O caso do sistema de esgoto ilegal no litoral paulista, particularmente no município de Guarujá, exemplifica um problema recorrente em regiões costeiras de grande apelo turístico no Brasil.

Por Larissa de Castro Coelho*


Apesar da importância econômica e ambiental dessa área, a infraestrutura de saneamento básico ainda é insuficiente para atender a população, especialmente em comunidades periféricas e áreas de ocupação irregular. A falta de fiscalização e o crescimento desordenado agravam a situação, resultando no despejo direto de esgoto in natura em rios, córregos e no oceano.

Em Guarujá, por exemplo, podemos elencar implicações ambientais, como a contaminação de rios e manguezais. O despejo irregular de esgoto afeta ecossistemas sensíveis, como os manguezais, que desempenham papel crucial na biodiversidade local e no equilíbrio ambiental. A poluição compromete a capacidade desses ecossistemas de filtrar impurezas e abrigar espécies aquáticas. Outra implicação seria a degradação das praias. Praias emblemáticas em Guarujá, como a Enseada e Pitangueiras, sofrem com a poluição decorrente do despejo de esgoto. A contaminação afeta não só a fauna e flora marinha, mas também torna as águas impróprias para o banho, impactando diretamente o turismo e a economia local.

Além disso, a presença de esgoto em áreas urbanas e costeiras expõe a população à proliferação de doenças de veiculação hídrica, como hepatites, infecções gastrointestinais e dermatites, prejudicando principalmente os moradores mais vulneráveis. A poluição também afeta o ciclo de vida de peixes, moluscos e outros organismos marinhos, resultando na perda da biodiversidade marinha. O aumento da matéria orgânica no mar pode gerar a proliferação de algas nocivas, que reduzem o oxigênio na água e prejudicam a vida aquática.

Diante desse cenário em Guarujá, como fica a responsabilidade ambiental? É da coletividade? É do Poder Público? Quais são as implicações jurídicas? Isso deve ser analisado sob duas perspectivas: a responsabilidade dos indivíduos (moradores, empreendedores e empresas) e do poder público.

O Poder Público municipal e estadual é responsável por garantir o acesso à infraestrutura de saneamento básico, conforme previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico (Lei n.º 11.445/2007) e no art. 225 da Constituição Federal, que assegura o direito ao meio ambiente equilibrado. A fiscalização ambiental é essencial para coibir o despejo irregular de esgoto. A omissão ou ineficácia das autoridades em agir pode caracterizar negligência.

Por outro lado, moradores e empreendimentos que despejam esgoto sem tratamento violam a Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/1998). Além disso, empresas turísticas e imobiliárias têm o dever de adotar práticas sustentáveis e garantir que seus empreendimentos estejam conectados à rede de esgoto ou possuam sistemas próprios de tratamento. É importante destacar que ações como a construção em áreas de preservação ambiental e a ocupação irregular agravam o problema.

A falta de saneamento básico no Guarujá afeta não só o meio ambiente, como também gera desigualdades sociais. Comunidades de baixa renda, muitas vezes localizadas em áreas de maior vulnerabilidade, sofrem com a contaminação e a falta de políticas públicas eficazes.

Com isso, quais são as medidas necessárias para mitigação do dano socioambiental?

Principalmente o investimento em infraestrutura de saneamento. A ampliação da rede de coleta e tratamento de esgoto é fundamental para reduzir os impactos. Parcerias entre os governos estadual, municipal e empresas privadas podem acelerar esses investimentos.

Além disso, a educação e conscientização, com campanhas locais para conscientizar a população sobre o impacto do despejo irregular de esgoto e a importância da preservação ambiental são essenciais.

Outra medida é a fiscalização rigorosa, aliada à aplicação de multas e sanções, que deve ser intensificada para combater a prática de despejo ilegal. Pensando em restauração, as áreas afetadas, como manguezais e cursos d’água, devem ser objeto de programas de recuperação ambiental, com replantio e remoção de poluentes. Por fim, uma medida de extrema importância é o planejamento urbano sustentável, com a ocupação desordenada sendo combatida por meio de políticas habitacionais que ofereçam alternativas dignas para a população e protejam áreas ambientalmente sensíveis.

Assim, o caso do Guarujá é um exemplo concreto de como o descaso com o saneamento básico gera consequências socioambientais profundas. Além de comprometer a saúde da população e o equilíbrio ambiental, ele afeta negativamente a economia local. A responsabilidade compartilhada entre governo, empresas e sociedade é indispensável para reverter esse cenário e promover o desenvolvimento sustentável da região.


*Larissa de Castro Coelho – advogada nos Núcleos de Ações Coletivas, Direito Ambiental e ESG da Nelson Wilians Advogados.


Destaque – Foto: NWA / Divulgação / +aloart / GI


Publicação:
Domingo | 26 de janeiro de 2025.


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