Fernando Capano — Advogado; doutor em Direito do Estado, pela Universidade de São Paulo (USP); doutor em Direito do Estado e Justiça Social, pela Universidade de Salamanca (Espanha); mestre em Direito Político e Econômico, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; habilitado em Direito Internacional dos Conflitos Armados, pelo Instituto San Remo (Itália) e pela Escola Nacional de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum); especialista em Direito Militar, em Segurança Pública e na Defesa de Agentes da Segurança Pública; especialista em Administração de Empresas, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); professor universitário de Direito Constitucional, da Universidade Zumbi dos Palmares, e de Direito Penal, no Centro Universitário Padre Anchieta (UniAnchieta); presidente da Associação Paulista da Advocacia Militarista (Apamil); e sócio-fundador da Capano e Passafaro Advogados.


Compreender a violência policial como fator intimamente ligado à militarização é, no mínimo, um equívoco teórico e um risco prático. A lógica que busca explicar a truculência de determinados (e poucos) agentes da Segurança Pública apenas pelo modelo organizacional das Polícias Militares (PMs) ignora variáveis mais complexas — e, por isso mesmo, mais relevantes —, para se compreender o fenômeno.


A violência institucional, infelizmente, não é monopólio de estruturas militares. Casos emblemáticos nos Estados Unidos, por exemplo, protagonizados por corporações civis uniformizadas, mas não-militarizadas — como o Los Angeles Police Department (LAPD) — evidenciam que o problema transcende o modelo. O episódio de Rodney King, em 1992, severamente agredido por policiais em Los Angeles, é ilustração contundente dessa constatação.

Ao meu ver, a raiz da violência policial pode ter múltiplos fatores: cultura institucional autoritária, falhas estruturais de formação, precarização das condições de trabalho e ausência de mecanismos eficientes de responsabilização. A hierarquia rígida da PM pode, sim, contribuir para a reprodução interna de abusos — mas fenômenos semelhantes também ocorrem em órgãos civis, onde, não raramente, o assédio institucional se faz presente e, portanto, se reproduz para além do ambiente interno.

Não podemos nos esquecer que policiais no Brasil, de qualquer carreira (da Civil à Militar; da Federal à Rodoviária), enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários (sobretudo em São Paulo, coincidentemente e curiosamente o estado mais rico do País), falta de equipamentos modernos e treinamento deficitário. Soma-se a isso uma formação, muitas vezes, voltada, prioritariamente, ao confronto, e não à mediação – o que amplifica o risco de condutas abusivas. Decidir não atirar, afinal, é tão desgastante e estrategicamente complexo do que optar em apertar o gatilho.

Soluções para isso tudo existem – e não são poucas. Contudo, passam longe da simplificação. Reestruturar a formação, valorizar os vencimentos, modernizar os currículos com foco em Direitos Humanos e na tutela coletiva eficaz dos interesses da Sociedade, levando em consideração, de modo preponderante, o ser humano-policial, podem ser algumas delas.

Ampliar o uso de Tecnologias de Controle (como as câmeras corporais) e garantir corregedorias fortalecidas e independentes também são medidas fundamentais para se reduzir a violência estatal no País, sem que, para tanto, tenhamos que demonizar corporações inteiras em consequência apenas de sua gênese. Muito pelo contrário: é possível implementar políticas públicas de combate ao crime muito eficazes, tendo como premissa os sagrados valores da hierarquia e da disciplina, inerentes à instituição militar.

O debate sério sobre Segurança Pública no Brasil não se faz com slogans. É necessário abandonar o conforto das teses fáceis e enfrentar a complexidade dos fatos. Desta forma, desmilitarizar o discurso é bem mais urgente, neste momento, do que desmilitarizar a farda. Não é momento de adotarmos posturas simplistas e flagrantemente oportunistas.


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