Nossa homenagem aos caiçaras de Ubatuba e de todo o litoral brasileiro

Em fevereiro de 1995, há três décadas, as reportagens dos então tabloides, Alô Mooca e Alô Tatuapé, divulgavam a cultura caiçara, conhecendo esse modo de vida peculiar. A fusão desses dois veículos de comunicação originou este portal de notícias.


Esse conhecimento foi sendo aprofundado e acompanhamos a evolução da cidade. Nessa época, ainda havia pouquíssimos recursos, a maioria das ruas era de terra no Perequê-Açu, mais ao norte; a Praia Vermelha – citada em uma das nossas reportagens atuais – possuía dunas de areia cercadas de jundu e outras plantas naturais do lugar. Não havia cercas, e apenas raras casas serviam de referência do outro lado da Rodovia Rio-Santos, oposto à praia.

 

Praia Vermelha do Norte em dia de calmaria: Foto: aloimage / arquivo

 

Praia da Barra Seca

Vindo do centro de Ubatuba, depois de passar pelo trevo do Perequê-Açu, logo avista-se a entrada da Praia da Barra Seca. Há 30 anos, basicamente uma vila de pescadores.

Se o motorista contornasse esse trevo, poderia seguir pela então Estrada da Casanga – hoje Rua Manoel Soares da Silva – e estaria na Rota do Artesanato, uma atividade tipicamente caiçara, assim como a pesca, a confecção de canoas e remos especialmente desenhados para singrar as ondas. Alguns artesãos ainda mantêm essa tradição e suas obras podem ser encontradas nas lojas do centro da cidade.

Mas não era qualquer um que sabia fazer canoas ou remos. Os pescadores, como Sebastião Batista Teixeira Leite, o “Tião”, tinham suas preferências, pois aqueles eram seus mais preciosos instrumentos de trabalho.

 

Na contracapa do mesmo jornal, vemos a Praia da Almada. Sebastião Batista, o Tião aparece de costa nesta imagem. Reprodução: aloart

 

Pertencendo a uma família tradicionalmente de pescadores, morador da Barra Seca, Tião vinha da praia – suas canoas ficavam no rancho na praia -, com a pesca do dia. Depois de fazer algumas entregas de encomendas, chegava em casa pela rua de terra batida e ainda trazia vários peixes pendurados no remo que carregava no ombro.

Em poucos minutos, vendia todo o restante e o que sobrava era para consumo próprio. Outra parte era servida aos campistas que ocupavam parte do seu sítio. Esta história é muito mais longa e, por enquanto, ficamos por aqui. Conhecer o Tião e sua grande família é um dos episódios mais importantes para o nosso conhecimento sobre a verdadeira vida e a atividade caiçara.

 

Aspecto da Praia da Barra Seca, ao norte de Ubatuba. Foto: aloimage / arquivo

 

Praia do Almada

Nessa visita dos jornais Alô Mooca e Alô Tatuapé, cuja fusão originou este portal de notícias, nós o acompanhamos à Praia da Almada para participar de uma data especial, onde os pescadores que dali também tiravam seu pescado fariam uma “pesca de arrasto”. Ao lado deles, seus filhos e netos, esposas e amigos, puxavam a pesada e longa rede, com cuidado para não deixar escapar os peixes.

As imagens que vemos aqui deixam a desejar. As fotografias originais estão em pesados arquivos que nesta oportunidade não foi possível acessar. Todavia, fica o registro e a nossa homenagem a essa cultura que, apesar das dificuldades dos tempos atuais, continua viva e atuante.

“Plantação de Mariscos”

Tivemos ainda um outro encontro inusitado, quando fomos conhecer outras atividades dos pescadores. Para garantir o sustento das suas famílias, tiveram que diversificar. Uma delas, que prospera até hoje no mesmo lugar da Barra Seca, foi o cultivo de mariscos no mar.

Seguimos de canoa com o pescador Eusébio Higino de Oliveira, “seu Gino”, na época com 40 anos, até sua “plantação de mariscos” no mar. “A maior dificuldade foi a compra das redes, então resolvi fazer artesanalmente os cabos e as 100 redes”, contou ele, que para iniciar sua cultura de mariscos foi pegar “as sementes” – os pequenos mariscos que nasciam – nas pedras.

Há 30 anos, seu Gino e sua família já possuíam um pequeno negócio com vendas de petiscos e deliciosos pastéis na areia da Barra Seca, uma paisagem no mínimo inusitada de Ubatuba.

Nós os acompanhamos durante anos. Nossa maior satisfação é termos voltado agora e ver que as crianças de 30 anos atrás cresceram e continuam unidas em torno do pequeno negócio na praia. O senhor Gino ainda desfruta de saúde e sua “plantação de mariscos” continua prosperando.

 

A cultura caiçara em foco, na conversa com pescadores e suas atividades. Reprodução: aloart

 

Fundart

Nessa época, a Fundart ainda começava um incrível trabalho de restauração do “Casarão do Porto”. A instituição foi criada em 25 de novembro de 1987. Portanto, com menos de 7 anos, quando fomos recebidos pela assessora de Comunicação, Olívia de Carlo Gottheiner.

“Ubatuba tem uma das histórias mais ricas de nosso país. Aqui foi celebrado o primeiro tratado de paz, a Paz de Iperoig, fato que garantiu a integridade do território nacional e o domínio dos portugueses nestas terras, devido ao movimento de aliança dos chefes indígenas da grande nação dos Tamoios (…)”, escreveu.

De acordo com Gottheimer, a população de 1995 era de 60 mil habitantes. Atualmente, 92.981 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico de 2022.

A mensagem deixada pelos antigos pescadores, seus familiares e aqueles com os quais conversamos, se resume em poucas palavras: preservação da natureza e da cultura caiçara.

 

Capa do Alô Tatuapé nº 17 – Ano 2, 14 de fevereiro de 1995: a história de Ubatuba e seu folclore, o início da Fundart e do Projeto Tamar, criado em 1991.

 

 

Capa do Alô Mooca nº 47 – Ano 5, 12 de fevereiro de 1995: tabloide já trazia apelo pela preservação de Ubatuba e sua cultura. Reprodução: aloart

 


Destaque – Vista do alto, Praia Vermelha do Norte ao anoitecer. Foto: aloimage / arquivo


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