O luto representa um processo de perda de alguém ou de algo significativo na vida da pessoa e dá lugar a diversas emoções negativas que requerem um tempo de elaboração e de reorganização emocional.

Por Dra. Maria Farinha – Portugal


“O fim de uma relação, seja divórcio ou separação, pode ser uma experiência profundamente marcante, provocando uma sensação de perda tão intensa que se assemelha à perda da vida de alguém que nos é próximo”, explica a Psicóloga Clínica Maria Farinha. “Neste contexto, há, de facto, uma “morte”, que é a da própria relação”, sublinha a especialista.
Este processo pode romper abruptamente com a sensação de normalidade, especialmente quando envolve relações longas, coabitação, filhos ou até responsabilidades profissionais compartilhadas.

A separação não implica apenas lidar com a ausência física e emocional da outra pessoa, mas pode também desencadear perdas em diferentes áreas da vida:
:: Autoestima – A sensação de abandono, rejeição ou fracasso causa impacto na confiança;
:: Estabilidade financeira ou material – Muitas vezes, uma separação envolve a perda da casa onde se vivia, bens materiais, ou até a dependência financeira de um dos membros do casal;
:: Identidade e papel social – A mudança de estado civil (solteiro ou divorciado) pode alterar a perceção de si mesmo e o papel que desempenhava como parte de um casal no círculo social e familiar;
:: Capacidade de visualizar o futuro – A incerteza sobre o futuro emocional e afetivo está ligada a uma certa angústia, deixando a sensação de que os planos e expectativas foram desfeitos.

Essas perdas são causadoras de uma variedade de respostas emocionais, como tristeza, raiva, culpa, dormência emocional ou solidão. Estas reações fazem parte do processo natural de luto, o qual é pessoal e único para cada pessoa.

“Ao contrário do luto decorrente de uma morte, no fim de uma relação, por norma, continuamos a ver a pessoa e reconhecemos a sua existência, o que poderá trazer alguma esperança de reconciliação ou provocar ainda mais angústia”, aponta a Psicóloga.

Fases do ‘luto’ da relação

Ultrapassar o fim de uma relação é um processo complexo e não linear que pode durar meses ou até mesmo anos, e é composto por várias fases:

Ambivalência – É perfeitamente normal sentir-se dividido entre pensamentos como “será que foi a melhor decisão?” ou “será que poderia ter feito algo diferente?”. Estas dúvidas fazem parte do processo de reflexão e adaptação ao fim de uma relação.

As emoções também podem ser conflituantes – por um lado, é comum sentir nostalgia e solidão, ao recordar os momentos passados; por outro, surgem sentimentos de empoderamento e entusiasmo face às novas possibilidades que o futuro traz. Este misto de emoções é natural e reflete o processo de reorganização emocional após uma mudança tão significativa.

Negação – Inicialmente, a pessoa que não tomou a iniciativa de terminar a relação pode entrar num estado de choque e ter dificuldade em aceitar a separação. Esta fase é frequentemente marcada por uma sensação de irrealidade, como se o que aconteceu não fosse verdade. É comum haver uma tendência para evitar enfrentar as emoções naturais que surgem, procurando distrações para escapar ao sofrimento. Muitas vezes, a pessoa também opta por guardar segredo sobre o que aconteceu, evitando partilhar a situação com outras pessoas.

Raiva – Após a separação, o ego fica, muitas vezes, ferido, resultando em sentimentos intensos de raiva e ressentimento em relação à outra pessoa. Nesta fase, é comum que ocorram várias discussões e desentendimentos, assim como comportamentos mais “tóxicos”, com o intuito de magoar o outro, seja de forma intencional ou não. Esses conflitos surgem como uma forma de lidar com a dor emocional, mas acabam por agravar o processo de separação e dificultar a reconciliação consigo mesmo.

Negociação – A negociação é uma tentativa de evitar o término da relação, procurando formas de a recuperar. Isso pode ocorrer através da promessa de mudança, seja pessoal ou da situação, ou ainda pelo estabelecimento de novas regras e compromissos. Muitas vezes, nesta fase, a pessoa acaba por comprometer os seus próprios valores ou sentimentos, na esperança de salvar a relação e evitar o confronto com a realidade da separação.

