Sábado, 26 de março de 2016 às 15h37
A presidente Dilma Roussef convocou a imprensa internacional na última quinta-feira (24), para dizer que o impeachment é ilegal e que está sendo vítima de um golpe. Afinal, o que é legal?
Gerson Soares
A palavra tem duplo sentido. Legal pode ser aquela pessoa bacana, um presente, uma peça teatral. As coisas agradáveis são legais. Por exemplo, um país onde a fartura e a riqueza estejam na terra e na natureza, como o Brasil, onde as pessoas sejam felizes e possam cuidar do seu futuro tranquilamente, é legal. Ser saudável também é legal, e para isso é preciso ter assistência médica sempre que precisar e for necessário. Educação pública universal de boa qualidade, com professores motivados, formata o crescimento de uma nação, isso é legal. Ver as riquezas distribuídas aos cidadãos e as ciências incentivadas num país, é muito legal.
Por outro lado, a mesma palavra designa tudo aquilo que não seja ilegal, algo ilícito e até determinados atos espúrios que só têm a aparência legal. Por exemplo, aceitar dinheiro de propina para financiar campanhas milionárias é ilegal ou deveria ser. Levar a corrupção a outros países e internacionalizar a podridão que existe na política brasileira, deve ser ilegal – somente o péssimo exemplo, já seria suficiente para ser assim considerado. Continuar deixando um país se dissolver, diante de tantas irresponsabilidades para com a população e enganar aqueles que na sua inocência acreditam seja a atual forma de governar a correta, também não é legal, já que incorre no crime de lesa-pátria. Na legalidade, está a Constituição Brasileira e a sua obediência, na mais ampla concepção.
É inacreditável ter de provar a cada dia uma fruta podre para dizer que está estragada e cheia de bichos. Isso é o que está acontecendo no Brasil. Todos os dias, assistimos às mais absurdas cenas pela legalidade, daqueles que tiveram a oportunidade para transformar a pobreza com inteligência e honestidade. Não é preciso exaltar as qualidades de tenacidade e persistência aos pobres, eles já as possuem, são fortes. Discursos não os fazem assim. Ações benéficas é que trarão um futuro melhor. O atual governo, após 12 anos e três meses – se juntarmos o período de Lula (que continua mandando) e Dilma – não só está propagando novamente a pobreza, mas acabando com as riquezas. No entanto, para que isso seja ilegal é preciso provar. E voltamos a mastigar a fruta podre, revirando as entranhas a cada dia, porque provar exige tempo e empenho como está mostrando a Polícia Federal.
Presenciando o cinismo dos nomes mais famosos da nossa política, que aceitaram dinheiro da Odebrecht, envolvida até o último dólar no maior esquema de corrupção de que se tem notícia no país, cabe a seguinte pergunta: Ninguém sabia que a empreiteira crescia como um câncer, se alimentando das riquezas do país? Quando digo ninguém, me refiro a todos os políticos e partidos que aceitaram o dinheiro sujo da companhia. Isso para citar apenas essa parte da investigação revelada na Lava Jato, operação de limpeza contra a qual a artilharia do governo está voltada neste momento, provando pelos atos em si, o contrário do dito popular “quem não deve, não teme”. Como foi possível dar tanta corda a esse juiz? Quer saber Lula, um dos mais envolvidos nos escândalos que surpreenderam a todos nas últimas semanas, referindo-se ao magistrado Sérgio Moro. Dilma, em seus devaneios, quer a prisão do juiz. Após sua nomeação, na tentativa de mostrar serviço, o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, teve como primeiro ato intimidar a Polícia Federal que luta contra o crime organizado e a corrupção.
Das manobras políticas dos últimos meses, envolvendo Eduardo Cunha e a vergonha protagonizada por seus comparsas no Conselho de Ética, passando pela delação de Delcídio do Amaral, as manobras da presidência da República culminando com a absurda nomeação de Lula para ministro chefe da Casa Civil e as apelações no Supremo Tribunal Federal, assim como a chegada da Lava Jato ao âmago da Petrobras e à Odebrecht, isso não é legal (no sentido de ser bacana) e não deveria ser legal (no sentido jurídico) para uma Nação mostrar ao mundo. Quantas outras empresas estão envolvidas em corrupção, lavagem de dinheiro e propinas a autoridades?
Antes mesmo de ser convocada, a imprensa internacional tem mostrado a vergonhosa crise brasileira. Assistir toda essa degradação diariamente no noticiário é deprimente e corrobora com tudo aquilo que já escrevi sobre a classe política e haveria certamente muito mais a escrever se tivesse um tempo exclusivo para essa finalidade. Para não estendermos a longínquos tempos passados, tratando apenas da época em que a ditadura militar se dissolveu e o poder civil foi restabelecido, a fim de não ofender os que tentam moralizar a política, diante da corja que se instalou nos poderes, é importante lembrar como nos outros textos de minha autoria, de que existem exceções; mesmo entre os políticos, surgem pessoas bem intencionadas.
Observe-se a situação dos partidos depois da lista divulgada no dia 24, do histórico mês de março de 2016, onde desfilam renomados políticos que aceitaram dinheiro – segundo eles, dentro da legalidade – para suas campanhas, somas advindas diretamente da Odebrecht. Caso vingue o impeachment e culmine com o afastamento da presidente Dilma, passemos a refletir: Em quem votar na possibilidade de novas eleições? Alguém tem um candidato para indicar? Com que cara falar aos correspondentes estrangeiros sobre legalidade e ilegalidade na vigência do atual modelo político brasileiro? Quem recebeu dinheiro dessa empresa, considerando que doações de campanha até aquele momento eram legais, pode ser considerado honesto?
A política brasileira perdeu a moral, que por sinal é palavra que também pode ter mais de um sentido, mas neste caso me refiro ao inverso daquilo que é imoral. A estagnação da economia é menos grave do que a sensação de permanentes imoralidades e ilegalidades, espalhadas por todos os cantos e meandros onde estiver a corrupção, desfigurando perante o mundo a porção maior do povo brasileiro, que ainda tem orgulho de ser honesto e honrado. Convocada a imprensa internacional pela presidente Dilma, para dizer que o impeachment é ilegal, não foi legal; escancarou-se o descaramento e a falta de bom senso que governam o país. Mas nem precisava todo o mundo já sabia.
Leia mais sobre
OPINIÃO
Leia as últimas publicações