Novas análises em sítio arqueológico da cidade de Laguna (SC) refutam a teoria de que ancestrais dos povos Jê do Sul tenham tomado lugar das populações que construíram sambaquis por mais de 5 mil anos na costa catarinense. Resultados foram divulgados na PLOS ONE

Por André Julião | Agência FAPESP


Um importante capítulo da história da ocupação do litoral brasileiro está sendo reescrito por pesquisadores do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) apoiados pela FAPESP.

 

Um dos sepultamentos encontrados pela equipe do MAE-USP em 2005; material foi reanalisado com novas técnicas. Foto: Paulo DeBlasis

 

Em estudo publicado na revista PLOS ONE nesta quinta-feira (21/03), o grupo, que inclui ainda autores de Santa Catarina, Estados Unidos, Bélgica e França, mostra que os povos construtores de sambaquis do sítio Galheta IV, na cidade catarinense de Laguna, não foram substituídos por ancestrais dos povos Jê do Sul, como se aventou no passado.

 

Exemplo de Sambaqui do litoral de Santa Catarina: montes formados por conchas, areia e restos de fogueira onde pessoas eram sepultadas. Foto: Jéssica M. Cardoso

 

Sambaquieiros

“A interação dos sambaquieiros com os povos proto-Jê, como chamamos, foi muito menor do que se imaginava. As práticas funerárias e a cerâmica eram diferentes. Além disso, os sambaquieiros viveram ali desde a infância e eram descendentes de outros que viveram naquele mesmo lugar”, resume André Strauss, professor do MAE-USP e coordenador do estudo.

A hipótese da substituição de um povo pelo outro se deu, em parte, porque sítios como Galheta IV marcam o fim da prática de construção de sambaquis. Monumentos mais emblemáticos da arqueologia da costa sul-americana, os sambaquis são grandes montes de conchas e ossos de peixes erguidos intencionalmente. Foram usados tanto como habitação quanto como cemitérios e para demarcar território.

 

Equipe do MAE-USP e Grupep/Unisul faz escavação no sítio arqueológico Galheta IV em 2006. Foto: Paulo DeBlasis

 

Pedra de roseta

A análise da cerâmica encontrada no sítio arqueológico também aponta que os proto-Jê podem ter sido apenas uma influência cultural adotada pelos sambaquieiros. Dos 190 fragmentos presentes no sítio, 131 com tamanho suficiente para a análise foram examinados.

 

Jéssica Cardoso analisa restos de animais presentes no sítio arqueológico Galheta IV. Foto: acervo pessoal

 

“A cerâmica tem características de forma e decoração muito distintas das encontradas no planalto de Santa Catarina. As semelhanças se dão com as do litoral, tanto ao norte quanto ao sul do Estado, o que mostra um trânsito desses objetos pela costa. Inclusive, essa é a cerâmica mais antiga já encontrada no Estado, com 1.300 anos, enquanto a do planalto tem cerca de mil anos”, explana Fabiana Merencio, coautora do trabalho, realizado durante doutorado no MAE-USP com bolsa da FAPESP e atualmente pós-doutoranda na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

“Estamos mostrando o aparecimento de uma nova expressão da materialidade humana na costa, por volta de mil anos atrás, que é a substituição dos sambaquis por sítios sem conchas de moluscos e presença de cerâmica. Este sítio é uma pedra de roseta para entender essas conexões”, encerra Strauss.

 

O processo de reconstrução facial do Sambaquieiro de 5000 anos foi fruto de uma parceria envolvendo o IPHAN DF, o 3D designer Cícero Moraes e Cir. Dentista Everton da Rosa. Inicialmente foram efetuadas 32 fotografias do crânio em um círculo completo. Estas fotos foram enviadas a um algoritmo computacional que digitalizou a peça em 3 dimensões pela técnica de fotogrametria. Uma vez que o crânio estava virtualizado, o artista pode posicionar uma série de pinos, conhecidos como marcadores de espessura de tecido mole. Estes marcadores informa qual a espessura da pele em determinados pontos do crânio. Junto a estes dados foram modelados os músculos principal e a pele moldou-se sobre os pinos e músculos com o auxílio da escultura digital. Ao final pigmentou-se a pele e os cabelos foram inseridos. Imagem: Cicero Moraes / jun.2018 / Via Wikicomons

 


Fonte: Agência Fapesp


Destaque – Imagem: Cicero Moraes / jun.2018 / Via Wikicomons


Publicação:
Sexta-feira | 22 de março, 2024