Depressão e tristeza – As emoções depressivas, como a tristeza profunda, tornam-se predominantes à medida que se começa a sentir o impacto total da perda. Esses sentimentos são avassaladores e dificultam a capacidade de levar uma vida normal, afetando o desempenho em tarefas quotidianas. É comum que a pessoa experimente episódios frequentes de choro e se isole socialmente, afastando-se de amigos e familiares.

Aceitação – A pessoa começa a aceitar a sua nova realidade, o que não significa necessariamente o fim do luto, mas sim um reconhecimento e adaptação à sua nova vida sem o outro. A aceitação é um passo em direção à integração da perda na vida diária.

Elaboração – A pessoa começa a perceber que, da mesma forma que se sentiu abandonada ou rejeitada, também precisa de abandonar o outro, ou seja, precisa de ir desinvestindo nessa pessoa e atribuir-lhe um outro lugar na sua vida. Quando isto ocorre, o luto está elaborado. A culpa dissipa-se, o medo esvai-se e o pensamento começa a reorganizar-se.

É importante lembrar que este luto não segue uma sequência linear e pode variar significativamente de pessoa para pessoa. O processo não é estanque, e é comum que haja avanços e retrocessos, passando por diferentes fases em momentos distintos. Cada fase pode ser revisitada, e a pessoa não tem controle sobre o ritmo ou a sua duração, podendo vivenciar qualquer uma das fases a qualquer momento.

Como ultrapassar o fim de uma relação de forma mais saudável?

Autocuidado: É fundamental não negligenciar o bem-estar emocional e físico. Manter uma rotina de exercício físico, seguir uma alimentação equilibrada e cultivar bons hábitos de sono são fatores essenciais durante o processo de luto. Fazer atividades prazerosas e hobbies também pode contribuir para o autocuidado e ajudar a aliviar a tensão.

Falar com amigos ou familiares – Embora momentos de introspeção sejam importantes para processar a perda, é igualmente crucial evitar o isolamento social. Conversar e estar com amigos e familiares pode proporcionar conforto, compreensão e apoio emocional.

Manter a rotina – O fim da relação desafia a sensação de normalidade. Manter uma rotina diária ajuda a restaurar um sentido de controlo e estabilidade emocional, facilitando a adaptação à nova realidade.

Sentir as emoções – É importante permitir-se sentir todas as emoções sem as reprimir, sejam positivas ou negativas. Tentar evitar a dor através de distrações constantes ou atividades ininterruptas prolongas o processo. É crucial reconhecer que não existe uma maneira “certa” de vivenciar este período e que todas as emoções que surgem são válidas e necessitam de ser vivenciadas.

Criar afastamento em relação à outra pessoa – Seja na “realidade” ou online, é essencial estabelecer um distanciamento. Verificar constantemente as redes sociais do antigo parceiro torna ainda mais difícil seguir em frente e pode prolongar a dor da separação. Desconectar-se ajuda a promover a cura e a focar no próprio bem-estar.

Não ter pressa em iniciar uma nova relação – A solidão e a necessidade de preencher o vazio emocional podem levá-lo a embarcar numa nova relação demasiado cedo. No entanto, é importante dar tempo a si próprio para curar e refletir sobre o que realmente deseja, sem a pressão de encontrar uma nova conexão imediatamente, a qual pode criar uma falsa sensação de bem-estar.

Procurar apoio especializado – Em alguns casos, este processo revela-se avassalador e persiste ao longo dos meses, dificultando o retorno a uma vida normal. Nesses casos, procurar ajuda profissional, na área da psicologia clínica, é essencial para recuperar da melhor forma.

É crucial permitir-se lidar com as diferentes formas que o luto pode assumir e saber o que fazer para passar por este processo de forma mais saudável, reduzindo o seu impacto na saúde mental, atual e futura.

O Hospital Lusíadas Monsanto, a unidade de referência do grupo Lusíadas Saúde dedicada à Saúde Mental, oferece um serviço pioneiro e inovador neste âmbito, como resposta à crescente necessidade de intervenção na área, tanto ao nível da prevenção, como da intervenção e acompanhamento.

Se está a sentir emoções depressivas e ansiedade extrema, procure ajuda. Nesta unidade encontra uma equipe experiente que lhe disponibilizará o apoio necessário em todas as fases do processo de luto.


Dra. Maria Farinha integra a equipe de Psicologia do Hospital Lusíadas Monsanto (Lisboa – Portugal).


Destaque – Imagem: Hospital Monsanto / Divulgação / +aloart


Publicação:
Sábado | 16 de novembro, 2024


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