Segunda-feira, 13 de agosto de 2018, às 06h40


Humilhações com exigências acima do normal, filas que podem passar de duas horas para atendimento e a sistemática falta de remédios; gastos para deslocamentos até três vezes ao mês e mesmo assim correndo risco de não receber os medicamentos, problemas no trabalho devido a essas saídas. Esses são alguns fatores que estão movendo entidades e o judiciário em torno da questão.

Gerson Soares

Tacrolimo: um dos remédios para transplantados que está faltando sistematicamente. Foto: divulgação

De acordo com processo que tramita na justiça, impetrado pelo Ministério Público Federal (MPF), há algum tempo o Ministério da Saúde (MS) decidiu economizar dinheiro reduzindo as compras de remédios cuja falta pode causar a morte dos brasileiros. Em menor proporção por abranger somente o Estado de São Paulo, mas com a mesma gravidade, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) também deixa de adquirir medicamentos indispensáveis para quem fez algum tipo de transplante. Com esse ato irresponsável essas pessoas podem ter os enxertos – como são chamados tecnicamente os órgãos transplantados – rejeitados pelo corpo. Seja por economia, negligência, corrupção ou a que tipo de atribuição se dê, sonegar remédios para doentes ou requerentes que assim o fazem para manter sua boa saúde é inaceitável.

O Ministério da Saúde deixa de fornecer remédios de alto custo aos requerentes do Estado de São Paulo cadastrados no Sistema Único de Saúde (SUS) sistematicamente desde 2016, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o que coincide com nossas reportagens e comentários dos pacientes. Portanto, enquanto o MS economiza com a Saúde, os pacientes se encontram às vias de perderem a vida e passam por humilhações por parte dos funcionários da SPDM (Sociedade para o Desenvolvimento da Medicina). Um belo nome, mas que carece de boa direção, já que não exerce a função determinada de forma humanitária, fazendo da falta de remédios a apologia da intolerância e da presunção, um exercício diário de arrogância e prepotência.

 

Micofenolato de sódio, entrega fracionada: este é outro remédio em falta, quando muito ele é entregue envolto por elástico com a metade da dose prescrita pelo médico. Sem os imunossupressores os transplantados podem morrer. Foto: divulgação / aloimage

 

Humilhações no Brasil dos menos favorecidos

Na Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana, um dos postos mais importantes do sistema de distribuição desses medicamentos em São Paulo, cuja logística é executada pela SPDM, funcionários tomam a altura ficcional de deuses gregos no alto do Monte Olimpo, perante aqueles que precisam fazer as renovações através das LMEs (Laudo de Solicitação de Medicamento), uma guia que deve ser preenchida por médico cadastrado. Essa guia e a forma como é preenchida sofre alterações periódicas causando dúvidas. Basta um pequeno erro, uma data não preenchida de acordo com as mudanças, um carimbo do CRM do médico com pequena imperfeição e as humilhações são as mais exorbitantes, uma vírgula fora do lugar é o suficiente para que o medicamento daquele paciente seja literalmente sonegado.

Fornecer remédios para quem precisa não é um favor, como muitas vezes esses funcionários fazem parecer aos temerosos pacientes – eles chegam a se recusar a falar com a reportagem com medo de perderem seus remédios ou sofrerem retaliações. Entregar os remédios é a função que lhes cabe, devidamente paga pelo Estado, inclusive financiada em parte por cada indivíduo que está à sua frente sendo humilhado: o paciente ou seu representante. Diante das despesas pagas aos grupos que orbitam um outro Brasil, regado a mordomias, privilégios que beiram a insanidade e altos salários; é quase nada pedir que os remédios aos transplantados – e também aos demais pacientes – mantenham a regularidade necessária, que essas pessoas e seus representantes sejam devidamente respeitados.

O contrário é o que ocorre no Posto da Vila Mariana, onde temos focado nosso trabalho desde 2014. Humilham-se pessoas humildes que muitas vezes nem sabem ao certo o que fazer diante da altivez desses funcionários e, em outras vezes, nem possuem o dinheiro suficiente para o transporte que não estivesse programado, ou seja, não conseguem atender as desumanas exigências desse sistema antiquado e logística falha. A impressão que ele deixa transparecer é a de que o trabalho mais profícuo seja no sentido criar entrave, de sonegar os medicamentos, o oposto do que se espera.

 

Ciclosporina é um dos medicamentos em falta na Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana que podem estar colocando em risco a vida dos pacientes e jogando no vácuo todo o trabalho dos médicos, graças à omissão da Secretaria da Saúde de São Paulo. Foto: aloimage / arquivo

 

Falta de remédios para transplantados

A indignação com a falta de remédios de alto custo que está levando pessoas a óbito também é motivo de comoção e convergência de opiniões. Nesse sentido, a Associação Brasileira dos Transplantados (ABTx), entidade sediada em São Paulo, move uma ação civil contra a falta sistemática de remédios de alto custo no Estado, e apresenta um estudo sobre o assunto. “Isto é o que há de mais cruel na política adotada pelo governo, a morte lenta dessas pessoas, que certamente ocorre com a sonegação dos remédios” (saiba mais).

Após as reportagens veiculadas no último mês de julho e a repercussão alcançada rapidamente na mídia e junto aos órgãos responsáveis, pela cobrança e obrigatoriedade na entrega dos remédios aos pacientes transplantados, a Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana, teve uma mudança de atitude no início deste mês de agosto, chegando a fazer uma lista de comunicação com aqueles que no mês passado não receberam seus medicamentos. Porém, passado aquele mês, eles receberão apenas as doses do mês vigente (agosto). As doses de julho, os remédios que não foram entregues, as pessoas que foram prejudicadas, e as outras tantas humilhadas, ninguém sabe, ninguém viu!

Saiba mais:
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Quem pensa assim, se engana. As humilhações de julho de 2018 se transformaram na gota d’água que transbordou a gigantesca paciência dos milhares de transplantados e requerentes de remédios de alto custo de São Paulo. Toda essa celeuma poderia ser evitada com mais responsabilidade e humanidade. A falta de remédios complica a vida das pessoas e aumenta ainda mais a visão negativa que a população possui dos órgãos que representa a Saúde no país com ênfase no MS e em São Paulo sob a tutela da SES/SP.

Campanha +Respeito: Ilustração: aloart

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