alcance como arcos, bestas ou mosquetes. Esse mesmo recurso de defesa das construções existe na Estância Libertadora em Uruguaiana, RS.

 

Aspecto da seteira. Foto: Edison Hüttner

 

Aspecto da seteira. Foto: Edison Hüttner

 

Estâncias do Rio Grande do Sul e Uruguai

A divulgação desse achado traz importantes implicações para a história local e para os estudos de arqueologia missioneira na região. Permite mapear melhor os caminhos do gado, das trocas e das rotas comunicacionais que ligavam Yapeyú a outras estâncias no Rio Grande do Sul e no Uruguai. Também reabre discussões sobre a extensão dos domínios missioneiros e sobre como o sistema econômico jesuítico foi adaptado às condições geográficas e sociais da fronteira meridional.

“Para termos uma ideia, eram abatidas entre 28 e 30 cabeças de gado bovino por dia em reduções maiores com mais de 7 mil índios. Em 1694 já alcançava 80 mil cabeças de gado. A Estância Jesuíta de Yapeyú estava localizada entre o Rio Uruguai (a oeste), o Rio Ibicuí (ao norte), o Rio Ibirapuitã (a leste) e o Rio Negro (ao sul) – com seus postos de criação de gado, foi a maior da América Latina”, contabiliza e localiza Hüttner.

 

Cacimba com 90 cm de profundidade, boca de 1 metro e 1,45 m de diâmetro. Foto: Edison Hüttner

 

Pesquisas missioneiras continuam

Na Feira do Livro de Porto Alegre, que começou na sexta-feira (31/10) e segue até 16 de novembro, há um capítulo de livro sobre os estudos. Nos próximos meses, os pesquisadores planejam prosseguir com as investigações e publicar os novos resultados.

De acordo com o artigo do deputado estadual Jefferson Fernandes, relator da Subcomissão dos 400 anos das Missões, no dia 3 de maio de 2026, completam-se 400 anos desde que o primeiro padre jesuíta, Roque Gonzales de Santa Cruz, chegou ao Rio Grande do Sul.

Assista ao vídeo

 


Contribuíram para a pesquisa o doutor Eder Abreu Hüttner (PUCRS) e o especialista arquiteto Rogério Mongelos. Felipe de Assunção Soriano é orientando do doutor Edison Hüttner e também foi convidado para participar do trabalho.


Destaque – A bela fachada em pedra de arenito do Posto Yapeyú com 20,52 metros de largura por 10 metros de altura. Foto: Edison Hüttner


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