Silvia Matos — Coordenadora do Boletim Macro IBRE, responsável pela elaboração dos Cenários Macroeconômicos do Instituto. É Professora da Graduação e do Mestrado Profissional em Economia e Finanças (MFEE) da FGV EPGE. Possui publicações nas áreas de macroeconomia e crescimento econômico. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Mestre e Doutora em economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia (FGV EPGE).


Em um momento com risco de novos choques negativos sobre a economia brasileira, os dados de atividade de econômica referentes ao segundo trimestre têm confirmado uma desaceleração moderada, em linha com nossas projeções.


Mesmo com muitas idas e vindas, a principal marca do cenário internacional do primeiro semestre de 2025 tem sido a guerra comercial. O mês de julho representaria uma data importante para o encaminhamento dos acordos comerciais. Porém, houve mais uma rodada de ameaças por parte dos EUA.

O governo Trump adiou de 9 de julho para o primeiro dia de agosto o prazo para o aumento das tarifas denominadas “recíprocas”. Mas, ao mesmo tempo, enviou para um conjunto de países uma notificação sobre a imposição de tarifas similares aos patamares apresentados em abril deste ano e que devem vigorar a partir do primeiro dia de agosto. Entre os principais parceiros comerciais, como México e União Europeia, a tarifa foi definida em 30%. Consequentemente, mesmo esperando um recuo em parte dessas medidas, houve reação nos mercados com o aumento da incerteza sobre os desdobramentos da guerra comercial.

Mas, de qualquer forma, o cenário mais provável é que as tarifas fiquem em patamares mais elevados, com efeitos negativos sobre o crescimento mundial e sobre a própria economia americana. Para o banco central americano, a estratégia continua de “wait and see”, pois a atividade prossegue resiliente e é esperado que as tarifas elevem a inflação nos próximos meses.

Além disso, a aprovação do pacote fiscal americano corrobora um cenário de aumento de déficit e da dívida pública nos próximos anos, o que tem afetado a percepção de risco dos ativos americanos, com impactos na taxa de juros de longo prazo, como também na desvalorização do dólar.

Nesse novo capítulo da guerra comercial, o Brasil foi o país com maior aumento de tarifa: para 50%, ante 10% no anúncio de abril. Estimativas de impacto sobre atividade são muito incertas, pois há uma probabilidade elevada de as tarifas serem negociadas para patamares mais baixos. A despeito da redução da participação dos EUA em nossas exportações (24,4% em 2002 para 12,0% em 2024), a nossa pauta é bem mais diversificada quando comparamos às exportações para a China. Enquanto dez produtos explicaram 57% das exportações brasileiras para os EUA, no caso da China três produtos (petróleo, soja e minério de ferro) explicaram 96% das exportações nacionais.[1] Entre os principais produtos exportados para os Estados Unidos, destacam-se: óleos brutos e óleos combustíveis, produtos semiacabados de ferro ou aço, aeronaves, celulose e produtos agrícolas/alimentos, como café, suco de laranja e carne bovina.

Conforme destacado no Boletim do ICOMEX do FGV IBRE de julho de 2025, “as exportações para os Estados Unidos representam cerca de 2% do PIB brasileiro. Além disso, parte das exportações brasileiras para os EUA são de empresas multinacionais estadunidenses que poderão pressionar o governo Trump, da mesma forma que empresas nos Estados Unidos que utilizam os bens intermediários do Brasil na sua produção”. E com relação aos produtos agrícolas, o Brasil é um mercado fornecedor relevante nas importações de suco de laranja, café e carne bovina, ou seja, os maiores prejudicados no curto prazo serão os próprios consumidores americanos.

Em um momento com risco de novos choques negativos sobre a economia brasileira, os dados de atividade de econômica referentes ao segundo trimestre têm confirmado uma desaceleração moderada, em linha com nossas projeções. Os Índices de Confiança do FGV IBRE também encerram o primeiro semestre de 2025 em queda, sinalizando que o esfriamento da economia brasileira continua.

Mantemos a previsão de crescimento para o segundo trimestre em 0,4% (TsT) e 2,3% (AsA). Para a ano fechado, a projeção de crescimento do PIB foi mantida em 2,0%. É importante destacar que há sinais ambíguos sobre o desempenho recente da economia. Por um lado, os dados do segundo trimestre indicam arrefecimento da atividade mas, por outro, o mercado de trabalho segue muito robusto. Consequentemente, apesar de a inflação cheia dar sinais de desaceleração, a inflação de serviços subjacentes, que exclui itens mais voláteis como passagens aéreas, ficou estável em 6,6% nos 12 meses até junho de 2025, um patamar ainda muito elevado. Soma-se a isso expectativas de inflação desancoradas para os próximos anos, o que corrobora o cenário de manutenção de juros por um tempo muito prolongado.

E, por fim, a política fiscal continua estimulativa e a insustentabilidade da dívida pública tem efeitos deletérios sobre os preços dos ativos financeiros e sobre as expectativas de inflação. De fato, esse segue sendo o nosso grande conflito doméstico: política fiscal vs. política monetária. A ausência de reformas estruturais nos gastos, o aumento de concessão de crédito subsidiado, bem como a incerteza sobre a estabilização da dívida pública, geram um conflito com os objetivos da autoridade monetária.


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