O uso de “pesos e medidas” diferentes na “balança” da Justiça também chama a atenção neste processo. Expondo a vítima a graus de dificuldades extremos, enquanto para absolver os contraventores três testemunhos e depoimentos contraditórios foram plenamente suficientes para arquivar duas vezes o processo em questão.
As normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) são aceitas no Brasil para várias especificações. Entre elas, há poucas semanas, determinou que, devido aos parâmetros exigidos pela ABNT, o município de São Paulo foi consagrado como a primeira cidade inteligente do país (leia aqui).
No entanto, para determinar se a coletividade está sendo prejudicada por sirenes que superam em dobro os valores permitidos, uma Promotora de Justiça, um Promotor de Justiça substituto e seus auxiliares não consideraram as informações do laudo apresentado pela vítima. Nem mesmo um procurador-geral de Justiça as considerou.
Pior ainda, nem perceberam que o documento com 29 páginas havia sido anexado um ano antes de suas decisões (leia aqui).
O máximo de ruídos permitidos na área onde a vítima reside, na qual os vigias processados admitiram atuar com suas sirenes, é de 55 decibéis no período noturno. “Por se tratar de área mista predominantemente residencial, os limites de pressão sonora permitidos pelas normas ABNT são: 55 dB em período diurno (entre 7h e 22h); 50 dB em período noturno (entre 22h e 7h)”, atestou a perícia de acordo com as normas da ABNT (leia aqui).
Comprovação técnica desconsiderada pelos juristas.
O laudo técnico, mencionado como exigência de prova pela Promotora de Justiça Elisa Vodopives em uma de suas citações, apresentou os seguintes níveis, segundo o Perito Judicial:
:: No ponto 1, os níveis de pressão sonora (ou decibéis = dB) das sirenes dos guardas noturnos atingiram 102,28 decibéis;
:: No ponto 2, chegou a 100,18 decibéis;
:: As medições foram feitas entre 21h20 e 22h50 do dia 26 de maio de 2022.
Como comprovado, os níveis atingem mais do que o dobro daquilo que é recomendado pela ABNT, como seguro para a coletividade e de acordo com o suportável para o ouvido humano. E, acrescentamos, principalmente durante o sono.
Diante disso, é difícil entender com que peso e qual medida decidiram os promotores, em nome da Justiça em São Paulo. Eles deliberaram os arquivamentos do processo que poderia mudar a vida de muita gente, mas preferiram decidir a favor dos infratores.
“Não há nos autos indícios pelos quais se possa evidenciar a responsabilidade penal do averiguado. Note-se que, inexistindo prova de que o barulho proveniente da conduta do agente atingia, realmente, níveis insuportáveis, não há como se afirmar eventual prática da contravenção penal de perturbação do sossego prevista no art. 42 do Decreto-Lei nº 3.688/41. Além disso, para a caracterização dessa infração, seria necessária a perturbação de um número grande de pessoas, uma vez que se tutela a paz pública.”
Talvez, este seja o maior levantamento midiático já feito no Brasil sobre o tema, que envolve a saúde pública agravada dia após dia; que passa despercebido por grande parte da população e conta com a tolerância de autoridades legislativas, judiciárias, civis e militares.
Por consequência, denigre a profissão dos verdadeiros vigilantes, que recebem treinamento e devem respeitar diversas normas para exercerem suas profissões.
Após este levantamento, se a autoridade mencionada considerar permitido a quaisquer cidadãos acionarem sirenes com 120 decibéis de pressão sonora nas portas das residências de quem está dormindo, atingindo até mesmo apartamentos em edifícios, ficaremos felizes em publicar suas opiniões para o debate da sociedade.
Outrossim, desde já convidamos os membros do Ministério Público de São Paulo (MPSP), envolvidos ou não neste processo, para que nos acompanhem em reportagem, inclusive aqueles que labutam na Promotoria do Meio Ambiente.
Continue lendo esta série de reportagens especiais sobre a poluição sonora provocada pelos vigilantes noturnos e suas sirenes. Leia também sobre “Ruído e Nossa Saúde”, publicação da Promotoria do Meio Ambiente do MPSP.
Destaque – Imagem: aloart / G I