Sexta-feira, 17 de abril de 2015, às 11h13
Colonizado primordialmente pelos portugueses, motivo de cobiça dos espanhóis, holandeses, entre outros povos europeus, pressionados pelo poder histórico das monarquias absolutistas e da igreja, o período da colonização do Brasil – no final da Idade Média e início do Renascentismo na Europa – foi fruto também da chama ardente por riquezas e mostrou que a Inquisição Portuguesa importada para a América, ainda deixava suas marcas através do medo, imposto pelas fogueiras e a condenação ao inferno de todos aqueles que ousassem desafiar suas regras – atadas a preciosismos e exigências quase sempre impossíveis de serem cumpridas – e impunham sua vontade aos desafortunados.
Gerson Soares
Essa herança cultural foi trazida pelos mandatários das colônias, que erguiam favores aos amigos e o peso da letra da Justiça aos inimigos através de suas Cartas e Decretos. Lá se vão 500 anos, mas em São Paulo, ainda é possível ficar aos pés dos funcionários da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP). Seja um médico ou seu paciente, não há autoridade maior do que esses amigos do rei. Mas a monarquia foi abolida, faz tempo, como isso é possível? Simples, cometa um erro, uma simples rasura, erre um código, e será enviado diretamente para o seu próprio inferno privado. E como isso acontece? Vamos explicar.
No dia 9 de abril, a Unidade de Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana, nome longo e função complexa, estava lotada como sempre. Com receio de ficarem sem os remédios, pacientes chegam cedo, já que por culpa da própria SES/SP e da falta de logística através dos tempos, provoca o pavor nas pessoas, que têm medo até de se manifestar contra o órgão. Afinal, com saúde não se brinca e quem não tem um plano privado precisa beijar os pés dos amigos da realeza, digo, dos funcionários do órgão ou ligados a ele.
A encarregada pela liberação dos remédios era a médica Cristina Fiorini de Oliveira, seu cargo naquele dia é o de médico-revisor. Portanto, caberia a ela a liberação dos medicamentos aos pacientes, sim pacientes – doentes ou não todos esperavam mais de 2 horas para receber as medicações com muita paciência.
Segundo um dos representantes que ali estavam para retirar medicamentos para outra pessoa, um rapaz morador de Osasco (que fica a aproximadamente 25 quilômetros da Vila Mariana) teve a renovação do seu processo recusada pela médica devido erros no preenchimento. Não temos mais detalhes, mas o fato se confirma entre aqueles que frequentam os postos de saúde ou farmácias como essa. “Se tiver um errinho, eles te mandam ir ao médico e pedir para preencher o processo novamente”, disse uma das pessoas entrevistadas também na AME Maria Zélia, na última terça-feira (14).
A UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), não quis se posicionar sobre a dispensação de remédios aos pacientes transplantados, mas mantêm o Hospital São Paulo, onde também existe a gerência da SPDM (Sociedade para o Desenvolvimento da Medicina) entidade filantrópica que administra a distribuição de remédios nas farmácias de alto custo de Vila Mariana, Maria Zélia e Várzea do Carmo – estando subordinada à SES/SP, nesse sentido. Conhecido como Hospital Universitário da Unifesp, o hospital é um dos locais onde são feitos transplantes cardíacos em São Paulo, assim como o Hospital do Rim (que fica próximo ao local), transplantando pacientes com problemas renais.
Esses hospitais e seus profissionais, sejam alunos de medicina, residentes, médicos e professores, além dos enfermeiros, auxiliares de enfermagem e todas as equipes ligadas à saúde e à qualidade de vida dos pacientes posteriormente aos tratamentos, empreendem verdadeiras batalhas para salvar suas vidas que no futuro dependerão apenas de cuidados médicos, exames regulares e uma vida regrada – até mudanças drásticas de comportamento são necessárias, adotadas de bom grado pelos transplantados e outros pacientes para que usufruam de uma vida melhor.
