A partir de entrevistas individuais com adolescentes e debates em grupos focais, pesquisadores da Unesp criaram uma classificação das estratégias de enfrentamento utilizadas pelos jovens em situações de assédio escolar. Trabalho também traz recomendações para as instituições de ensino.

Julia Moióli | Agência FAPESP


Exibir narrativas audiovisuais que simulam cenários de bullying homofóbico dentro das escolas para os alunos pode ajudar a captar atitudes e gerar reflexões sobre preconceitos sociais, contribuindo para a promoção do respeito e da inclusão. Essa é uma das estratégias de enfrentamento do problema apresentadas em artigo recém-publicado no Journal of School Violence.

No estudo, apoiado pela FAPESP, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) investigaram em que medida esse tipo de ferramenta pode servir como instrumento de pesquisa e intervenção educativa.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o bullying homofóbico afeta até 85% dos estudantes LGBTQIA+ em determinados países. A prática compromete a saúde física, psicológica, emocional e psicossocial, atingindo também estudantes que são erroneamente percebidos como LGBTQIA+.

Para compreender melhor essas dinâmicas e suas possíveis soluções, o estudo foi conduzido em três diferentes etapas. Inicialmente, foram realizadas 178 entrevistas individuais e 45 grupos focais com adolescentes, nos quais os participantes foram expostos a narrativas audiovisuais – vídeos curtos criados especificamente para simular cenários de bullying homofóbico – e suas reações foram captadas e discutidas, gerando um diálogo sobre experiências e compreensão de diferentes formas de solucionar os conflitos. Essa análise gerou uma classificação detalhada das estratégias de enfrentamento utilizadas em situações de assédio escolar.

Na segunda etapa, um painel internacional de 25 especialistas, composto por acadêmicos e profissionais de diversas localidades do mundo, revisou e validou essa classificação, chegando a um consenso sobre uma definição operacional de cada estratégia. Na terceira etapa, ainda em fase de análise, foram realizadas entrevistas individuais e grupais com 38 sobreviventes de bullying homofóbico de diferentes países, para incorporar suas vozes e experiências, aprimorando a classificação proposta.

“A ideia foi entender o fenômeno não apenas do ponto de vista científico, mas também levando em conta o conhecimento dos próprios jovens, para obtermos resultados mais abrangentes e ricos”, explica Emerson Vicente-Cruz, pesquisador da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Assis, e primeiro autor do artigo.

Segundo ele, a abordagem escolhida tornou o processo mais acessível e menos intimidante, facilitando o engajamento dos jovens em um ambiente controlado e seguro, sem julgamentos, e permitindo uma reflexão crítica sobre suas emoções e atitudes em relação ao bullying. “Também promoveu empatia em relação a preconceitos sociais”, conta.

A partir dessas sessões, foram identificados três grupos de estratégias utilizadas pelos jovens em situações de bullying homofóbico: evitação e condutas autodestrutivas, que incluem comportamentos de autoagressão e isolamento social em resposta à violência; sobrevivência à estrutura homofóbica, que pode implicar na negação da própria identidade; e apoio social e promoção de práticas igualitárias, em que os jovens buscam ajuda, solidariedade e ações que favoreçam a inclusão. “É crucial entender que muitos jovens sentem que sua segurança está em jogo e isso os leva a adotar comportamentos que possam parecer, em alguns casos, contraditórios”, complementa Vicente-Cruz.

Caminhos para a inclusão

“Em um cenário de crescente intolerância, o estudo identifica de forma inédita as estratégias que os jovens utilizam em suas interações e propõe recomendações para escolas e instituições de ensino, como a criação de programas de intervenção que abordem diretamente os preconceitos e a capacitação de docentes e gestores para identificar as nuances do bullying homofóbico”, argumenta Vicente-Cruz. “Isso reafirma a importância da educação na formação de ambientes escolares que acolham e incluam a diversidade.”

De acordo com o pesquisador, a criação de políticas educacionais e a implementação de programas baseados nesses resultados, com o comprometimento ativo de educadores, podem aumentar a inclusão e o respeito entre estudantes e tornar as instituições escolares espaços onde todas as identidades são valorizadas, contribuindo para uma comunidade mais unida e uma sociedade mais justa e igualitária.


Destaque – O bullying homofóbico afeta até 85% dos estudantes LGBTQIA+ em determinados países, segundo a Unesco. Imagem: aloart / GI


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