Em Ibirá, pesquisadores encontraram ossos de saurópodes com marcas de osteomielite, doença infecciosa que pode ser causada por vírus, bactérias, fungos ou protozoários e que matou os animais em pouco tempo. Descoberta aponta para existência de condições favoráveis à patologia na região cerca de 80 milhões de anos atrás.

André Julião | Agência FAPESP


Um conjunto de ossos de saurópodes, como são chamados os dinossauros pescoçudos, encontrado no município de Ibirá (SP) revela que a região favoreceu uma doença óssea mortal para esses animais.

Pesquisadores apoiados pela FAPESP encontraram em fósseis de seis indivíduos do Cretáceo, de cerca de 80 milhões de anos atrás, marcas de osteomielite, uma doença óssea que pode ser causada por bactérias, vírus, fungos ou protozoários.

Os ossos não contêm sinais de regeneração, o que aponta que os animais morreram com a doença ainda em curso, provavelmente em decorrência dela. O estudo “Several occurrences of osteomyelitis in dinosaurs from a site in the Bauru Group, Cretaceous of Southeast Brazil” foi publicado na revista The Anatomical Record.

“Existiam poucos achados de doenças infecciosas em saurópodes, o primeiro tendo sido publicado recentemente. Os ossos que analisamos são muito próximos entre si no tempo e de um mesmo sítio paleontológico, o que sugere que a região ofereceu condições para que patógenos infectassem muitos indivíduos naquele período”, conta Tito Aureliano, primeiro autor do estudo e pesquisador da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Crato (CE).

Uma das lesões ficou restrita à medula. Os outros ossos, também encontrados entre 2006 e 2023 no sítio Vaca Morta, contêm marcas de lesões que vão da medula até a parte externa. As lesões têm uma textura esponjosa, que apontam uma vascularização da região e as diferencia de outras patologias que podem ser detectadas nos ossos, como osteossarcoma e neoplasia óssea, dois tipos de câncer que afetam esse tecido.

Não foram encontrados, ainda, sinais de cicatrização, quando o tecido ósseo perdido na lesão é substituído por um novo. No registro fóssil, esse sinal de regeneração é bastante comum em ossos atingidos por mordidas de outros dinossauros, por exemplo.

 

No osso fossilizado de cerca de 80 milhões de anos, as setas indicadas por BL apontam a lesão causada por osteomielite. HB é a parte não lesionada e MB é a medula óssea. Iimagem: Tito Aureliano et al. / The Anatomical Record

 

Análises

O estudo contou com apoio do Instituto de Estudos dos Hymenoptera Parasitoides da Região Sudeste Brasileira (IEHYPA-Sudeste), um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela FAPESP.

No IEHYPA-Sudeste, coordenado por Angélica Maria Penteado Martins Dias, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), os pesquisadores analisaram os ossos por meio de microscópio eletrônico de varredura (SEM) e estereomicroscópio.

Três manifestações de osteomielite ainda desconhecidas foram identificadas nos fósseis. Um conjunto continha pequenas protrusões, elevações do osso ou “calombos”, em formato circular.

Outras protrusões tinham um padrão semelhante ao de impressões digitais, num formato de elipse. Por fim, um terceiro conjunto tinha marcas redondas e largas maiores do que todas as outras. “Essas lesões podiam se conectar com músculos e pele e ficarem expostas, vertendo sangue ou pus”, explica Aureliano.

Não foi possível identificar quais eram exatamente os ossos analisados, apenas que um era uma costela e os outros eram da parte inferior dos membros, tanto de espécies pequenas quanto de gigantes. Também não foi possível identificar uma possível causa para as infecções.

Em um trabalho publicado em 2021 na Cretaceous Research, os pesquisadores haviam descrito o primeiro caso de infecção óssea causada por um parasita sanguíneo e que também resultou em osteomielite. Os ossos, naquele caso, eram de um pequeno saurópode, Ibirania parva, encontrado no mesmo local dos fósseis analisados agora.

A região, conhecida como Formação São José do Rio Preto – por englobar municípios como o de mesmo nome –, tinha clima árido, com rios rasos e lentos, além de grandes poças de água parada. Nesses ambientes, muitos dinossauros ficavam atolados e morriam, gerando os fósseis.

“Esse ambiente provavelmente favoreceu patógenos, que podem ter sido transmitidos por mosquitos ou pela própria água que era ingerida pela fauna, que incluía dinossauros, tartarugas e animais similares aos crocodilos atuais”, diz Aureliano.

O autor aponta ainda que as evidências trazidas pelo estudo podem ser úteis tanto em futuros trabalhos de paleontologia como de arqueologia, ao apresentar as diferentes manifestações de uma mesma doença nos ossos e diferenciá-la de outras.

Assista ao vídeo do Canal Colecionadores de Ossos, sobre o trabalho dos autores Tito Aureliano e Aline Ghilardi.

 

 


Destaque – Imagem: aloart / G. I.


Leia outras matérias desta editoria

Ruínas das missões jesuíticas no sul do Brasil são descobertas em Alegrete, RS – vídeo

Posto jesuítico de Yapeyú, construído há 368 anos, correspondia ao controle de gado. Encontrado por pesquisadores, a descoberta histórica também confirma os mapas do período entre os séculos XVII e XVIII. O anúncio de um Posto da Estância Jesuíta de...

Estudo traz nova hipótese sobre a ocupação do litoral sul brasileiro há 2 mil anos, vídeo

Novas análises em sítio arqueológico da cidade de Laguna (SC) refutam a teoria de que ancestrais dos povos Jê do Sul tenham tomado lugar das populações que construíram sambaquis por mais de 5 mil anos na costa catarinense. Resultados foram divulgados na...

Doença óssea mortal dizimou dinossauros pescoçudos no atual interior de São Paulo, vídeo

Em Ibirá, pesquisadores encontraram ossos de saurópodes com marcas de osteomielite, doença infecciosa que pode ser causada por vírus, bactérias, fungos ou protozoários e que matou os animais em pouco tempo. Descoberta aponta para existência de condições...

O impressionante crânio do ‘Homem-Dragão’ pode ser um indescritível Denisovan – ou uma nova espécie de humano

Instituto Mamirauá lança vídeos sobre a Amazônia pré-colonial

Pesquisadores que integram o laboratório de arqueologia do Instituto Mamirauá realizaram, em janeiro e fevereiro, um resgate de vestígios arqueológicos no sítio UEA, na região do médio Solimões, no Amazonas. O trabalho da equipe foi gravado em uma série na internet...

Fósseis do período Ediacarano são descobertos na Argentina, vídeos

Os fósseis mais antigos de animais da América do Sul têm 565 milhões de anos, datando do período conhecido como Ediacarano superior. São dezenas de milhares de pequenas impressões em formato circular pertencentes a um ser marinho chamado Aspidella. Descobertos em...

Cenas de um sítio arqueológico, vídeo

“Posso tirar este ossinho?” A bióloga petropolitana Lisiane Müller aponta para um fragmento sustentado por palitos de dente sobre um esqueleto ainda enterrado. Curvada sobre a quadra de escavação, por horas a fio ela separa grãos de sedimento com um pincel e os...