Terça-feira, 2 de fevereiro de 2016 às 16h42
Em um estudo internacional conduzido no Brasil e publicado em 28 de janeiro na revista Cell, pesquisadores identificaram novos subtipos de glioma com base no perfil epigenético do tumor, ou seja, na forma como a expressão gênica está modulada.
Agência FAPESP | Karina Toledo
A descoberta, segundo os autores, poderá ajudar na avaliação do prognóstico de portadores desse tipo de câncer que afeta o sistema nervoso central, além de abrir caminho para tratamentos personalizados.
Conforme explicou Houtan Noushmehr, um dos coordenadores do trabalho e professor do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP/USP), as modificações epigenéticas correspondem a um conjunto de processos químicos que moldam o funcionamento do genoma e, consequentemente, o perfil fenotípico, por meio da ativação ou desativação de genes. Metaforicamente, é possível comparar o genoma ao hardware de um computador e o epigenoma ao software que faz a máquina funcionar.
Entre os mecanismos epigenéticos mais conhecidos estão a metilação do DNA – adição de um grupo metila (formado de átomos de hidrogênio e carbono) à base citosina do DNA, podendo impedir que alguns genes se expressem – e a modificação de histonas – relacionadas à adição ou subtração de grupos como acetila e metila aos resíduos de aminoácidos que compõem essas moléculas.
O estudo conduzido na USP de Ribeirão Preto teve como objetivo avaliar o perfil de metilação do DNA em 1.122 amostras de glioma de pacientes adultos do The Cancer Genome Atlas (TCGA), consórcio ligado ao National Cancer Institute, dos Estados Unidos, que reúne dados genômicos, epigenômicos e clínicos de pacientes de diversos países.
“Nós tínhamos disponíveis para análise diversos tipos de dados, como o sequenciamento completo do genoma dos tumores, o sequenciamento completo do exoma (parte do genoma onde estão os genes codificadores de proteínas), dados de sequenciamento de RNA, de metilação do DNA, de alterações de números de cópias de cromossomos. Tudo isso permitiu traçar o perfil epigenético dos tumores. E também tínhamos os dados clínicos e o histórico dos pacientes para saber como a doença evoluiu”, contou Noushmehr.
As análises foram conduzidas com auxílio de ferramentas de bioinformática durante o pós-doutorado de Tathiane Malta, bolsista da FAPESP , e o mestrado de Thais Sabedot – ambos no âmbito de um projeto Jovem Pesquisador FAPESP, coordenado por Noushmehr.
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Nova divisão
De acordo com os cientistas, os gliomas adultos eram até recentemente divididos em dois grandes grupos de acordo com a agressividade: tumores de baixo grau (2 e 3, os menos agressivos) e tumores de alto grau (4, os mais agressivos).
Em estudos anteriores publicados por Noushmehr em 2010 , 2013 e 2015, nos quais amostras de tumores de alto e baixo grau foram avaliadas separadamente, foi possível identificar subgrupos de tumores de acordo com o perfil de metilação do DNA.
Foi identificado, por exemplo, o subtipo G-CIMP (Glioma CpG Island Methylator Phenotype), termo cunhado por Noushmehr para descrever um fenótipo de hipermetilacão associado com melhor prognóstico em gliomas de alto grau.
Neste estudo mais recente, amostras de tumores de alto e baixo grau foram analisadas juntas.
“Geralmente, os pacientes com tumores de baixo grau apresentam mutação no gene IDH1 ou IDH2. Mas observamos que alguns tumores de baixo grau não tinham essa mutação e alguns de alto grau, tinham. Por isso resolvemos analisar tudo junto para avaliar se surgiria uma nova classificação mais acurada. De maneira geral, observamos que aqueles que apresentavam a mutação no IDH1 tinham um fenótipo de hipermetilação do DNA e um melhor prognóstico”, explicou Malta.
No final das análises, os tumores de pacientes com mutação no gene IDH1 e codelecão dos cromossomos 1p19q, antes considerados um grupo homogêneo, foram divididos em dois novos subgrupos: G-CIMP-low (com fenótipo de baixa metilação do DNA e menor sobrevida para os pacientes) e G-CIMP-high (hipermetilação e maior sobrevida para os pacientes) com evoluções clínicas diferentes.
Já no grupo de tumores de pacientes sem a mutação no gene IDH1, que segundo os critérios anteriores deveriam ser os casos mais agressivos, os pesquisadores identificaram um novo subgrupo de baixa agressividade, que apresenta semelhanças com outro tipo de tumor do sistema nervoso central conhecido como astrocitoma pilocítico, que normalmente tem bom prognóstico. E os pacientes com esse tipo de tumor parecido com o astrocitoma apresentavam sobrevida muito superior aos demais pacientes sem a mutação.
“Do ponto de vista histopatológico (o tecido do qual se origina) são tumores diferentes, mas, do ponto de vista molecular, são parecidos. Esse achado foi bem importante e ainda será melhor explorado em trabalhos futuros”, afirmou Malta.
Na avaliação de Noushmehr, os novos achados permitem estratificar melhor os pacientes com glioma, o que deve contribuir para melhorar os protocolos de tratamento.
“Permitem oferecer um tratamento mais agressivo apenas para pacientes que realmente necessitam. Alguns, atualmente, não respondem bem às drogas e isso talvez possa ser explicado por um desses fenótipos que estamos reportando, como por exemplo o G-CIMP-low. Essa informação também deverá ser útil para o desenvolvimento de novas drogas, apontando alvos terapêuticos para esses pacientes com pior evolução.”
Segundo Malta, a maior parte das pesquisas sobre câncer, até pouco tempo atrás, era focada na busca por mutações gênicas e alterações na sequência de DNA. Recentemente, porém, os cientistas começaram a observar também como o genoma é desregulado no câncer.
“Em alguns cânceres esse papel da regulação epigenética, principalmente a metilação do DNA, parece ter forte influência. Há evidências de que a epigenética pode estar envolvida na gênese do câncer, no seu desenvolvimento e agressividade. O que nós ainda não sabemos é o que é causa e o que é consequência”, disse Malta.
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