Quarta-feira | 24 de julho, 2019 | 12h10


PGR recorre contra suspensão de investigações que usaram dados fiscais e bancários sem autorização judicial. Para o órgão, decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, extrapolou o pedido na reclamação, além de tratar situações diversas como semelhantes.

Da Procuradoria-Geral da República (PGR)

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu nesta terça-feira (23) contra decisão judicial que suspendeu o andamento de todas as investigações em curso que tenham dados bancários ou fiscais repassados ao Ministério Público pelos órgãos de fiscalização e controle sem prévia autorização judicial. Tomada há uma semana pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, a decisão tem caráter liminar e foi dada em resposta a uma reclamação da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL/RJ), investigado no Rio de Janeiro. No recurso – um embargo de declaração – a procuradora-geral sustenta que a decisão apresenta obscuridades que devem ser sanadas pelo ministro, de forma que possa ser analisada a possibilidade de apresentação de recurso.

 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, durante evento promovido pela CGU sobre combate a Corrupção. Foto: José Cruz/Agência Brasil/Arquivo

 

Na petição, a procuradora-geral sustenta a existência de três obscuridades na decisão: o fato de ter implicado expansão indevida do objeto do recurso extraordinário, contrariado precedentes vinculantes do STF e ampliado o pedido para abranger situações diferentes em curso no território nacional aplicando dispositivos legais e precedentes da Suprema Corte que se dirigem a temática completamente diversa. A liminar considerou o Recurso Extraordinário 105, cuja origem são contribuintes de São Paulo multados pela Receita Federal em 2003. A tese originalmente discutida no recurso é se a Receita Federal pode enviar informações fiscais e bancárias ao Ministério Público sem autorização judicial.

Em relação à primeira obscuridade, Raquel Dodge frisou que o reclamante não questiona a possibilidade de o Conselho de Atividade Financeira (Coaf) emitir Relatório de Informações Financeiras (RIFs) ao Ministério Público do Rio de Janeiro sobre movimentação atípica e que, inclusive, admite a legalidade do procedimento regulado pela Lei 9.613/1998. A sua irresignação refere-se ao fato de o órgão ministerial ter solicitado “a ampliação das informações bancárias e fiscais para incluir um período de mais de dez anos, sem apontar indícios de movimentação atípica ou de crime”, o que configuraria burla à necessidade de se buscar as informações por decisão judicial. “A decisão embargada haveria de limitar-se a resolver a segunda situação, objeto do pedido do requerente em petição avulsa que aportou aos autos deste recurso extraordinário interposto pelo MPF para cuidar de outra matéria”, afirmou em um dos trechos do documento.

Sobre a segunda obscuridade, a PGR afirma que enquanto o objeto da decisão embargada é a transferência de dados fiscais bancários por órgãos de fiscalização e controle ao Ministério Público, Ações Diretas de Inconstitucionalidades usadas como paradigmas tratam do repasse de dados bancários por instituições financeiras à administração tributária sem prévia autorização judicial. “No acórdão paradigma, não se tratou em momento algum da transferência de dados fiscais e/ou bancários por órgãos de fiscalização e controle (como o Coaf e a Receita Federal) ao Ministério Público sem prévia autorização judicial, e muito menos das “balizas objetivas” para que tal transferência ocorra. Este não era o objeto das ADIs 2.386, 2.390 2.397 e 2.859”, sustentou. Na decisão, o ministro Dias Toffoli afirma que as transferências devem, entre outros aspectos, obedecer a balizas objetivas que se limitem à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados.

Ainda sobre este aspecto, Raquel Dodge lembra que, para funcionar, a engrenagem antilavagem existente no país depende diretamente da possibilidade de o Coaf enviar ao Ministério Público os dados financeiros que possam demonstrar a existência de indícios do crime e possibilitar a atuação do órgão na investigação e persecução do ilícito.“Menos do que isso levará à inefetividade dessa engrenagem e, assim, ao enfraquecimento do combate à lavagem de capitais”, completa, lembrando que o envio de “informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados não é suficiente” para o propósito. A PGR cita ainda o fato de a questão envolvendo a Receita Federal – tema no Recurso Extraordinário – ter como base legal a Lei Complementar 105/2001, e a referente ao Coaf ser disciplinada pela Lei 9.613/1998.

A terceira obscuridade trata do fato de a decisão alcançar todos os processos judiciais e extrajudiciais em andamento atingindo pessoas presas por ordem judicial cautelar ou em execução de sentença. Conforme assinalou a PGR, a ordem dada com base no poder geral de cautela gera obscuridade uma vez que aplica a repercussão geral prevista no artigo 1.035 do Código de Processo Civil a inquéritos policiais e procedimentos investigatórios criminais, possibilidade já afastada pelo Plenário do STF.

No documento, Raquel Dodge também demonstra preocupação com as consequências da decisão para a imagem no Brasil no cenário internacional. Citando o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), ela destaca a importância de o país estar adimplente com as recomendações do órgão, evitando que o país possa ser visto como “paraíso fiscal não cooperativo na repressão da lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo” ou por tolerar essas práticas. “O eventual descumprimento de diretrizes do Gafi pode comprometer tanto a reputação internacional do Brasil quanto a sua atuação nos principais mercados financeiros internacionais”, pontou a PGR.

Raquel Dodge recorre e diz que decisão de Toffoli compromete reputação internacional do Brasil

Publicado em 24 de jul de 2019

André Luiz Mendonça da AGU: "Retomar dinheiro de corrupto funciona mais que prisão". Foto: Divulgação/TV Brasil

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