Domingo, 17 de dezembro de 2017 às 10h


O atual prefeito da cidade de São Paulo, guarda as qualidades dos primeiros “homens bons”, tidos assim por El Rey de Portugal e também pelos Jesuítas durante a colonização da Piratininga, que quatro séculos depois ele tem o privilégio de governar. Cem anos depois de subirem a Serra do Mar o Tatuapé já era percorrido pelos tropeiros, os jardins, propriamente ditos, só existiriam com a ascenção dos Barões do Café.

Gerson Soares

Mas não errou ao dizer que o Tatuapé é periférico ao centro da cidade. Se voltarmos aos primórdios históricos, no início do aldeamento, vários bairros da zona Sul e Oeste viriam muito depois de os tropeiros partirem pela Ladeira do Carmo no final do século XVI e início do XVII na direção do Leste. Em relação da distância ao centro, se tomarmos a Praça da Sé, o Largo da Batata na zona Sul, dista 2 km a mais do que os bairros Mooca, Brás e Tatuapé da zona Leste. Se nos aprofundarmos ainda mais na história da fundação de São Paulo, encontraremos um aldeamento de João Ramalho à beira da Serra do Mar, chamado Santo André da Borda do Campo – não se trata do conhecido município que hoje integra o ABCD paulista. “Um aglomerado de cristãos” na linguagem dos primeiros padres que dali tiveram notícia. Em relação a este Santo André, chefiado por João Ramalho, a própria aldeia que nasceria como Piratininga seria periférica. A questão não é essa.

 

A aquarela acima, pintada por Debret (1768–1848), datada em 1827, mostra o Convento e a Igreja do Carmo, construídos em 1594, a pedido do frei Antônio de São Paulo. O artista, que também personificou o movimento dos tropeiros com seus chapelões, preocupou-se em mostrar o caminho que os levava na direção do Rio de Janeiro e ao Vale do Paraíba. Foto: Wikipedia

 

Os primeiros jesuítas de importância vindos sob a tutela da Côrte Portuguesa, que tiveram a ousadia de escalar a Serra do Mar, foram os padres Leonardo Nunes, em seguida Manuel da Nóbrega e logo teria ao seu lado o padre José de Anchieta. Eles são ícones da São Paulo de Piratininga – antes somente Piratininga – que demorou para ser assim denominada, sendo Anchieta que o fez em uma de suas cartas a El Rey de Portugal e à sua Ordem, a Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de Loyola. Todos sabem, mas não custa lembrar que o centro do aldeamento e depois Vila, era o que conhecemos hoje como Pátio do Colégio.

Os “homens bons”, basicamente, eram aqueles que seguiam os preceitos da Coroa. Por outro lado nos primórdios da Vila, um dos desafetos do puritanismo eclesiástico foi João Ramalho, que entre outros costumes – ele já gozava de grande prestígio entre os nativos e era casado com a filha do cacique Tibiriça – tinha o hábito de imitar os índios em suas roupagens, ou melhor, na falta delas. Gostava de andar nu, como veio ao mundo e com isso ganhou a antipatia dos padres. Lá se vão alguns séculos de história da nascente São Paulo que nada tinha de atrativo.

Resumindo, dessa época existe o registro de um ouvidor-geral, um “homem bom”, funcionário de confiança do governador-geral do Brasil que recebeu toda atenção e regalias para que fechasse os olhos aos péssimos costumes que se instalavam nos aldeamentos da Vila, como por exemplo, a captura e escravização dos índios para que trabalhassem nas lavouras dos fidalgos e outros “homens bons” portugueses, assim como Ramalho – por puro interesse das altas autoridades –, apesar das rusgas com os padres.

