Domingo | 10 de maio, 2020 | 18h50

 

:: Anjos do passado e do presente


Gerson Soares

Há 100 anos a situação se repete, os mais pobres são atingidos com mais intensidade pelas doenças e calamidades. São eles que multiplicam as filas e os óbitos dos hospitais públicos agora. Está com os menos favorecidos a maior preocupação das autoridades que aparecem para salvaguardá-los somente quando a casa já caiu.

O isolamento das camadas menos abastadas da sociedade paulistana, para citar esta localidade inserida na mais populosa unidade da federação, continua surtindo os efeitos que a levaram para longe das áreas nobres. As periferias contam com menos assistência e visão das autoridades públicas, como há 100 anos. Falta de tudo, inclusive consciência do perigo.

 

Foto: Acervo Museu da Imigração/APESP

 

O número de mortes na atualidade é tão assustador quanto foi há um século, quando a gripe espanhola levou a óbito 12 mil indivíduos em 66 dias e contaminou 350 mil pessoas na cidade de São Paulo – o equivalente a dois terços da população, conforme lido em "Hospedaria em Quarentena - A espanhola malquista". Os números não são exatos devido as dificuldades com as estatísticas e esse é um fato notável, bastante conhecido de quem pesquisa a história paulista, os números que se encontra divergem entre uma instituição e outra, mas de qualquer modo servem como parâmetro.

Atualmente há casos de recuperação, que não são encontrados nos dados oficiais paulistas, apenas mortes e infectados são vistos comumente durante os boletins. A dificuldade em obter informações precisas nos faz ir e voltar no tempo e na história. No entanto, distante de tudo isto, existem os “anjos”. São pessoas que se mobilizam com coragem, trabalham sem temor nas áreas mais suscetíveis de contaminação, como a da saúde. Médicos, enfermeiras e as equipes que acolhem os doentes contrastam com a calamidade promovida pelas autoridades. Anjos incógnitos, já receberam muitas homenagens, mas acabam esquecidos. Seus atos, no entanto, não devem passar despercebidos no céu. Sem pensar, agem pela sua natureza: a de amparar o próximo.

Encerro estas singelas crônicas com o texto grifado abaixo, publicado pela equipe do Museu da Imigração. Estes escritos nos fazem lembrar dos cortiços, da falta de saneamento básico e a pobreza de outrora, situações que ainda persistem nesse sentido, mesmo tendo passado 100 anos. Nas duas pandemias, a solidariedade e a compreensão, ainda fazem a diferença nas vidas daqueles que estão aturdidos com a falta de recursos financeiros, dispensados dos empregos ou que perderam entes queridos para um inimigo invisível, traiçoeiro. Diferente do combatente que levantou a metralha nas grandes guerras do passado ceifando milhões de vidas, o coronavírus age sorrateiro.

“O hospital da Hospedaria de Imigrantes do Brás, segundo Relatório da Secretaria da Agricultura, tratou de 1508 enfermos (entre 18 de outubro e 30 de novembro de 1918) e preparou 14.215 receitas médicas. Os responsáveis por coordenar os atendimentos foram o médico Dr. Mario Graccho e o farmacêutico Augusto Seixas, mas muitas outras pessoas se envolveram diretamente no cuidado com os doentes. Cozinheiros e auxiliares de cozinha prepararam 8.797 litros de leite, 13.123 caldos de galinha e 4.125 canjas de galinha; um grupo de mulheres dirigidas pela superiora do Pensionato das Irmãs da Esperança confeccionou para o hospital 909 lençóis, 40 fronhas, 812 camisolas e 150 peças de vestuário para crianças; os padres Missionários do Coração de Maria e as freiras Irmãs da Esperança ofereceram assistência religiosa aos doentes, e essas últimas também atuaram como enfermeiras.”

O artigo completo publicado pela equipe do Museu da Imigração sobre o hospital da hospedaria,
a gripe espanhola entre os imigrantes e paulistanos pode ser lido no link abaixo.

“Hospedaria em Quarentena: A espanhola malquista”

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