Sexta-feira, 30 de novembro de 2018, às 13h08
Os resultados das eleições brasileiras de 2018 mostraram mais uma vez a importância da segurança pública e da violência como fatores de peso na plataforma de candidatos e na decisão dos eleitores. Segundo o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP e sediado na Universidade de São Paulo (USP) –, a violência foi um dos temas centrais das eleições e figura entre os principais problemas identificados pelos brasileiros.
Heitor Shimizu, de Nova York | Agência FAPESP
O Brasil é um dos 10 países com maiores índices de homicídios. Foram registrados 63.895 homicídios no Brasil em 2017. Os altos índices de violência representam um fenômeno que afeta intensamente o cotidiano da população. Dados de pesquisa feita pelo NEV indicam que, em São Paulo, 75% das pessoas dizem se sentir muito preocupadas em ser vítima de um assalto na rua e 80%, muito preocupadas em ter um parente próximo assassinado.
De acordo com o NEV, a falência das instituições de aplicação de lei e ordem – e a percepção de que o Estado tem falhado em prover segurança – é um diagnóstico comum aos mais diversos setores sociais.
Violência, direitos humanos, a confiança em instituições e os desafios de “construir diariamente uma democracia” foram temas da apresentação de Sergio Adorno, coordenador do NEV, na FAPESP Week New York, que se realiza de 26 a 28 de novembro no Graduate Center da City University of New York (CUNY).
Adorno falou sobre a atuação do NEV, cujos pesquisadores investigam as “maneiras pelas quais leis, regras e procedimentos são implementados ao longo do tempo e como isso define a legitimidade das instituições-chave, principalmente a polícia e o poder judiciário, que previnem a violência e garantem a democracia”.
“O programa de pesquisa atual do NEV centra-se nas maneiras em que leis, regras e procedimentos são implementados com o tempo e como isso define a legitimidade das instituições. O propósito é analisar como essa legitimidade é construída diariamente em instituições-chave e como ela é prejudicada, ao explorar os contatos entre cidadãos e servidores públicos e suas implicações para a democracia, os direitos humanos e a violência”, disse Adorno, professor titular em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
“O objetivo é estudar como leis, regras e procedimentos são aplicados todos os dias por servidores públicos em órgãos dos governos locais, ou seja, a importância da atuação das instituições, buscando relações sobre como elas podem afetar as confianças social e institucional, bem como a conformidade com a lei ou a vontade de obedecer às leis”, disse à Agência FAPESP.
Adorno explicou que o NEV conduziu pesquisas inicialmente com foco em três públicos com perspectivas distintas: comunidade, servidores públicos e jovens. Para compreender a perspectiva de cidadãos e adolescentes, foram realizados painéis longitudinais.
“As razões para isso são duas: primeiro, para estabelecer a causalidade; segundo, porque as mudanças sociais ocorrem muito rapidamente e, por conta disso, um estudo longitudinal com múltiplos pontos de contato é necessário. Para compreender a perspectiva dos servidores públicos, temos feito pesquisas e entrevistas”, disse.
Segundo Adorno, a ideia é analisar como a legitimidade dessas instituições é construída ou dilapidada todos os dias, ao explorar as relações estabelecidas entre os cidadãos e os servidores públicos, bem como suas implicações no respeito aos direitos humanos e na violência.
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Novos desafios em pesquisa
O NEV reúne um grupo interdisciplinar de pesquisadores e docentes que desenvolvem trabalhos e reflexões sobre as diversas violações de direitos humanos no Brasil. Desde 1987, desenvolve pesquisas e forma pesquisadores por meio de uma abordagem interdisciplinar na discussão de temas relacionados à violência, democracia e direitos humanos. As principais questões que têm norteado as pesquisas desenvolvidas no NEV envolvem a complexa relação entre a persistência da violência e de violações dos direitos humanos em meio à consolidação democrática brasileira.
A partir de 2000, o NEV passou a ser um integrante do programa CEPID da FAPESP. A proposta inicial do primeiro CEPID foi estruturada em cinco linhas de pesquisas: 1) Monitoramento das Graves Violações de Direitos Humanos; 2) Construção das Políticas de Segurança Pública; 3) Estudo da Impunidade Penal; 4) Representações sobre Direitos Humanos, Justiça e Punição e 5) Teoria Integrada dos Direitos Humanos. Este projeto foi renovado cerca de cinco anos depois com duas linhas de pesquisa: 1) Monitoramento das Graves Violações de Direitos Humanos e 2) Democracia, Estado de Direito e Direitos Humanos.
