Rosana Valle — Deputada federal pelo PL-SP, em segundo mandato; presidente da Executiva Estadual do PL Mulher de São Paulo; jornalista por formação há mais de 25 anos; e autora dos livros “Rota do Sol 1 e 2”.


Muito antes da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL), decretada na segunda-feira (4/8), medidas cautelares já vinham lhe sendo impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) fora de qualquer previsão legal. O ex-presidente da República foi proibido de utilizar redes sociais, de conceder entrevistas e até de falar com os próprios filhos — restrições, diga-se de passagem, inexistentes no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP). Tal norma prevê medidas cautelares diversas, mas jamais uma mordaça política ou social.


A prisão domiciliar foi apenas o ápice deste estado de exceção. E ela não é proveniente de um fato novo, mas da mesma lógica de intimidação que já vinha se consolidando desde 8 de janeiro de 2023. Documentos revelados nos chamados “Arquivos do 8 de Janeiro” mostram que o STF, sob comando direto do ministro Alexandre de Moraes, montou uma espécie de “força-tarefa secreta” para prender em massa cidadãos que protestavam contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Um grupo de WhatsApp, nomeado “Audiências de Custódia”, decidia prisões com base em anotações derivadas de varreduras em redes sociais. Um simples meme, uma crítica ao PT ou uma postagem com zero seguidores poderiam bastar para transformar brasileiros comuns em “terroristas”.

Esta engrenagem violou e continua violando princípios elementares do Estado de Direito. Prisões preventivas foram mantidas por meses sem provas individualizadas e sem respeito ao contraditório, enquanto a liberdade era decidida segundo alinhamento ideológico, e não por atos concretos.

Crianças, idosos e até pessoas em situação de rua foram incluídas em acusações coletivas de “Tentativa de Golpe de Estado”. Ao todo, 1.929 cidadãos brasileiros foram detidos em acampamentos pacíficos e 243 dentro de prédios públicos. Muitos, vale lembrar, acabaram condenados a penas tão severas quanto a punições aplicadas a criminosos violentos e que balizam o tráfico internacional de entorpecentes.

Agora, quando novos vazamentos expõem as ilegalidades dessa “força-tarefa” – desde infiltrações da Alta Corte em grupos privados, passando pelo uso indevido de dados biométricos e de “certidões secretas” – o Brasil assiste a mais uma retaliação a Bolsonaro. É a velha cortina de fumaça de um governo que vive da perseguição para desviar o foco de sua total incompetência.

Até porque, não podemos nos esquecer da lambança na tentativa de taxação do Pix, nem da fraude escandalosa do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), e tão pouco da insensibilidade dos Ministérios da Fazenda, das Relações Exteriores, e do Planejamento lidando de pauta comercial com os Estados Unidos.

Escrevo estas linhas não apenas como deputada federal em segundo mandato, em Brasília-DF, mas como jornalista de formação e que dedicou décadas a contar histórias com honestidade.

Sou defensora do equilíbrio: da perseguição à verdade, não às pessoas! É este idealismo que me levou à profissão e que, hoje, me angustia ao assistir o avanço no Brasil de um autoritarismo travestido de Justiça. Penso que o tempo será implacável com os que se omitirem diante de um País que se perde.

O que está em jogo não é apenas o destino de um ex-presidente. É o direito de qualquer cidadão à liberdade, à defesa e à opinião. Quando a toga se transforma em ferramenta de intimidação, quando medidas inexistentes na lei viram rotina, a Democracia já está ferida, agoniza. Hoje, Bolsonaro é a face mais visível dessa caça a céu aberto. Amanhã, qualquer um de nós pode ser o alvo.


Destaque – Imagem: aloart / G. I.


Leia outras matérias desta editoria

Histórias de uma famosa chácara do Tatuapé

Armando Francisco Marengo – Atualmente é um admirador das belas artes e da cultura e escreve crônicas para o portal Alô Tatuapé. Aos 92 anos, emite opiniões sobre arte e cultura com a experiência de quem viveu momentos memoráveis da literatura, do teatro e...

A inovação como elo entre o conhecimento e a prosperidade

Arnaldo Jardim — Deputado federal (Cidadania-SP) pelo quinto mandato; membro das Comissões de Transição Energética e Produção de Hidrogênio Verde, e de Minas e Energia; graduado em Engenharia Civil, pela USP; foi secretário de Estado da Agricultura do...

COP 30 – Entre o global e o local: o desafio de transformar o debate climático em prática nas escolas

Maria Malerba — Pedagoga e educadora. Em tempos de COP 30, educadores defendem uma abordagem mais consciente e prática para fortalecer o compromisso com o planeta, avalia pedagoga. Em meio às expectativas para a COP 30, conferência da ONU sobre...

Prejuízo dos Correios preocupa e empréstimo de 20 bi pode aumentar a crise fiscal

Diante de um prejuízo de R$ 4,3 bilhões já no primeiro semestre deste ano, segundo balanço divulgado pela própria empresa em setembro, os Correios pedem socorro, mas a ajuda está difícil. O primeiro trimestre de 2025 fechou com prejuízo de R$ 1,7 bilhão e...

A logística reversa como chave no combate à crise das bebidas falsificadas

José Valverde Machado Filho — Professor-mestre em Direito Ambiental Internacional; especialista em Direito Ambiental, Gestão Ambiental, e em Segurança Alimentar e Nutricional; é diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Federação de Hotéis,...

Condomínios: como fazer uma previsão orçamentária sem erro e facilitar a aprovação em assembleia

Rosely Schwartz — Administradora especialista em condomínios, contabilista, autora do livro Revolucionando o Condomínio – 16a ed. (Ed. Benvirá). Autora e docente dos cursos de Administração de Condomínios e Síndico Profissional na FECAP com transmissão ao...

Sarcopenia: quando a perda de força e massa muscular são sinais de alerta

Dra. Beatriz Vieira — Coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas Alfragide e Hospital Lusíadas Amadora – Portugal. Leia outras matérias desta...