Outro detalhe importante são os remédios, como no caso dos transplantados, que devem ser tomados impreterivelmente, diariamente, ao longo de suas vidas. Mesmo sabendo disso, os preciosismos adotados pela SES/SP, além da falta de uma logística mais adequada ao século XXI, como os recursos da Engenharia da Computação ou até mesmo de programas simples de sistemas computadorizados em rede, ainda adota folhas de papel (muitas vezes xerox) para fazer valer as renovações de processos dos pacientes.
Na quinta-feira (9) passada a médica-revisora Cristina Fiorini, fez valer toda a sua autoridade ao devolver o pedido de renovação de outro médico, ao perceber a troca de um número e levar ao máximo preciosismo sua interpretação. Segundo mostra seu comunicado, o medicamento que deveria conter o número Z94-1 estava grafado com um erro pelo colega que preencheu o LME (Laudo para Autorização/Dispensação de Medicamentos Excepcionais e Estratégicos), com o número Z94-3. O representante do paciente atendido por esse profissional voltou sem o remédio, depois de permanecer mais duas horas na Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana. Ele foi orientado pela atendente a procurar o médico que deveria fazer um novo LME, com o número correto.
A medida foi adotada pela doutora mesmo sabendo que o paciente tinha prontuário no posto e toma o mesmo remédio há longo tempo. A receita estava corretamente preenchida, portanto, ela poderia exigir uma nova guia no próximo mês, mas deixar o paciente sem o remédio foi uma decisão polêmica, já que a falta dele pode levar a uma rejeição do órgão transplantado, neste caso, o coração.
O número Z94-3 para Coração e Pulmões Transplantados, refere-se a um dos códigos que constam na Classificação Internacional de Doenças número 10 (CID-10), assim como o número Z94-1 para Coração Transplantado, caso do LME rejeitado pela médica Cristina Fiorini, de acordo com as normas adotadas pela SES/SP.
Estes códigos foram determinados pela medicina internacionalmente e adotadas pelo Brasil, para melhor organizar as doenças que são muitas. A médica-revisora ao constatar o erro de preenchimento, não autorizar a entrega do medicamento e determinar, portanto, que o paciente ou seu representante corresse atrás do médico que cometeu o descuido, tomou uma decisão que colocaria a vida de um ser humano em risco.
A decisão da doutora Cristina nos remete exatamente ao ponto que gerou esta série de reportagens e mobilização que iniciamos através da campanha +Respeito – por mais respeito na entrega de remédios de alto custo e pela mudança do sistema que humilha médicos e pacientes.
E o que propomos com esta mobilização? Que as autoridades da Saúde revejam um sistema que coloca médicos e pacientes em guerra, que se alastra aos funcionários da própria SES/SP, devido à falta de logística e de um processamento computadorizado de informações, onde não haveria margens para erros como os descritos, já que os pacientes transplantados ou não deverão tomar os tais medicamentos contínuos pelo resto de suas vidas, sob risco de morte ou agravamento de doenças, não deveriam estar sujeitos às picuinhas ou preciosismos medievais – dignos da Inquisição –, também expostos aqui e testemunhados por dezenas de pessoas com as quais conversamos nos postos das Farmácias de Alto Custo de São Paulo, desde janeiro de 2014, causando-lhes dor e sofrimento.
Propomos um sistema totalmente computadorizado, onde o médico vai interagir diretamente com os computadores da SES/SP no que diz respeito unicamente aos seus pacientes, através de senhas ou qual seja a forma mais adequada à segurança contra fraudes e outros tipos de interferências, renovando os LMEs de acordo com as épocas necessárias e fazendo sua parte no que tange ao tratamento dos pacientes – sendo ele o encarregado natural de pedir exames, acompanhar a saúde dos seus clientes e solicitar os medicamentos de acordo com as dosagens que prescrever.
Essa nova metodologia, seria muito mais inteligente e apesar de partir de computadores movidos por baterias, fios, cabos e chips, será muito mais humana, poupando a todos os desumanos do inferno, criado pelos próprios seres... humanos.
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