O Desembargador recebeu até uma cama para descansar seu imaculado corpo, após a subida da Serra do Mar, considerada extremamente difícil, penosa. O móvel foi literalmente confiscado de um promissor senhor de terras, sendo esta a única cama que existia na Vila fundada pelos jesuítas. Além da cama, as autoridades surrupiaram-lhe também o travesseiro e o lençol para o conforto e cumplicidade do homem de confiança do Governador-geral. O caso rendeu mais de sete anos de processos, pois o dono do móvel não o aceitaria mais de volta, alegando estar alterado. Dessa história não se sabe o final, apenas que depois de uma longa análise, a Câmara resolveu que apenas o lençol deveria ser trocado.

 

Abaixo, a obra de Arnaud Julien Pallière (1784–1862), retrata a Várzea do Carmo e ao mesmo tempo nos dá uma ideia de como se desenvolveu a cidade em torno do Pátio do Colégio, visto à esquerda da aquarela datada em 1821. Sua descrição diz o seguinte: “Ao chegarem do Rio de Janeiro ou de Santos, e já na entrada da cidade pelos lados do Brás, os viajantes tinham o privilégio de observar esta paisagem”. Foto: Wkipedia

 

Quatro séculos de história até Doria

Quatro séculos passaram desde o episódio resumido acima. O prefeito João Doria, naquela época, certamente receberia as bençãos dos fundadores de São Paulo, dados os seus costumes benevolentes e bem intencionados perante a côrte, ou melhor, redes sociais e a alta sociedade. Apesar de suas inegáveis qualidades, o prefeito cometeu uma gafe ao chamar o bairro do Tatuapé de periferia, ao mesmo tempo disse uma verdade. Historicamente, todos os aldeamentos que não estavam no centro da Vila eram periféricos e é assim até hoje, onde temos o Centro Velho ou Histórico – ligado à fundação da cidade – e o Centro Novo que integra a região da Praça da República. Temos ainda o novo Centro Econômico da cidade, integrado pelo conjunto da Avenida Paulista e adjacências. Mas não foi isso o que ofendeu os brios dos moradores do Tatuapé, considerados bairristas arraigados.

O que ofende os moradores do bairro, que segundo alguns autores completou 349 anos, e também de outras localidades, é a maneira como Doria vem administrando a cidade, ignorando problemas cruciais e dando importância ao embelezamento, escondendo a sujeira sob a tinta. A publicidade que isso gera, embelezar e fazer fotos bonitas, o elevou, até pouco tempo, a ocupar o posto de presidenciável, em detrimento do longo trabalho exercido no Estado de São Paulo pelo seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin. Aliás, em relação a este, Doria também seria periférico.

 

Hospital Municipal do Tatuapé, onde o prefeito João Doria realizou visita surpresa no dia 5 de dezembro e cometeu a gafe de chamar o Tatuapé de periferia. Após manifestações dos bairristas tatuapeenses, o alcaide tratou de se aproximar da ZL. Pouco antes de cometer esse, digamos, erro, cometeu outro muito maior: permitir a reabertura do Centro Esportivo ao lado da estação Carrão do metrô. Foto aloimage

 

Particularmente esquecendo-se da parte mais sofrida da cidade, a periférica zona Leste, ele afirmou na sua página do facebook: “Morar na periferia não é demérito pra ninguém”. Mais uma verdade. O demérito está na autoridade constituída, neste caso o Prefeito, que não enxerga ou vira os olhos para problemas como o trânsito na Radial Leste e o longo caminho que se percorre até os confins da ZL. Qualquer pneu furado é suficiente para estancar o trânsito e criar quilômetros de congestionamento.

Tendo sua cidade linda do outro lado da cidade feia, onde provavelmente muito menos colocou os seus pés, a conhece em sonhos ou através dos assessores. Depois da repercussão negativa da fala do Prefeito no dia 6 de dezembro no Hospital Municipal do Tatuapé ao chamar o Tatuapé de periferia, ele tratou de acelerar sua presença na ZL nos dias que sucederam a gafe, como pode ser visto facilmente no site da Prefeitura. O homem nascido em família abastada, ainda não conhece muito bem o Hospital do Tatuapé, nem o Centro Esportivo que abandonou ao lado da Estação Carrão do Metrô, jogando a culpa no colo do seu antecessor. E nisso tem razão, Haddad foi o grande artífice do absurdo que veremos nesta reportagem, o que não justifica a continuidade desse legado indesejável, pelas mãos de Doria.

