Estudo feito na USP sugere que a dor pode piorar com o tempo, à medida que os músculos do sistema craniocervical ficam mais fatigados; para os autores, tratamento deve aliar medicação e fisioterapia, visando dessensibilizar e fortalecer a musculatura da região.

Cristiane Paião | Agência FAPESP


Mulheres com enxaqueca e dor cervical crônica têm alterações funcionais nos músculos do pescoço. Em média, aguentam 50% menos tempo nos testes de força, resistência e pressão nessa região do que as pacientes que não apresentam essas condições.

Além disso, nos testes feitos na Universidade de São Paulo (USP), observou-se como a musculatura craniocervical dessas pacientes fica mais fatigada do que a de quem não têm enxaqueca. São acometidos principalmente o esplênio e o escaleno anterior – músculos superficiais do pescoço que ajudam na flexão lateral e na rotação.

Isso sugere que os tratamentos propostos para quem tem enxaqueca precisam levar em consideração a dessensibilização da região cervical, aliando medicação e fisioterapia para que as pacientes tenham mais chances de obter bons resultados no tratamento e manejo da dor.

A pesquisa foi apoiada pela FAPESP e liderada pela professora Débora Bevilaqua Grossi, responsável pelo Ambulatório de Fisioterapia em Cefaleia e Disfunção Temporomandibular (DTM) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).

Os dados da pesquisa foram publicados no European Journal of Pain.

 

A pesquisa envolveu um grupo de cem mulheres entre 18 e 55 anos recrutadas na região de Ribeirão Preto. Foto: Débora Grossi/USP

 

“Os pacientes com enxaqueca têm 12 vezes mais dor no pescoço do que uma pessoa sem dores de cabeça. Mesmo que o indivíduo não se queixe, é importante que seja avaliado do ponto de vista do sistema craniocervical para a investigação dos sintomas. Importante questionar se tem dor no pescoço, na face, para mastigar, no ouvido ou no ombro. Essas dores musculoesqueléticas periféricas são importantes de serem questionadas”, explicou Grossi.

Segundo a pesquisadora, quem tem enxaqueca não só tem dor no pescoço, mas também tem fraqueza. “E para tentar reverter esse quadro e ganhar força, amplitude de movimento, nós mostramos na pesquisa que é preciso aliar o medicamento à fisioterapia para tirar essa sobrecarga da musculatura. Aí, é mais rápido o resultado do tratamento”, afirma a neurologista Fabíola Dach, coautora do artigo e responsável pelos ambulatórios de Cefaleia, Dor Neuropática e Neurologia Geral do HCFMRP-USP.

Dor crônica

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é que mais da metade da população apresente algum tipo de cefaleia, pelo menos em alguma fase da vida. O paciente é considerado crônico quando tem mais de 15 dias de dor durante o mês.

Ao todo, são mais de 250 tipos de dor de cabeça, segundo a Sociedade Internacional de Cefaleia. Uma delas é a enxaqueca, uma das doenças mais incapacitantes do mundo, que compromete a qualidade de vida dos pacientes, inclusive no ambiente profissional.

“Mais de 70% dos pacientes com enxaqueca apresentam dor cervical. E essa dor está, geralmente, relacionada à redução da resposta ao tratamento com medicamentos. Quem tem dor no pescoço apresenta mais chance de se tornar um paciente crônico e com implicações na resposta à medicação”, destaca Grossi.

 

Um aparelho de eletromiografia foi usado para avaliar a resistência muscular de voluntárias com e sem enxqueca. Foto: Débora Grossi/USP

 

Destaques

Uma das principais contribuições do grupo de pesquisa nos últimos anos, de acordo com Grossi, foi compreender melhor as repercussões dessas dores de cabeça. Independentemente do relato da dor no pescoço, esses pacientes podem apresentar disfunção cervical com diminuição da amplitude de movimento, fraqueza, falta de coordenação muscular e maior sensibilização.

Segundo a pesquisadora, as mulheres acabam se queixando mais, buscando mais tratamento, mas os homens também sofrem com a enxaqueca da mesma forma. E um dos aspectos importantes dessa dor é a sensibilização do pescoço e da face.

