O Dojô, desde cedo aprende-se a respeitar sua essência.
O Dojô é mais do que um local onde se treinam as artes marciais, ele representa algo sagrado para os fundadores e praticantes. Por isso, para entender melhor o que significa a criação de um espaço tão importante, vamos voltar um pouco ao passado e relembrar a história.
por Gerson Soares*
Quando se trata de um dojô temos que fazer uma pequena incursão histórica, a fim de localizarmos as origens deste termo e ao contemplarmos suas definições entender que seu significado transcende as próprias palavras que o designam, seja em japonês (do = caminho, no sentido espiritual e jo = lugar, espaço físico), chinês, coreano, tailandês, indiano ou no idioma de países menos conhecidos – como Cazaquistão e Mongólia, por exemplo – mas que também praticam as artes marciais vetustas ou antiquíssimas, cuja origem se encontra no ataque e defesa das tropas, seja dos exércitos do Extremo Oriente ou um pouco mais para o Ocidente nas legiões e falanges greco-romanas.
Já foi possível perceber que o assunto é extenso, por isso, neste artigo, vamos ficar restritos aos termos usados pelos japoneses dojô e Jiu Jitsu, que significa arte suave. Esse termo deriva de Jujutsu (também Jujitsu) ou técnica suave, que por sua vez é uma das artes de guerra do Bujutsu (bu = composto de raízes e jutsu = ciência, ofício ou arte), um conjunto de disciplinas marciais onde vamos encontrar várias vertentes. Podemos conhecer também o Budô e os bushis que já o praticavam por volta do ano 1100. Enquanto o Bujutsu está ligado à ciência da guerra, o Budô é traduzido como o caminho marcial e os bushis eram os únicos que podiam trilhar essas veredas. Historicamente eles ficaram conhecidos como Samurais e suas vidas extremamente rígidas se baseavam no Bushidô – caminho do guerreiro.
A partir do século XVII, o bujutsu perde sua importância ao mesmo tempo em que esses guerreiros vão desaparecendo; assim como as guerras tradicionais. Essas técnicas e estratégias de batalha utilizavam formações especiais, onde as armas mais comuns eram os arcos e flechas, lanças, alabardas e as espadas. Em conjunto com os sabres que em japonês chamam-se katanas – espada longa –, os samurais ostentavam as wakizashi – espadas curtas –, além das pesadas armaduras e máscaras assustadoras para proteger e camuflar suas faces. Essa admirada elite de comando deixou sua marca indelével na história do Japão. Com o fim do Xogunato, a chegada da Era Meiji e a aproximação com o Ocidente, houve a propagação das armas de fogo que passaram a ser usadas pelo exército japonês.
Apesar disso, as raízes profundas e a ligação com os samurais, xoguns – senhores feudais que existiram até o século XIX no Japão –, daymios e os clãs, fizeram com que o patrimônio marcial não se perdesse. Os nipônicos mudaram os objetivos e criaram novas finalidades para as artes marciais de guerra, transformando-as em instrumentos de formação do caráter e educacionais, deixando para a história contar e deixar registrado seu objetivo de eficiência letal.
Com essas mudanças, a sociedade japonesa como um todo poderia participar dos treinamentos e conhecer as técnicas de culto ao corpo saudável, assim como a mente e o espírito, na busca do autodesenvolvimento. A partir de então as ciências e os caminhos marciais deixam de ser exclusividade dos guerreiros samurais, o Budô assume um grau de importância muito mais extensivo na educação e surgem diversas artes marciais que começam a ser praticadas em determinados locais, os dojôs.
Os mestres Gigoro Kano e Morihei Ueshiba
Sobre essa metamorfose há uma leitura muito especial e um conhecimento que pode ser absorvido depois de ler e estudar 1.800 páginas. O livro “Musashi” de Eiji Yoshikawa é uma obra dividida em sete livros: A Terra, A Água, O Fogo, O Vento, O Céu, As Duas Forças e A Harmonia Final. Ela conta a transformação daquele que ficaria conhecido para sempre como o maior samurai e espadachim do Japão, que viveu entre 1584 e 1645, criador do estilo Niten ichi, que utiliza duas espadas. Segundo o livro, Musashi precisou usar a segunda espada numa das situações desesperadoras em que se encontrou e disso nasceu seu estilo. Essa é a obra literária mais famosa do Japão, com 120 milhões de exemplares vendidos, além de 15 versões cinematográficas e televisivas. Seus principais personagens inspiram gerações de japoneses como um guia da arte de viver.
