Domingo | 26 de fevereiro, 2023

Manuscrito de 1730, descoberto em 2017 no Rio Grande do Sul, que teve seu conteúdo revelado no dia 28 de janeiro de 2023, desperta o interesse de pesquisadores e estudiosos de História, assim como a curiosidade de todos sobre as Reduções jesuíticas que existiram entre o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.


Logo no início da página 287 do Manuscrito descoberto pelo professor da Escola de Humanidades, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Édison Hüttner, está registrada a presença de Buenaventura Suáres e seu estudo de astronomia. Há duas datas que indicam seu nascimento. Uma em 3 de setembro de 1678 e outra no dia 14 de julho de 1679, na cidade de Santa Fé da Vera Cruz – hoje Santa Fé, Argentina. Há muito para conhecer deste rico personagem e o artigo publicado na revista Visione LatinoAmericane da Università Degli Studi Di Trieste – Itália, pelos pesquisadores Eder Abreu Hüttner, Fernanda Lima Andrade e Rogerio Mongelos, liderados pelo professor Édison Hüttner pode ser lido em português.

Trajetória

Em 1695, Buenaventura Suárez iniciou sua jornada de estudos no colégio dos jesuítas em Santa Fé. No período de 1698 até 1699 fez noviciado em Córdoba, onde estudou humanidades e gramática na Universidad de Córdoba, fundada pelos jesuítas em 1613. “Em 1700 Buenaventura Suárez inicia sua missão nas Reduções (…) Nos ‘Informes de uma Carta Anua de 1750’ aparece uma referência do óbito (…),” expõe o artigo que demonstra ser ele “o primeiro astrônomo americano”. “A gênese e construção da astronomia de Buenaventura Suárez não acontece no âmbito universitário de seu tempo, mas na Redução de São Cosme e São Damião.” De acordo com a publicação científica, nessa Redução ele manteve correspondência com astrônomos europeus.

Relógio solar

“O relógio solar da Redução de São Cosme e São Damião é uma peça importante, memória e elo com o observatório astronômico de Buenaventura Suárez. Na antiga Redução de São Miguel Arcanjo no sul do Brasil, existe outro relógio solar de pedra de arenito, ao que tudo indica, esculpido pelas suas próprias mãos, quando ali pernoitou, observando os céus do alto da torre da Redução.” O trecho demonstra o esforço do jesuíta, que realizou algo ainda mais improvável: “fez suas previsões contando com ajuda dos índios e materiais locais para confeccionar um telescópio”.

 

A Figura 13 que consta no artigo científico, mostra um mapa elaborado com base nos estudos de Buenaventura Suárez, onde é possível ver as marcações com cruzes das respectivas missões ao longo dos cursos d’água. Descriptio chorographica oppidorum triginta a pp. missionarijs soc. Jesu in provincia paraguarie. Fonte: G. Furlong, Cartografía jesuítica del Rio de la Plata, Talleres S.A, Casa Jacobo Peuser, Buenos Aires, 1936, p.41.

 

Cartografia e astronomia

“Os manuscritos jesuítas são raros e preciosos, de grande relevância para a história,” destacam os pesquisadores. De acordo com eles, na parte específica dos estudos de astronomia de Buenaventura Suárez (Lunário), existe um estudo importante, a tábua da Altura de varios Polos en diversidade de lugares, pp.338-339. “O estudo apresenta as observações das altitudes e longitudes das trinta Reduções, de países e cidades da América e Europa.” No Manuscrito, pp.338-339, existe uma tábua com o desenho e simbolos de planetas e signos dos zodíacos, mostrando os dias que os signos entram em seus planetas

 

Figuras 16 e 17. As figuras 16 e 17 mostram claramente o conhecimento dos planetas e dos signos do zódiaco: graças a Suárez que repassava seus estudos às trinta missões, o conhecimento de astrologia era compartilhado com todos que sabiam seus respectivos signos zodiacais. Manuscrito, p. 38. Foto: E. Hüttner.

 

Signos

Através de Suárez, a astronomia e os 12 signos do zodíaco chegaram às escolas das Reduções para fazer parte do conhecimento e do cotidiano de todos. Portanto, os nativos sabiam seus signos já no século XVIII. “Ao mesmo tempo, os índios carregavam consigo experiências milenares de sua cosmologia, a partir de outros ângulos de percepção, das configurações de signos que representavam suas tradições e mitos.” Outro trecho do estudo demonstra que em 1612 o frey Claude D’Abbeville estudou a astronomia dos índios tupinambás do Maranhão, e constatou a existência de uma constelação denominada de Ema, semelhante a astronomia dos índios guaranis do Sul do Brasil. “Na segunda quinzena de junho, quando a Ema (Guyrá Nhandu, em guarani) surge totalmente ao anoitecer […] indica o início do Inverno, […] localiza-se numa região do céu limitada pelo Cruzeiro do Sul e Escorpião”, apresentaram os pesquisadores em artigo.

 

Figura 18. As Reduções tiveram a influência das experiências de visão de mundo dos jesuítas e dos nativos amplamente valorizadas no cotidiano. A astronomia missioneira revela outros ângulos das constelações da Ema e do Escorpião, e de outros signos partilhados. As constelações de Ema e greco-romanas desenhadas por Afonso Bruno mostram o céu estrelado e delineado por experiências com a visão de mundo partilhadas (Figuras 18 e 19).

 

Figura 19. As Reduções tiveram a influência das experiências de visão de mundo dos jesuítas e dos nativos amplamente valorizadas no cotidiano. A astronomia missioneira revela outros ângulos das constelações da Ema e do Escorpião, e de outros signos partilhados. As constelações de Ema e greco-romanas desenhadas por Afonso Bruno mostram o céu estrelado e delineado por experiências com a visão de mundo partilhadas (Figuras 18 e 19).

 


Fontes, citações e autores:
As devidas fontes, citações e autores mencionados nesta reportagem encontram-se no artigo científico “Manuscrito jesuíta do século XVIII descoberto no Brasil. Estudos de astronomia de Buenaventura Suárez” que pode ser lido clicando no link.


Saiba mais sobre a descoberta feita no sul do Brasil com destaque internacional:

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