Sexta-feira, 2 de setembro de 2016, às 09h38 – atualizado às 13h22


Para quem não está acostumado com os “pequenos embaraços da política que serão resolvidos rapidamente”, como disse o agora presidente Michel Temer na China – para onde viajou logo após o impeachment de Dilma Rousseff levando um séquito de aliados – e precisa vencer a crise, a decisão de manter os direitos políticos de Dilma Rousseff continua trazendo insegurança. Ao empresariado, mais politizado, cabe entender que pouco ou nada isso significa. À política, que rege os rumos também da economia, um precedente bizarro se abriu.

Gerson Soares

Depois de comprar um ferro velho nos Estados Unidos, também conhecido como Usina de Pasadeena; de coexistir passivamente com o maior escândalo de corrupção e desvios de verbas públicas e dinheiro da Petrobrás; depois de levar o Brasil à bancarrota; alegar que estava sendo vítima de um golpe e incitar até mesmo a imprensa internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU) contra o seu próprio país, alegação que foi devida e brilhantemente desconstruída pelo relator do processo de impeachment, Antonio Anastasia e a advogada de acusação Janaina Paschoal; depois das pedaladas fiscais, que trocando em miúdos foi maquiar a contabilidade para beneficiar seu governo e continuar dando à sua atuação como presidente uma aparência que se já não podia ser boa, não chegaria a ser péssima; depois de cometer o maior estelionato eleitoral de que se têm notícia, praticamente ludibriando a opinião pública com dados econômicos que senadores como Ronaldo Caiado e Aécio Neves demonstraram ser um engodo durante o julgamento final do processo de impeachment; levar 12 milhões de pessoas ao desespero do desemprego, falência de empresas, total desânimo empresarial e dos investidores; e mais um sem número de fatos e consequências de sua desastrosa administração; por fim, Dilma Rousseff perde somente os últimos 28 meses de segundo mandato (exerceu 20 meses), mas mantém seus direitos políticos, o que lhe concede a possibilidade para uma nova candidatura presidencial em 2018 ou a quaisquer cargos públicos.

 

Ilustração: Impeachment - sorrindo para a Nação. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado. Sobrefoto: aloart

Ilustração: Impeachment - sorrindo para a Nação. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado. Sobrefoto: aloart

 

Sinistras articulações políticas que levaram o Senado Federal a uma partição na votação, criando o precedente exposto acima – quando a imputação da pena de perda do mandato pelo crime de responsabilidade fiscal venceu com 61 votos a favor os 20 contrários e numa criativa segunda votação, sobre a manutenção dos direitos políticos da ex-presidente, o resultado foi de 42 votos contra, 21 a favor e 3 abstenções –, parecem realmente demonstrar ao mundo que o Brasil não é sério e depois de uma tramitação que levou nove meses entre comissões na Câmara dos Deputados e no Senado – onde algumas sessões em particular foram também chamadas de picadeiros circenses ou hospícios –, buscando os direitos constitucionais da até então presidente do país Dilma Rousseff, se chega pelas próprias mãos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo da Justiça e guardião da Constituição, a uma decisão polêmica, criticada pelos seus colegas da corte. “Não muito ortodoxa”, disse ontem (1º/09) o decano do STF ministro Celso de Mello. Para o ministro Gilmar Mendes, ato bizarro: “O que se fez lá foi um DVS (destaque para votação em separado) não em relação à proposição que estava sendo votada, se fez um DVS em relação à Constituição, o que é, no mínimo, para ser bastante delicado, bizarro”, afirmou Mendes, após sessão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), frase estampada na mídia.

Assim, a sociedade brasileira que imaginava estar livre e ter virado essa página da história e dos 13 anos de lulopetismo com o Partido dos Trabalhadores (PT) no poder, continuará amargando incertezas e assistindo ao noticiário de mais negociações políticas e questionamentos jurídicos e constitucionais quanto à manutenção dos direitos de Dilma Rousseff. Este mesmo partido foi o autor do pedido do DVS (mencionado acima) que levou o presidente da 133ª Sessão Extraordinária Deliberativa do Senado Federal, ministro do STF Ricardo Lewandowski, a dividir a votação.

A política brasileira age dessa forma, não é possível enxergar uma vontade no sentido de erguer o país e moralizá-lo. Ao lado do presidente Michel Temer em viagem fotográfica à China, posando está Renan Calheiros, que utilizou a prerrogativa de presidente do Senado durante a sessão de julgamento presidida por Lewandowski, para erguer sua voz no momento anterior ao início da votação sobre os direitos políticos da ex-presidente, e dizer “eu sou a favor (da manutenção)”. Os que tentam moralizar a política, se não são tenazes com forças descomunais, sucumbem ante tanta indiferença com a vontade popular, deslealdade e falta de patriotismo. O que vimos nestes nove meses é que existe uma minoria que tenta trabalhar pela Nação e uma maioria que labuta por si mesma, pela perpetuação do poder e privilégios em detrimento de um país desolado pela imoralidade, pela vergonha. Na verdade o que menos enxergam é que são menores e o tempo os desgastará transformando-os em pó.

Aos poucos empoderados tudo, ao povo, tão enganado e iludido, nada. A um mês das eleições municipais, também alvo das negociatas políticas só que em esferas menos elevadas – mas que refletem nos altos escalões –, cabe ao eleitorado exercer a única chance que possui, se é que ela existe de fato, e pensar muito bem em quem votar. Cada voto a esmo, pode ser a gota d’água para fazer brotar mais ervas daninhas. Moralizar a política do país é a mais árdua das tarefas que se pode exigir neste contexto. A falta de honra, patriotismo e moralidade supera tudo o que se pode imaginar. Cabe a cada cidadão adotar em seu dia a dia as qualidades desprezadas pela classe política – honra, cidadania, moral, patriotismo, justiça e liberdade nas suas verdadeiras acepções –, para que a contaminação do bem se espalhe e apesar de mais essa decepção – do crime sem castigo – com o estilo político brasileiro de governar e sorrir para a Nação, mostrar que é possível reerguer o Brasil e, mesmo que aos poucos pelas dificuldades vistas, afastá-los daquilo que mais gostam e se alimentam: o seu parco e temporal poder.

Brasíllyawood, o show cinematográfico de baixa qualidade que se vê em Brasília diariamente. Ilustração; aloart

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