O Jiu Jitsu, derivado do Bujutsu é uma arte marcial que basicamente passava a ser aplicada durante as batalhas quando em consequência dos combates os samurais perdiam suas armas, ou seja, ficavam de mãos vazias e precisavam se defender dos adversários durante os conflitos. No entanto, é preciso voltar ao início deste artigo e lembrar que essa arte era muito diferente da que conhecemos hoje. E assim, depois desta brevíssima viagem histórica, desembarcamos novamente entre o final do século XIX e início do século XX, quando já aparecem habilidosos praticantes do Jiu Jitsu moderno.
Pela extensão do assunto, mais uma vez somos obrigados a restringir esta síntese, por isso vamos falar apenas de dois deles, fazendo menção àquilo que criaram com suas habilidades: Jigoro Kano e Morihei Ueshiba, respectivamente criadores do Judô (caminho suave) e Aikido (caminho da armonização do ki ou unificação com a energia da vida). Por volta de 1882, Kano percebeu que poderia criar uma arte marcial com fortalecimento dos princípios filosóficos e pedagógicos e a buscou na essência do Jujutsu. Alcançando seu objetivo, levou o império japonês a introduzi-la nas escolas como disciplina regular e conseguiu elevar o Judô à categoria de esporte olímpico. Ueshiba, por sua vez, criou uma nova vertente, aproximadamente a partir dos seus treinamentos na ilha de Hokkaido em 1915. Nos anos 1920 continua seus estudos e cria um compêndio de técnicas marciais, filosofia e crenças religiosas, mas baseou-se principalmente na escola vetusta do estilo daito-ryu aiki-jujutsu, incorporando também o kenjutsu (técnica da espada) e o jojutsu (técnica do bastão curto) à sua arte que conhecemos como Aikido. As artes de ambos grandes mestres, atualmente são praticadas em dojôs de todo o mundo.
Além de evoluir na direção de modalidades menos antigas, o Jiu Jitsu, recebeu contribuição do Karate-do (caminho das mãos vazias) no começo do século XX, quando mestres de Jiu Jitsu passaram a praticar e estudar profundamente a arte do Karate-do, concebido na ilha de Okinawa no Japão. Dentre os grandes mestres nas duas modalidades figuram “Yasuhiro Konishi e Hironori Otsuka, que criaram respectivamente dois estilos de Karate, Shindo jinen ryu e Wado-ryu, que mesclam aspectos de ambas as artes. Não se pode olvidar ainda que o mestre Gichin Funakoshi, maior divulgador do Karate-do no Japão, ensinou seu estilo no centro Kodokan e, eventualmente, estudou com Jigoro Kano, adaptando algumas técnicas de nage waza” – que significa arremesso e/ou projeção do adversário.
Por tudo o que foi dito e por aquilo que se possa imaginar sobre as tradições das artes marciais é que o dojô deve ser considerado um local sagrado, onde ao adentrar se deixa do lado de fora as outras questões e toma-se o aprendizado e aperfeiçoamento das artes marciais como o motivo mais importante da visita e permanência nesse espaço. Muitas vezes, o dojô é confundido com as lutas propriamente ditas, praticadas no seu interior, mas são coisas diferentes, sendo dojô o lugar onde se pratica o “caminho de uma arte marcial”.
*Gerson Soares é jornalista e escritor – com livros selecionados pela Biblioteca Mário de Andrade (Sala São Paulo, destinada às obras raras sobre a cidade) e acervo da Biblioteca da Câmara Municipal de São Paulo.
Este estudo foi escrito e publicado originalmente em 13 de julho, 2016 (quarta-feira, às 20h12) – atualizações em 04/02/2019, 19/09/19, 24/12/22 e 20/01/2024.