“Os nossos dados apontam que pacientes com enxaqueca crônica e com aura têm maior chance de queda e dez vezes mais chances de ter tontura. É uma descoberta de grande impacto, porque poucos acreditavam nessa interação, e pode ajudar muito na abordagem clínica desses pacientes, prevenindo repercussões funcionais indesejáveis ”, afirma Grossi.

 

No teste de força muscular, as mulheres ficavam deitadas e eram estabilizadas com cintas não elásticas, para evitar compensações. Era solicitada, então, uma contração máxima do pescoço, também medida pelo dinamômetro. Foto: Débora Grossi/USP

 

Tratamento

“Muitas vezes, a principal queixa da pessoa nem é mais a dor de cabeça. Pode ser a tontura, a vertigem, ou a dor dos músculos da face e do pescoço impactando muito na sua qualidade de vida”, ressalta Grossi.

Embora muitos pacientes que têm enxaqueca evitem praticar exercícios e até se movimentar, dependendo do desenvolvimento da doença, a pesquisadora recomenda que a atividade física e exercícios específicos sejam aos poucos incorporados à rotina com orientação especializada.

“Eu preciso saber como tratar esse paciente, como ajudá-lo e, no caso do exercício, é preciso incentivar que ele pratique alguma atividade, sempre fora das crises, e que ele seja o mais ativo possível, dentro das suas condições. Você não vai começar carregando o maior peso do crossfit. Talvez comece apenas caminhando e, então, vamos progredindo. Talvez goste de dançar, o que seria muito bom para trabalhar e desafiar um pouco o seu sistema vestibular e ainda se divertir”, comenta a pesquisadora.


Destaque – Imagem: aloart


Publicação:
Sábado | 22 de junho, 2024


Leia outras matérias desta editoria

Os ensinamentos de Cícero e Musashi sobre o senso de dever na contemporaneidade

Como os ensinamentos de um filósofo romano e de um samurai japonês podem auxiliar em nossa compreensão do dever e da virtude atualmente? Mesmo separados por séculos e culturas radicalmente distintas, Marco Túlio Cícero e Miyamoto Musashi compartilham...

Algumas características de saúde podem ser herdadas epigeneticamente?

Com acesso exclusivo a dados longitudinais, pesquisadores têm investigado a “hipótese da herança epigenética” – que algumas características de saúde são herdadas das exposições e hábitos dos ancestrais. “Experimentos com animais indicam que, além da...

Pesquisa revela novas pistas sobre o uso de energia de mentes em “repouso”

A parte do nosso cérebro conhecida por ser ativa quando estamos sonhando acordados ou em devaneios é intrigante. Pesquisadores financiados pela União Europeia – UE mostraram que, embora essa região pareça menos ativa em imagens de ressonância magnética,...

Estudo desvenda novo mecanismo biológico por trás da atrofia muscular em pacientes de UTI

Pesquisadores brasileiros e suecos observaram que acúmulo de zinco nos músculos estimula a expressão de proteínas que degradam o tecido. Julia Moióli | Agência FAPESP Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP)...

A internet das coisas e a quarta revolução industrial – conheça os avanços

Capturar e converter energia ambiente de luz, calor ou movimento oferece uma maneira sustentável de alimentar dispositivos. Pesquisadores financiados pela União Europeia (UE) apresentaram tecnologia que pode integrar perfeitamente múltiplas fontes de...

Peso do pai pode influenciar tamanho do bebê ao nascer, diz estudo

Pesquisadores da USP analisaram dados de 89 pares de pais e filhos e observaram que quanto maior o índice de massa corporal do genitor menor era o do recém-nascido. Por Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP A pesquisa mostrou haver uma associação entre o...

Fatores de risco e proteção para comportamentos suicidas foram temas de estudo, conheça

Participaram 2.788 voluntários com transtornos de controle de impulso tratados no Hospital das Clínicas da USP. Segundo os autores, profissionais de saúde devem avaliar nesses casos não apenas as tentativas de suicídio explícitas, mas também outros...

Prática de esportes desde a infância beneficia o coração, entenda

Praticar esportes na infância e adolescência proporciona benefícios permanentes ao coração. Estudo conduzido por cientistas da Unesp envolveu 242 voluntários em torno de 40 anos. Resultados indicam que a melhora observada no controle da frequência cardíaca...