Ações urgentes são necessárias, segundo o mapeamento conduzido na Unifesp que revelou a expressiva extensão de estruturas artificiais construídas na linha de costa e a ocupação de áreas vulneráveis a eventos climáticos, como as inundações costeiras.


Pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), em Santos, mapearam a linha costeira do Estado de São Paulo, revelando dados inéditos sobre a urbanização das zonas costeiras do Brasil. O estudo foi conduzido durante o pós-doutorado de Aline Martinez, com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os resultados foram divulgados na revista Anthropocene Coasts e destacam a necessidade urgente de ações para uma gestão costeira sustentável e resiliente.

O grupo mapeou toda a linha da costa de São Paulo para quantificar a extensão de estruturas artificiais, como quebra-mares, espigões, cais de porto e píeres, bem como ocupações em zonas costeiras de baixa elevação próximas a praias e margens estuarinas. Essas áreas são altamente vulneráveis a eventos climáticos, sofrendo com o avanço do nível do mar, inundações e erosão.

Os pesquisadores da Unifesp revelaram que o litoral paulista tem 245 quilômetros (km) de estruturas artificiais na linha de costa, o que equivale a três vezes a distância entre as cidades de São Paulo e Santos. Infraestruturas de proteção costeira, como muros de contenção, muretas, quebra-mares e estruturas de atracamento de embarcações, representam 80% de todas as estruturas mapeadas, sendo que 63% delas estão na Baixada Santista, a região mais urbanizada.

“Embora essas estruturas sejam úteis para nossas atividades diárias, elas causam grandes impactos ambientais, como a perda de hábitats naturais e de biodiversidade, além de serviços ecossistêmicos essenciais,” explicou Martinez à Assessoria de Imprensa do IMar-Unifesp. “Essas infraestruturas também facilitam a bioinvasão, quando espécies de uma região se estabelecem em novas localidades, causando problemas ambientais e prejuízos econômicos”, completou.

Riscos das ocupações

O estudo também revelou que mais de 300 km da costa paulista têm ocupações humanas em áreas vulneráveis: 235 km perto de praias e 67 km próximos a manguezais e margens estuarinas. Isso significa que mais de 25% da linha costeira “mole” do Estado possui populações humanas e infraestrutura urbana em áreas altamente suscetíveis a riscos climáticos.

A pesquisa ainda mostra que 55% da extensão de praias do litoral de São Paulo possui áreas urbanizadas dentro de apenas 100 metros de distância da faixa de areia. Na Baixada Santista e no Litoral Norte, esta cifra sobe, respectivamente, para 81% e 74% das praias.

“Manguezais e vegetações como as restingas são nossa primeira linha de defesa contra o impacto das ondas e o avanço do mar. Com as mudanças climáticas, preservar essas vegetações é crucial para proteger cidades costeiras, pessoas e atividades econômicas”, afirmou o pós-doutorando André Pardal, coautor da pesquisa.

“Projeções indicam que praias podem recuar em torno de 100 metros até o fim do século devido ao aumento do nível do mar e à erosão. O intenso processo erosivo já observado em Ilha Comprida [Litoral Sul], por exemplo, pode se tornar comum em todo o litoral paulista nas próximas décadas”, acrescenta Pardal.

Segundo o orientador de Martinez, o professor da Unifesp Ronaldo Adriano Christofoletti, é necessário realizar planos e ações eficazes para preservar os manguezais e restingas remanescentes e restaurar áreas alteradas. “No contexto dos debates sobre a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] das Praias, nosso estudo enfatiza a necessidade de fortalecer a preservação dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos, em vez de facilitar suas ocupações,” disse Christofoletti.

Os resultados mostram que a urbanização costeira é uma fonte significativa de impacto ambiental e riscos costeiros em São Paulo e no Brasil. A pesquisa ressalta a importância de ações eficazes para mitigar esses impactos e promover um desenvolvimento costeiro sustentável. Em particular, o estudo alerta para as ameaças de alterações em leis que facilitem a ocupação de áreas costeiras altamente vulneráveis às mudanças climáticas.


Fonte: Agência FAPESP


Destaque – Fiação passa acima do Rio Itamambuca em Ubatuba: urbanização nas encostas está aumentando drasticamente. Cada vez mais áreas estão sendo desmatadas para propriedades particulares. Foto: aloimage


Publicação:
Sábado | 24 de agosto, 2024


Leia outras matérias desta editoria

10 anos do rompimento da Barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais — documentário

No dia 5 de novembro de 2015, uma tragédia socioambiental estava acontecendo. Um mar de lama com odores insuportáveis se deslocou por horas pelos cursos de três rios, arrastando tudo pela frente até chegar ao Oceano Atlântico, no litoral do Espírito Santo....

Esgotamento dos aquíferos ameaça florestas e rios, mostra estudo

Exploração excessiva e mudanças climáticas comprometem ambientes que dependem de reservas subterrâneas. Na Amazônia, as águas subterrâneas funcionam como um reservatório que sustenta as árvores nos períodos de seca. Quando a estiagem é prolongada, porém, o...

Formigas defendem plantas de herbívoros, mas podem atrapalhar polinização, mostra estudo

Análise da interação entre formigas, plantas que secretam substância adocicada para atraí-las, “interessadas” em se defender de animais que se alimentam de folhas, e abelhas indica que as protetoras convocadas podem afugentar as polinizadoras. Já as...

Novo e poderoso satélite americano-indiano rastreará mudanças na superfície da Terra, vídeo

Os dados do NISAR melhorarão nossa compreensão de fenômenos como terremotos, vulcões e deslizamentos de terra, bem como danos à infraestrutura. Nem sempre notamos, mas grande parte da superfície da Terra está em constante movimento. Cientistas têm usado...

Dossiê da UFSCar aborda impacto da ocupação desordenada das praias brasileiras

“Oceano em risco” é tema da produção em vídeo com a participação de pesquisadores de Projeto Temático da FAPESP. Agência FAPESP O Instituto da Cultura Científica da Universidade Federal de São Carlos (ICC-UFSCar) lançou a primeira edição dos Dossiês de...

A poluição plástica é um problema que podemos resolver, apela ONU

A ONU expõe dados recentes sobre a poluição plástica. Os plásticos trazem benefícios inegáveis ​​— da economia de energia à conservação de materiais. No entanto, a crescente crise da poluição plástica ameaça o bem-estar planetário e humano. Durante...

Acabar com a poluição plástica: uma vitória para os negócios, a natureza e a nossa saúde

“Hoje, o conceito de circularidade deixou de ser teórico — está atraindo investimentos de grandes marcas”, disse Elisa Tonda, Chefe da Divisão de Recursos e Mercados do PNUMA, em artigo no The Telegraph. Em um artigo de opinião no Dia Mundial do Meio...

Dos Andes, um apelo para acabar com a poluição plástica, assista ao vídeo

O ex-Campeão da Terra do PNUMA, Constantino Aucca Chutas, está incentivando todos, em todos os lugares, a fazerem a sua parte para reduzir a poluição plástica. “Vamos lá. Nós conseguimos”, disse ele em um vídeo postado no YouTube. Chutas é o fundador de...