Renata Abalém — Advogada, Diretora Jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP


Há mais de três décadas, milhões de brasileiros confiaram no governo federal e investiram suas economias na caderneta de poupança, então considerada o investimento mais seguro do país. Muitos venderam bens, fazendas, gado e o que fosse, na esperança de um futuro financeiro estável.


No entanto, os sucessivos planos econômicos — Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II — implementados entre 1986 e 1991, resultaram em perdas significativas para esses poupadores. A promessa de estabilidade transformou-se em frustração, e o que era para ser um investimento seguro tornou-se fonte de prejuízo. Falo isso como testemunha de quem trabalhou e trabalha em centenas de processos sobre o tema, cuja maioria dos autores já faleceram, sem receber justiça nos seus processos.

Desde então, a busca por reparação tem sido marcada por uma série de obstáculos judiciais. A suspensão das ações judiciais relacionadas aos planos econômicos, que perdurou por anos, é um exemplo claro de como o sistema jurídico, que deveria proteger os direitos dos cidadãos, acabou por favorecer os interesses dos bancos.

É inaceitável que, após tanto tempo, muitos dos afetados ainda não tenham recebido qualquer compensação. Pior ainda, a morosidade do Judiciário não apenas nega a reparação financeira, mas também fere a dignidade desses cidadãos que confiaram no Estado, que deveria acudir-lhes quando perderam tudo. Se você se lembra dos planos econômicos, também se lembra do número expressivo de brasileiros que se suicidaram. Conheço famílias que do dia para a noite perderam tudo e sequer estudo puderam dar aos seus filhos.

Conheço pequenos produtores rurais que, em negócio de terras, venderam suas fazendas, aplicaram na poupança e ficaram sem dinheiro e sem ter onde morar. Imagine em Goiás, década de 1980. O pequeno produtor rural era, além de pequeno, destituído de conhecimentos técnicos e desprovido de tudo o que se tem hoje de informações; o cooperativismo estava dando os primeiros passos, e o governo, grande incentivador da poupança, massificava propagandas nas televisões e jornais para que o brasileiro investisse ali – quem não se lembra de 85% que a poupança pagava ao mês? Essa margem de retorno do capital alavancou muitos negócios a se transformarem em papel.

Aí nos vem a recente movimentação do STF, solicitando dados à AGU sobre o número de ações e poupadores envolvidos, sem que essa iniciativa se traduza em ações concretas e céleres. Isso depois de mais uma suspensão processual de 60 meses. Isso depois de três grandes períodos de suspensão determinados pelo Supremo Tribunal Federal.

Para avivar a nossa memória, a suspensão inicial começou com a primeira decisão do STF no final de 2006 e desde então, considerando interrupções, retomadas e novas suspensões, os processos ficaram paralisados por cerca de 17 anos — entre 2007 e 2024 — com pequenas movimentações administrativas, mas sem avanço decisivo para o julgamento individual dos poupadores.

Me digam do que se trata isso. Me digam se os bancos nos deixariam dever por mais de 17 anos sem tirar de nós tudo o que nós temos. Ora, justiça tardia é, na prática, uma forma de injustiça. É imperativo que o Judiciário reconheça a urgência dessa questão e atue de maneira eficaz para reparar os danos causados.

Os poupadores brasileiros merecem mais do que promessas; merecem respeito, dignidade e justiça.


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