Para quem ouviu as quase 13 horas de explanações técnicas e coerentes do ministro, Fux deixa um recado: sejam mais competentes e honestos. Isentando de crimes seis réus, houve ressalvas para Mauro Cid e Braga Netto, que foram condenados em alguns aspectos da Ação Penal (AP) 2668.
Em resumo, as acusações que pesam contra os acusados, de acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), são a tentativa de ruptura da ordem democrática, tendo como base um golpe de Estado, “para impedir a alternância de poder nas eleições de 2022.”
Os réus que foram julgados e condenados, apesar da divergência criteriosa e tecnicamente explanada por Fux, são:
:: o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
:: o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
:: Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
:: o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
:: o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro (réu colaborador);
:: o ex-presidente da República Jair Bolsonaro;
:: o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
:: o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.
O ministro Luiz Fux proferiu seu voto no dia 10 de setembro de 2025, quanto às acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) relativas à tentativa de golpe de Estado, votando pela absolvição de Almir Garnier, Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Anderson Torres. Pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, um dos destaques da acusação, votou pela condenação de Mauro Cid e Walter Braga Netto.
Citando logo no início o fundador da ciência penal, o jurista italiano Cesare Beccaria (1738–1794): “A formulação mais incisiva por parte das garantias penais e processuais nas formas do estado constitucional de direito é exatamente a adequação dos fatos à figura típica”.
Preliminares
No início do seu voto, na parte da manhã, o ministro Luiz Fux começou discorrendo sobre as preliminares. Antes, ensinou sobre as diferenças entre os deveres do STF e a separação dos poderes Judiciário e Legislativo: “um julga e o outro legisla”, citando a Constituição.
“A competência para o julgamento do presidente da República sempre foi e continua sendo o plenário da casa”, afirmou, e continuou explicando que, mesmo sendo ex-presidente, se está sendo julgado como presidente, deve ser julgado pelo plenário; “se fosse julgado como ex-presidente, seria julgado no juízo de primeiro grau”, portanto, declarou incompetência da 1ª Turma para o julgamento de Bolsonaro.
Armas de fogo e organização criminosa
Um dos itens da acusação é o uso de armas de fogo pelos acusados. “É preciso que algum membro do grupo utilize a arma de fogo. Não restando a arma de fogo, deve ser afastado o crime.” Explanando sobre o tema, disse que não foram usadas armas de fogo em nenhum momento.
Fux também tratou do item acusatório que imputa aos réus a intenção de montar uma organização criminosa para a tomada do poder. “Não compete ao STF realizar um juízo político, do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. A revés, compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal, invariavelmente sob a perspectiva da carta de 1988 das leis brasileiras. Trata-se de missão que exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, a fim de não se confundir o papel do julgador com o do agente político”.
Cerceamento de defesa diante de um “tsunami de dados” foi acolhido por Fux
Toda pessoa acusada tem o direito de plena igualdade e de diversos direitos fundamentais, dentre os quais dispor de tempo para a preparação da sua defesa.
Sobre as reclamações das defesas dos acusados de que não tiveram tempo, o ministro Luiz Fux disse haver um “tsunami de dados” e que os advogados não teriam como analisar todos os documentos.
“Salta aos olhos a quantidade de material probatório envolvido. A Polícia Federal havia apreendido 1200 equipamentos eletrônicos dos envolvidos e logrado extrair 255 milhões de mensagens de áudio e vídeo, com peritos federais elaborando 1214 laudos. Foi exatamente nesse contexto que as defesas alegaram cerceamento de defesa. Em razão dessa disponibilidade tardia, que apelidei de tsunami de dados, que em inglês se denomina de document dumping, e sem indicação minimamente razoável para a prática dos atos processuais. A quantidade chega a 70 terabytes. Eu fui pesquisar e nem acreditei porque são bilhões de páginas (…)”.
Para o ministro, o acusado precisa conhecer plenamente, com a máxima profundidade, todas as provas que foram produzidas contra ele. Isso vale para os acusados de ontem e os de hoje, independentemente de suas matizes ideológicas, o devido processo legal vale para todos.
“Em razão de um tsunami de dados, sem identificação suficiente e antecedência minimamente razoável para os atos processuais, eu acolho a preliminar de violação de garantia constitucional do contraditório e da autodefesa e reconheço a ocorrência de cerceamento e, por consequência, eu declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia.”
Considerações sobre as preliminares
Meu voto é no sentido de reafirmar a jurisprudência desta corte, adotada na questão de ordem na Ação Penal 937. Concluo, assim, pela incompetência absoluta do Supremo Tribunal Federal para o julgamento deste processo, na medida em que os denunciados já haviam perdido os seus cargos. Como é sabido, em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados.
Destaque – Voto do ministro Luiz Fux, durante os julgamentos da Ação Penal 2668 – Núcleo 1. Foto: Antonio Augusto/STF