Segundo Adorno, o financiamento da FAPESP foi fundamental para a institucionalização do centro, ao garantir a estabilidade e a possibilidade de desenvolvimento de pesquisa multidisciplinar de longo prazo. Com o apoio da FAPESP, foi também possível investir em educação, transferência e difusão de conhecimento para um público não acadêmico, em projetos como a Rede de Observatórios de Direitos Humanos, o site Guia de Direitos e o projeto Promovendo o Direito ao Desenvolvimento Saudável de Adolescentes Grávidas e seus filhos.
Na FAPESP Week, Adorno falou também sobre as novas questões abordadas pelas pesquisas feitas no NEV.
“Um dos temas é a questão das representações sociais e dos discursos sobre políticas de segurança, violência, direitos humanos e democracia. O objetivo é analisar o impacto das políticas de segurança nas percepções e nos discursos dos operadores públicos e da população em uma perspectiva histórica”, disse.
“Outra questão se refere a cidades, crimes organizados e prisões. Pesquisamos sobre a experiência brasileira no controle da criminalidade e a organização dos espaços prisionais nas últimas décadas”, disse Adorno.
“Uma terceira questão envolve opinião pública, cultura política democrática e legitimidade. Nessa linha, investigamos relações entre opinião pública e legitimidade, com foco nos mecanismos de formação da opinião pública em meio a tecnologias digitais e mídias sociais”, disse.
Temas tão complexos exigem a contribuição de várias disciplinas. Por isso, o NEV conta com a colaboração de pesquisadores com formação em diversas áreas do conhecimento (sociologia, psicologia, ciência política, direito, antropologia, estatística, história, saúde pública, entre outras), além de apostar em uma gama variada de métodos de pesquisa, o que inclui análise documental, pesquisas de opinião, entrevistas, observações e georreferenciamento.
Educação e colaborações internacionais
O NEV tem desenvolvido uma das iniciativas mais inovadoras na área de educação, o Projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas (PODHE). Trata-se de um projeto de intervenção e pesquisa que trabalha com metodologias de educação informal em duas escolas públicas do ensino básico da periferia de São Paulo.
“O objetivo principal é desenvolver atividades de sensibilização e de formação para o conhecimento de alunos, professores e de outros profissionais da escola sobre o papel dos direitos humanos em seu cotidiano. Apesar do curto período de tempo da implementação do projeto piloto [durante o ano de 2017], os atores escolares, como professores, já identificaram mudanças nos comportamentos cotidianos dos alunos, com sentimentos mais fortes de pertencimento, colaboração e engajamento. Pretendemos ampliar esta iniciativa para mais escolas”, disse Adorno à Agência FAPESP.
Outro ponto importante na atuação do NEV é a internacionalização das pesquisas feitas no centro. “Nossa estratégia para estabelecer parcerias internacionais inclui convidar pesquisadores que trabalham com assuntos semelhantes para visitar o NEV e passar curtos períodos de trabalho colaborativo intensivo. Durante a estadia, os parceiros têm a oportunidade de conhecer a nossa equipe e o nosso trabalho e de participar ativamente nos processos de desenvolvimento dos instrumentos de pesquisa, discutindo modelos analíticos e resultados”, disse Adorno.
Essas experiências de cooperação resultaram em publicações, na participação em eventos e em projetos colaborativos. Ajudaram também a criar uma rede de pesquisadores com instituições no exterior, como a London School of Economics, a University of Cambridge e a University of Indianapolis.
“Recentemente, por meio de uma dessas parcerias, participamos do desenvolvimento de uma proposta submetida em uma chamada do European Social Research Council sobre ‘Confiança, eficácia coletiva e controle social em espaços urbanos’. Trata-se de uma pesquisa comparativa com seis cidades em quatro continentes [Europa, América, África e Ásia], na qual adotamos um desenho da pesquisa inspirada no trabalho feito no NEV, com um painel longitudinal e comparação entre diferentes bairros em cidades”, disse Adorno.
Conheça as pesquisas do Núcleo de Estudos da Violência em http://nevusp.org.
Saiba mais sobre a FAPESP Week New York em: www.fapesp.br/week2018/newyork.
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