Quarta-feira | 6 de março, 2019 | 19h43


A cidade fica novamente a mercê de puxadinhos.

Gerson Soares

São Paulo tem a sina de lugar mal feito, sempre uma coisa em cima da outra. Muitas ideias, pouco planejamento. Boas ideias no papel se perderam e deram lugar a aproveitamentos mirabolantes, desastrosos. Poderia começar falando do Rio Tietê, mas fica para uma próxima. Outras tantas boas ideias vingaram e surgiram construções magníficas no hoje Centro Histórico. Apesar de vários edifícios antigos terem sofrido o desprezo das administrações e se tornarem fantasmas pichados pela ignorância, ainda estão em pé, desafiando o desprezo das gerações.

O Minhocão, já foi Elevado Presidente Costa e Silva, mas devido protestos contra os militares e sua ditadura, passou recentemente a ser nomeado Elevado Presidente João Goulart. Outras ruas também foram hostilizadas pelos reformadores e há quem diga que eles tentam reescrever a história, sem voltar-se para o que restou dela. Talvez, a parte mais importante.

Essa polêmica construção, idealizada inicialmente pelo Prefeito Faria Lima ficou engavetada durante algum tempo, até que o governador biônico Paulo Maluf resolveu iniciá-la em 1969, para deixar sua marca na cidade. E deixou, mas poderia ter sido diferente. Tanto que as autoridades competentes demoraram anos para provar sua culpa em atos de corrupção que o levaram à cadeia em plena velhice. Um vexame para um lado e para o outro.

Sua obra agora volta à baila para enfeitiçar os debatedores, os detratores, os neutros, os que são a favor, os contras e os necessitados. Entre estes podemos englobar dois grupos bastante distintos: os motoristas que precisam se deslocar diariamente tendo o Minhocão como melhor alternativa e os desabrigados que têm as vigas de sustentação do Minhocão como teto. Correm por fora e por dentro da problemática os vizinhos, que alegam terem chegado primeiro.

Nessa triste história, onde a falta de planejamento é protagonista, em que homens se apoderam das verbas públicas para satisfazerem seus caprichos, onde vaidades sobrepõem-se ao coletivo nunca respeitado de verdade, quem mais sofre é a São Paulo de todos os paulistanos, desde os primeiros que chegaram e até aqueles que já se foram. Enchentes anuais, perdas brutais. Buracos mostrando as entranhas do calçamento dos anos 1960 esfolam a dignidade de outros homens que por aqui passaram com boa vontade.

 

Foto: SECOM/PMSP / divulgação

 

São Paulo é um aglomerado de feiuras em meio a pequenas belezas que se destacam. Certa vez lhe fiz uma comparação com os edifícios de países como a Áustria ou mesmo de Paris. A arquitetura paulistana no início do século XX, pouco ou nada devia àquela praticada na Europa, que ainda hoje é reluzente, transformada em hotéis luxuosos e casas tradicionais. No entanto, a voracidade pelo novo mal arranjado, feito às pressas, transformou os belos edifícios em mausoléus mal assombrados por facções, por desassistidos de uma sociedade que não pensa, faz sem se pensar. Soluciona sem planejar.

 

Imagem: SECOM/PMSP / divulgação

 

O Parque Minhocão é mais um aglomerado de ideias esquisitóides, uma imitação novaiorquina, como o Prédio Martinelli já o foi. Este teve seus méritos numa época de sonhos, e ainda os mantém; aquele é mais uma aberração que surge do caos urbano em que se transformou a nascente cidade onde chegou o italiano Giuseppe. Brota da fobia crescente pelo novo inusitado, pela obra inacabada. Sem pé, nem cabeça, São Paulo está sempre por fazer e a vida segue agitada, sem a paz necessária para viver.

De olho na Justiça. Ilustração: aloart

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