Quarta-feira | 7 de setembro, 2022
Há muitas nuances históricas com respeito à Independência do Brasil. Aqui transcrevemos o levantamento publicado pela plataforma “Ensinar História”, que gentilmente nos concedeu permissão para reprodução.
Em 7 de setembro de 1822, por volta das 4h ou 4h30 da tarde, o Príncipe Regente D. Pedro proclamou a independência do Brasil às margens do Ipiranga, em São Paulo. Assistiram ao ato 38 pessoas: a Guarda de Honra, os acompanhantes do Rio de Janeiro e os que se incorporaram no caminho, em São Paulo.
Por Joelza Ester Domingues.*
O ato era a culminação de um processo que se estendeu de 1821 a 1825. Antes do gesto de D. Pedro, já ocorria a Guerra de Independência iniciada nas vilas de Santo Amaro e Cachoeira na Bahia, e em Pernambuco, a 29 de agosto de 1821, quando um movimento armado, conhecido como Convenção de Beberibe ou Movimento Constitucionalista de 1821, expulsou os exércitos portugueses da província. A Bahia e Pernambuco foram, assim, as primeiras províncias a se separarem do Reino de Portugal.
D. Pedro em São Paulo
Em agosto de 1822, o Príncipe Regente viajou a São Paulo para pôr fim às rivalidades entre dois grupos políticos locais. Sua esposa, a princesa Maria Leopoldina assumiu a regência durante sua ausência como chefe do Conselho de Estado.
Pedro permaneceu em São Paulo entre os dias 25 de agosto e 5 de setembro, quando partiu para Santos acompanhado pelo mesmo grupo com que chegara à capital (onze pessoas, sem contar a guarda de honra). Nesse ínterim, chegou ao Rio de Janeiro (28 de agosto) o navio português Três Corações trazendo notícias de Lisboa entre as quais a sujeição de D. Pedro às determinações das Cortes, a nomeação de seus ministros e secretários pelo rei de Portugal e a anulação de todos os atos do gabinete de José Bonifácio.
As decisões transformavam o Príncipe Regente em um marionete, manipulado pelas Cortes de Lisboa. Alarmado, o Conselho de Estado reuniu-se com a princesa Maria Leopoldina, chefe interina do governo regencial.
O Conselho de Estado concluiu, em unanimidade, incluindo a Regente Interina, que era o momento de declarar a independência. A decisão foi registrada na ata do Conselho, dia 2 de setembro. Ordenaram, então, ao oficial Paulo Bregaro que partisse para São Paulo com a máxima rapidez levando os documentos para D. Pedro. O mensageiro levava, também, as cartas da princesa, de José Bonifácio e do cônsul inglês Henry Chamberlain.
O Sete de Setembro
Paulo Bregaro chegou a São Paulo num sábado, pela manhã, 7 de setembro. Não encontrando o Príncipe, prosseguiu em direção a Santos encontrando, no caminho, a comitiva de D. Pedro que retornava. O Príncipe ficara para trás sofrendo de uma disenteria que o obrigava, a todo momento, descer do cavalo para se aliviar. Ao chegar ao alto da colina do Ipiranga, D. Pedro recebeu as cartas e mandou que o Padre Belchior as lesse. Relata José Honório Rodrigues o que se seguiu:
“Depois de ouvi-lo, ‘tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos (diz Padre Belchior) os papéis e,
amarrotando-os, pisou-os, deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois, abotoando e compondo a fardeta (…) virou-se para mim e disse: ‘E agora , Padre Belchior? E eu respondi prontamente: ‘Se V.A. não se faz Rei do Brasil será prisioneiro das Cortes e talvez desertado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação’. Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente (…) em direção aos nossos animais, que se achavam à beira da estrada, dizendo-me: ‘Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de Rapazinho e de Brasileiro. Pois verão agora quanto vale um Rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal!’ Respondemos imediatamente, com entusiasmo: ‘Viva a liberdade! Viva o Brasil separado! Viva D. Pedro!’ (…) Diante de sua guarda, disse então o Príncipe: ‘Amigos, as Cortes portuguesas querem escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais.’ E, arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas Cortes como símbolo da nação portuguesa, atirou-o ao chão, dizendo: ‘Laço fora, soldados. Viva a independência, a liberdade e a separação do Brasil!’ (…) O Príncipe desembainhou a espada, no que foi acompanhado pelos militares, os paisanos tiraram o chapéu. E D. Pedro disse: ‘Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil’. –‘Juramos’, responderam todos. Pedro embainhou a espada, no que foi imitado pela guarda, pôs-se à frente da comitiva e, voltou-se, ficando em pé nos estribos: ‘Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte!’”