 

Estação Carrão do metrô, cuja passarela atravessa a Radial Leste e um dos campos que ocupam a área: antes uma das muitas chácaras existentes no Tatuapé. Foto: aloimage

 

Nesse mesmo local, hoje ignorado, em conjunto com outros suaves aclives e declives do bairro, foram dados os primeiros passos do que se transformaria em um grande cinturão hortifruti que abasteceria entre outras zonas da cidade, inclusive os abastados moradores da cidade linda que se formava com os Barões do Café. O lugar, que ainda abrigava uma enorme chácara e o campo de futebol do E. C. Sampaio Moreira, antes mesmo de existir a Radial Leste, se transformaria em parque municipal, com escola anexa, pelas mãos do vereador Alfredo Martins, comerciante e morador do bairro desde a infância, sem máculas em sua profícua carreira na Câmara Municipal de São Paulo. Hoje, os professores da EMEI Quintino Bocaiuva, sucessora da primeira escola ali erguida, já não podem oferecer atividades lúdicas aos alunos no interior do parque, só há mato, degradação e mosquitos.


Leia a justificativa para não investir no Centro Esportivo:

Em 5 de setembro de 2017 – Secretaria Municipal de Educação (SME)

O CEU em questão está com as obras paralisadas diante do rombo orçamentário de R$ 7,5 bilhões deixado pela gestão passada e do desafio de atender à demanda por vagas em creches. Por conta disto, a secretaria de Educação priorizou a retomada de obras de CEIs. A obra foi abandonada pela gestão anterior com apenas 27% dos serviços concluídos e está localizado em uma região onde não há demanda reprimida por Educação Infantil. Com o mesmo orçamento de uma obra desse porte seria possível construir 10 creches em regiões prioritárias da cidade. A Prefeitura estuda o uso do espaço e reavalia quando será possível retomar os investimentos no local. A criação de vagas em creche é prioridade da atual gestão. O plano para a retomada das obras deixadas inacabadas pela gestão anterior foi colocado em ação e 13 unidades estão em andamento.

Acrescentamos que é preciso investigar o que foi feito da verba destinada ao CEU Carrão


Apesar da frase, “farei uma gestão inesquecível de quatro anos”, Doria já era alçado a presidenciável em menos de um ano à frente da Prefeitura e até o mês de outubro, quando caiu nas pesquisas, nunca afirmara que não concorreria ao cargo. “A política é muito dinâmica”, disse. Esquecendo-se da frase acima, enquanto estava à frente do padrinho nas pesquisas. Se fosse necessário trairia o povo que o elegeu para o mandato de quatro anos e aquele que o alçou ao cargo, concorrendo contra Alckmin dentro do próprio partido, o PSDB. Ao término do primeiro ano de mandato, apesar da publicidade que faz sobre si, alcança os péssimos índices de Fernando Haddad no primeiro ano de sua gestão, este que praticamente desapareceu da cena política após deixar a Prefeitura de São Paulo, deixando seu rastro de irresponsabilidade no Tatuapé e agora está sendo cotado como candidato ao Governo do Estado, preferido por Lula seu padrinho. Doria logo poderá cobiçar a cadeira no Palácio dos Bandeirantes, mais uma vez ser alçado pela propaganda e pelos seus fãs.

Ao assumir o cargo de Prefeito, uma das primeiras providências foi espalhar alguns anúncios do Grupo Lide. A entidade foi criada por Doria, só aceita empresários que faturam acima de 200 milhões de reais por ano em seus quadros. Milionário, é mais um a tapar o sol com a peneira, como faziam os “homens bons” quatro séculos atrás, no início da colonização do Brasil.

Centro Esportivo do Tatuapé: Abandono pela Prefeitura, causa perigo para a saúde pública 

Cratera engole o pneu do carro que tenta desviar depois da pancada, mas não há espaço para desvios. Foto: aloimage

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