O desmatamento na Amazônia bateu recorde no primeiro semestre de 2024. O fato, entre outros motivos, está ligado à falta de fiscalização, às demandas internas e externas, atividades pecuárias e agrícolas. Meta do Brasil para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas – COP 30, que será realizada em 2025 no Pará, está em risco.
O atual governo empenhou sua reputação para, segundo representantes da gestão atual, “reconduzir o Brasil à liderança nas políticas ambientais”, culpando o governo anterior pelos índices negativos de preservação da Amazônia. Conforme levantamento INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e matéria divulgada pela Ascema Nacional, em maio último, sem a fiscalização do Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e do ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, a área de degradação na Amazônia aumentou, refletindo na avaliação dos índices do primeiro semestre.
“A área de degradação florestal da Amazônia, ou seja, a área onde ocorreu a eliminação parcial da vegetação florestal por atividades como queimadas, garimpo e extração de madeira, aumentou quase 17 vezes no primeiro quadrimestre de 2024 em comparação ao mesmo período do ano passado. A área de degradação passou de 408 quilômetros quadrados (km2) em 2023 para 7.340 km2 em 2024, representando um aumento de aproximadamente 1.699%, segundo dados do INPE,” divulgou a Ascema.
Greve dos servidores ambientais
De acordo com a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Pecma (Ascema Nacional), o orçamento do Ibama foi reduzido em 24% neste ano, com relação a 2023. A manutenção da área preservada e a recuperação de porções degradadas são necessidades urgentes, que mobilizam diferentes atores da comunidade global.
“O governo precisa agir urgentemente e provar o alinhamento entre o discurso de campanha e a prática, ou, neste ritmo, não conseguirá entregar uma efetiva queda do desmatamento para a COP 30, em Belém, em 2025”, advertiu ainda em maio, o presidente da Ascema, Cleberson Zavaski, a respeito da morosidade do governo em resolver as questões levantadas pelos grevistas. As tensões continuam.
Atividades econômicas e demandas
Estudo da USP mostra que a expansão da pecuária, pressionada pelo aumento do consumo interno, principalmente pelas demandas do centro-sul em contraponto às exportações, foi o fator que mais contribuiu para a eliminação ou degradação da cobertura vegetal da região, enquanto a produção agrícola ocupa o segundo lugar.
A Amazônia Legal Brasileira (ALB) – que compreende toda a parte da Bacia Amazônica situada no Brasil e vastas porções adjacentes do Cerrado, estendendo-se por nove Estados – soma mais de 5 milhões de km2 e corresponde a quase 60% do território nacional. Atualmente, 23% dessa área já foi desmatada e mais de 1 milhão de km2 encontram-se degradados, colocando a região em risco de atingir um ponto de inflexão ecológica que poderia colapsar os ecossistemas e liberar bilhões de toneladas de carbono na atmosfera.
Estudo da USP
A demanda estrangeira por commodities é frequentemente considerada a motivação principal do desmatamento. Mas, embora esta constitua um fator muito relevante, os mercados domésticos exercem pressão ainda maior. Foi o que constatou um estudo realizado por Eduardo Haddad e colaboradores, publicado na revista Nature Sustainability.
“O desmatamento é frequentemente avaliado a partir da perspectiva da oferta, ou seja, quais setores produtivos estão promovendo a substituição das florestas por outros usos da terra, como agricultura e pecuária. A metodologia que adotamos (Matriz de Insumo-Produto – MIP) permite ver o fenômeno do desmatamento também a partir da perspectiva da demanda, identificando as fontes de estímulos econômicos para que os setores produtivos se envolvam no desmatamento. Com base nesse critério, nosso estudo mostrou que 83,17% do desmatamento foi desencadeado por demandas de fora da Amazônia e apenas 16,83% por demandas da própria região. Na composição dos 83,17%, verificamos que 59,68% foram decorrentes de demandas do restante do Brasil e 23,49% de demandas do comércio internacional”, relata Haddad.
Mudanças no uso da terra
A Amazônia passou por enormes transformações no último meio século. Inovações técnicas, investimentos em infraestrutura e mudanças políticas facilitaram a expansão do cultivo de soja: da região central do Cerrado para vastos segmentos da Amazônia Legal Brasileira – ALB. A produção local de soja, que era inferior a 200 toneladas em 1974, representando apenas 0,02% do montante nacional, alcançou 50 milhões de toneladas em 2022, 41,5% do total brasileiro. Igualmente vertiginoso foi o crescimento da pecuária: de 8,9 milhões de cabeças de gado em 1974 (9,5% do rebanho brasileiro) para 104,3 milhões de cabeças em 2022 (44,5% do total).
O estudo em pauta demonstra que a demanda econômica originada no centro-sul mais desenvolvido do Brasil impõe uma pressão ainda maior sobre o desmatamento na Amazônia do que as exportações internacionais. Esse conhecimento é muito relevante para orientar políticas públicas e ações da sociedade civil voltadas para preservação ou regeneração. E, como as mudanças no uso da terra, por meio da pecuária e da agricultura, continuam sendo as principais fontes de emissões de dióxido de carbono (CO2) no Brasil, o controle do desmatamento e da degradação torna-se imperativo para que o país possa cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Além de Haddad, participaram do estudo Inácio Fernandes de Araújo Junior, Rafael Feltran Barbieri, Fernando Salgueiro Perobelli, Ademir Rocha, Karina Simone Sass e Carlos Afonso Nobre.
Acesse o artigo Economic drivers of deforestation in the Brazilian Legal Amazon.
Estudo da USP: com informações de José Tadeu Arantes | Agência FAPESP.
Destaque – Imagem: aloart
Publicação:
Domingo | 21 de julho, 2024