Quarta-feira, 8 de junho de 2016, às 15h55
A aldeia A’Ukre, uma das 19 existentes no território indígena caiapó, localizado no sul do Pará, foi escolhida como uma espécie de laboratório socioambiental para um estudo sobre o uso coletivo da terra e o manejo dos recursos naturais na Floresta Amazônica.
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
A pesquisa, intitulada “Governance of land-use change: a collaboration to understand the impacts of institutional arrangements on Amazonian forest resource use” e coordenada no Brasil por Patricia Fernanda do Pinho, tem apoio da FAPESP e da University of Michigan, Estados Unidos.
“Decidimos estudar o território indígena caiapó porque ele é uma vasta ilha de floresta preservada em meio a um mar de paisagens degradadas, sofrendo enorme pressão da pecuária extensiva, da exploração madeireira, da mineração e da crescente expansão da agricultura da soja”, disse Pinho.
“Nosso objetivo foi entender como essa comunidade indígena orgulhosa e aguerrida consegue proteger seus recursos naturais ameaçados, promovendo a sustentabilidade e a manutenção de biodiversidade e contribuindo para a mitigação das adversidades climáticas”, acrescentou.
Professora visitante no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), Pinho é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos e doutorada em Ecologia Humana pela University of Califórnia-Davis.
O projeto de pesquisa faz parte da plataforma internacional da International Forestry Resources and Institutions (IFRI), rede de 14 centros coordenada pela University of Michigan, dedicada ao estudo da governança de recursos de uso comum, como florestas e áreas pesqueiras.
“A finalidade da IFRI é capacitar os usuários desses recursos e os agentes do poder público a definir e implementar políticas baseadas em evidências. A ideia foi aplicar o protocolo de pesquisa desenvolvido pela rede na aldeia A’Ukre e, com base nele, promover um levantamento que, até então, era inédito nas comunidades indígenas existentes no Brasil, considerando variáveis ecológicas, econômicas e sociais, e comparando os dados locais com a escala global definida a partir dos dados colhidos em outros países”, explicou Pinho.
Antes de a pesquisa ter início, a comunidade indígena e as organizações não governamentais que trabalham com os caiapós foram consultadas, para saber se tinham interesse e aprovavam o estudo.
“Conseguimos a aceitação da comunidade indígena e iniciamos a implementação do protocolo da IFRI sobre as estratégias locais de manejo dos recursos. Os resultados foram sintetizados no artigo “Characterizing sustainable community-based forest management: the case of the Kayapó indigenous people in Brazilian Amazonia”, que será publicado em breve por revista especializada”, informou a pesquisadora.
“Um dos resultados relevantes foi a promoção de um curso de capacitação para moradores da aldeia A’Ukre, de modo que eles mesmos possam fazer a coleta dos dados científicos que os ajudem a controlar e manejar os recursos disponíveis em seu território”, disse.
“São dados como os diâmetros das árvores, as alterações observadas na estrutura das folhas e na qualidade dos frutos, a quantidade de castanhas produzida por cada árvore, a abundância de espécies de pássaros que atuam como dispersores de sementes, os preços de venda da produção para os atravessadores que as revendem ao mercado externo. Isso tudo com avaliações sazonais, considerando as quatro estações da região amazônica: enchente, cheia, vazante e seca. Outros dados importantes a serem monitorados são variáveis hidrológicas, como o volume do rio, que constitui o único meio viável para o escoamento da produção e tem sido ao longo dos últimos anos afetado pelas mudanças climáticas na região”, detalhou a pesquisadora.
Invasões frequentes
Os caiapós já há alguns anos concentram esforços na exploração da castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), buscando beneficiar-se também de outros produtos da biodiversidade da região, como a semente da árvore cumaru (Dipteryx odorata), valorizada por seu aroma, sabor e propriedades medicinais.
A extensão territorial do território caiapó –1,1 milhão de hectares – constitui um grande trunfo para os indígenas, pela abundância de recursos naturais disponíveis. Mas também um grande desafio, devido à dificuldade de controle. De fato, nessa escala, só é possível detectar invasões por meio de monitoramento aéreo ou por satélite. E as invasões são frequentes.
“Porém, a despeito de estarem cercados por latifúndios voltados para a exploração econômica imediatista e predatória e sujeitos a vários tipos de violência, os caiapós têm conseguido manter sua autonomia perante todos esses desafios”, enfatizou Pinho.
A população é constituída por aproximadamente 7 mil pessoas, distribuídas em aldeias com 200 a 500 habitantes, situadas ao longo dos principais rios que cortam o território.
As aldeias são tão espaçadas que o deslocamento de uma a outra demanda às vezes vários dias de viagem. Isso cria uma grande descentralização decisória, fazendo com que cada aldeia goze de ampla autonomia. Por outro lado, reforça os vínculos existentes entre os moradores de cada aldeia.
O acesso difícil e perigoso conta pontos a favor da preservação da área. Bem como a fama de valentia dos caiapós, que várias vezes se mostraram implacáveis com os intrusos que ousaram invadir suas terras.
“Também de grande importância é o fato de que o retorno econômico proporcionado pelos manejos tradicionais não constitui sua prioridade. Mas, sim, o que poderíamos definir como ‘bem-estar socioambiental’. É importante destacar esses elementos para que sirvam de lição a outros grupos, não só indígenas, que dependem do gerenciamento de áreas protegidas”, concluiu Pinho.
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