Este evento é lembrado como o Grito do Ipiranga.
Foi assim mesmo?
A narração acima do célebre Grito do Ipiranga pode não ser real. O texto original do Padre Belchior Pinheiro de Oliveira encontra-se perdido. É conhecido por intermédio de republicações posteriores do professor e jornalista Francisco Assis Cintra. Dos quatro relatos de testemunhas, a narrativa do padre Belchior é a mais minuciosa e vivaz sobre o Sete de Setembro e isso contribuiu para ser a mais reproduzida. Porém, não existe o documento original para ser confrontado com as publicações posteriores.
O Sete de Setembro não teve repercussão no momento em que ocorreu. A independência do Brasil já estava consumada desde a convocação da Assembleia Constituinte, em 3 de junho, ou desde o decreto de 1º de agosto, ou do manifestos de José Bonifácio de 6 de agosto, e assinada pela princesa regente Maria Leopoldina em 2 de setembro.
O gesto de D. Pedro só foi noticiado duas semanas depois de ocorrido. Aliás, não existe ou não se conhece um relato do próprio D. Pedro descrevendo o ocorrido às margens do Ipiranga. Aqueles que se dizem testemunhas do fato, só o relataram por escrito alguns anos depois, e há algumas divergências entre os relatos.
Segundo a historiadora Lúcia Maria Bastos Pereira Neves, “quando o príncipe regente proclamou – se é que o fez – o célebre Grito do Ipiranga, em 7 de setembro (…) para a maioria dos contemporâneos a separação, ainda que parcial, já estava consumada. Esse episódio, aliás, não teve significado especial, não sendo sequer noticiado pela imprensa da época, exceto por breve comentário no jornal fluminense O Espelho, datado de 20 de setembro. Tornava-se necessário oficializá-la, com a aclamação de D. Pedro como imperador constitucional do Brasil, ocorrida em 12 de outubro, e a coroação, de 1º. de dezembro”. (NEVES, 2009, p. 128.)
*Joelza Ester Domingues – Consultora de projetos na UNESCO [Análise e revisão crítica de material didático de Ciências Humanas (8 volumes)] e Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Assessora de conteúdo de História na BNCC da Fundação Lemann e Movimento pela Base [Elaboração de conteúdo de História para portal BNCC-MEC. Apoiadora especialista de História junto a redatores de currículo para implementação da BNCC].
Fontes:
– LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I. São Paulo: Companhia das Letras, 2007
– VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002
– VIANNA, Hélio. História do Brasil: período colonial, monarquia e república. São Paulo: Melhoramentos, 1994.
– RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. A evolução política. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Álvares, 1975-1976.
– OBERACKER JR., Carlos H. “O grito do Ipiranga”, problema que desafia os historiadores. Certezas e dúvidas acerca de um acontecimento histórico. Revista USP, São Paulo, s/d.
– RIBEIRO, Antônio Sérgio. Acompanhe a viagem de D. Pedro até as margens do Ipiranga em 7 de setembro de 1822. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 4 set 2003.
– NEVES. Lúcia Maria Bastos Pereira. Estado e política na Independência. In: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial, c. II: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
Fonte: Ensinar História – Joelza Ester Domingues