Sexta-feira | 13 de maio, 2022

Por Gabriela Guerra
Advogada especializada em Saúde


A população brasileira vem sofrendo com a falta de medicamentos nas farmácias de alto custo, também conhecidas como Ceaf (Componente Especializado da Assistência Farmacêutica). O serviço permite acesso a medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e o principal objetivo é a busca do tratamento medicamentoso integral, em nível ambulatorial, com distribuição em todo país. Interromper um tratamento ou deixar de fornecer um medicamento essencial para garantia da saúde de um paciente fere dois dos princípios constitucionais mais importantes do nosso ordenamento jurídico: o direito à vida e o direito à saúde.

De acordo com levantamento feito pelo Movimento Medicamento no Tempo Certo (MTC), da Biored Brasil, uma rede de defesa de pacientes, entre 1º de janeiro e 28 de fevereiro de 2022, 2.801 pacientes com doenças incuráveis, e que precisam de tratamento contínuo, ficaram sem receber seus medicamentos essenciais.

O relatório apontou ainda que 63 medicamentos essenciais tiveram irregularidades no fornecimento, sendo a maior parte deles de responsabilidade do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais. São Paulo é o líder na lista de estados com problemas no abastecimento, com 1.663 relatos, seguido pelos estados do Rio de Janeiro, Ceará e Minas Gerais. Entre as regiões com mais reclamações por falta de medicamentos essenciais temos o Sudeste (70,3%), em seguida o Nordeste (15,3%), Sul (6,1%), Norte (5,2%) e Centro-Oeste (3%).

Há uma lista com inúmeros remédios distribuídos gratuitamente em todo território nacional. Esses medicamentos são classificados em três grupos, de acordo com o tipo de doença: básico, incluindo remédios para diabetes e hipertensão, estratégico, para o tratamento de doenças como AIDS, hanseníase e tuberculose e especializado ou de alto custo, entre eles medicamentos para o tratamento do Alzheimer, esquizofrenia, epilepsia e esclerose múltipla e também doenças consideradas raras ou com uso contínuo como a insuficiência renal crônica, hepatite viral B e C, osteoporose, problemas de crescimento, espondilite anquilosante, artrite reumatoide e imunossupressão em transplantados renais.

Na maioria das vezes esses medicamentos têm um custo unitário elevado e como são utilizados com frequência tornam o tratamento excessivamente caro e inacessível para grande parte da população.

O fornecimento dos fármacos é de responsabilidade solidária do Ministério da Saúde, do Governo Federal, em conjunto com os estados e prefeituras do país. No entanto, a má gestão e a falta de planejamento dos responsáveis pelo fornecimento e distribuição desses medicamentos prejudicam diretamente os vulneráveis.

No contexto que estamos, o Poder Público depende de processos burocráticos e nem sempre tem todo dinheiro necessário para comprar os remédios. E isso acontece por vários motivos, desde a alta flutuação do dólar, a necessidade de realocar os recursos da assistência farmacêutica para a compra de outro medicamento, até problemas com a logística do produto em um país de dimensões continentais como o Brasil.

A falta dos fármacos traz inúmeros prejuízos para a população doente, por exemplo, no caso de um paciente portador de esclerose múltipla que utiliza mensalmente o medicamento Natalizumabe.

Os especialistas na doença de esclerose destacam que é uma doença autoimune que afeta o sistema nervoso. Ela causa uma inflamação que afeta o cérebro e a medula espinhal e são sintomas evolutivos. E a descontinuidade do uso do medicamento tem como grande risco os surtos. São crises nas quais o paciente pode desenvolver uma sequela nova, como perda de equilíbrio e força.

Como proceder

Diante da importância da utilização desses medicamentos para garantir o bem-estar dos pacientes, caso o medicamento essencial para o tratamento de determinado paciente esteja em falta, a saída é ingressar com uma ação judicial justificando a extrema necessidade do fornecimento dele. Será feito um pedido de tutela antecipada para que o fármaco seja fornecido em um curto prazo sob pena de multa pelo descumprimento.

Os juízes de todo país estão cientes que, em alguns casos, a burocracia impede que tal determinação judicial seja cumprida com agilidade e alguns magistrados determinam que seja depositado judicialmente o valor em dinheiro para que a compra do medicamento seja feita pelo próprio consumidor apresentando a nota.

Importante abrir um parêntese para destacar que neste artigo trato daqueles medicamentos de alto custo que devem ser fornecidos pelos Estados, cuja lista é disponibilizada para a população. Quando se trata de medicamentos excepcionais (sem registro na Anvisa), ou seja, fora da lista, o Supremo Tribunal Federal determina que o paciente comprove alguns pontos para que as drogas sejam fornecidas, entre eles:

- Demora da Anvisa para registro do medicamento (mais de 365 dias);
- Existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo par a doenças raras e ultrarraras;
- Existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;
- Inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Em suma, seja por falta de estoque de algum fármaco, ausência na lista de fornecimento ou outro motivo, pelo princípio da universalidade do Sistema Único de Saúde, quando os medicamentos de alto custo não são encontrados via governo de forma administrativa, estes podem ser solicitados na Justiça e a população deve fazer uso de seus direitos para que não fique descoberta pela falta de medicamentos. Caso o paciente sofra problemas de saúde por consequência da falta de remédios que devem ser fornecidos pelo governo, cabe, em alguns casos, indenização.

 


Gabriela Guerra é advogada especializada em Saúde
www.guerraferreira.adv.br


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