Sexta-feira, 17 de abril de 2015, às 05h23
Depois de ter os bastidores revelados pela imprensa, o Ambulatório Médico de Especialidades do Governo do Estado de São Paulo (AME) Maria Zélia teve melhorias. Muitos dos que ali sofreram poderiam chamar esses bastidores de entranhas que era de onde tiravam paciência para suportar os abusos que começavam na porta da AME às 3, 4, 5 horas da manhã.
Gerson Soares
Até o início do ano passado, o atendimento na AME Maria Zélia era processado da seguinte forma: as pessoas chegavam e se agrupavam próximas aos portões que quando eram abertos às 7 horas, davam lugar aos mais rápidos e jovens que saiam em disparada e retiravam as senhas para serem atendidos. Portanto, os mais idosos ou adoentados tinham de tirar paciência do fundo de suas entranhas ou pagar para alguém mais jovem correr por eles.
Desumano? Não só isso, aviltante, repugnante. Essa situação só foi alterada quando a imprensa mostrou ao Brasil como são tratadas as pessoas que precisam de remédios dispensados pelo governo de São Paulo, o estado mais rico e pujante do país (assista o vídeo).
Estivemos no AME Maria Zélia nesta terça-feira e conversamos com o público que ali retira suas medicações. “Depois que a televisão Globo mostrou aquele absurdo é que as coisas melhoraram. Eu já cheguei a esperar 5 horas para pegar o remédio”, disse Sílvia. Ela tem depressão e para retirar um dos remédios precisa ir ao médico mensalmente para pegar a receita azul de um dos remédios, os outros consegue de três em três meses. “É para ver se a gente não morreu”, reclamou indignada. “Isto aqui melhorou muito, eles até entregam remédios em casa, mas quando param de entregar fica desse jeito. Lá dentro está lotado”, opinou na saída.
O lugar é repleto de seguranças que controlam as catracas, as filas e vigiam. Não é possível entrar com equipamentos de fotografia ou filmar, só com permissão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP). “Se eles te pegam aqui, você vai ter problemas”, advertiu Silvia, cuja idade passa dos 60 anos, à nossa reportagem.
O acesso de carros e cadeirantes é o mesmo, não há rampas. “Que absurdo, não é?”, observou Teresa, outra senhora com quem conversamos, ao ver uma mulher de bengala subir a escadaria com dificuldade. “Eu saí, estou cheia, não aguento mais isto aqui”, reclamava. “Agora são 11h37, eu cheguei às 9h30, já avisei em casa que vou demorar”, nervosamente falou.
De fato, seguimos Teresa em seu retorno para o local de espera. A fim de evitarmos confusão naquele momento, não foi possível fotografar o cordão de isolamento que leva à entrada da triagem na extensão do corredor. Ali começa a burocracia e os problemas com os LMEs (LME – Laudo para Autorização/Dispensação de Medicamentos Excepcionais e Estratégicos) que devem estar corretíssimos, caso contrário o paciente não segue em frente. “Qualquer errinho eles te mandam de volta”, afirmou Teresa. Perguntamos se esse fato já havia acontecido com ela e a resposta foi que sim.
Sobre esse assunto, que é uma das principais causas desta série de reportagens e motivo da campanha +Respeito, iniciada na semana passada pelo Alô Tatuapé, falamos também com outras pessoas que saíam do posto com os remédios. E, a questão é unânime: qualquer rasura ou erro, mesmo que o paciente já esteja em tratamento contínuo e no seu prontuário ou processo a medicação seja confirmada, o menor engano no preenchimento do LME, o mandará diretamente para a porta de saída, sem os remédios.
Acompanhamos Teresa, uma mulher de 50 e poucos anos, que apesar de belos traços, aparentava cansaço. Ela fora ao posto para retirar remédios para a mãe que tem mal de Alzheimer e ainda pratica a caridade, solidarizando-se com uma vizinha que também toma remédios continuamente. “Minha mãe precisa fazer ressonância a cada três meses para provar que tem a doença”, revoltava-se. “A vizinha tem de fazer exame de sangue”, falou sobre a renovação dos processos, que ocorrem trimestralmente para qualquer pessoa que precisa de remédios dispensados pelo governo.
E esta é a maior reclamação entre todos, seja no AME Maria Zélia ou na Farmácia de Alto Custo da Vila Mariana. Para quem não precisa tomar remédios nem ir a um posto, o processo trimestral pode ser considerado um tempo longo, mas àqueles que retiram as medicações mensalmente não é. “Passa muito rápido, poderia ser pelo menos a cada 6 meses”, conformam-se tanto Sílvia quanto Teresa. E que tal um ano? “Um ano seria bom demais pra gente, o governo nunca vai fazer isso”.
A impressão que fica é que as pessoas que tomam remédio são resignadas e têm medo de que lhes faltem os medicamentos, por isso mesmo aceitam caladas as imposições da SES/SP. Pode parecer incrível, mas de maneira geral têm receio até de falar com a reportagem, devido as retaliações aos jornalistas que são proibidos de entrar com equipamentos.
Humilhante? Perguntamos novamente. A resposta não é difícil. Esse órgão, que trata da saúde das pessoas, está ligado ao Ministério da Saúde do governo federal e parece ter herdado as mesmas características desrespeitosas que qualquer brasileiro conhece. Depois das manifestações de junho de 2013, esse tema, o desrespeito à Saúde, ficou conhecido mundialmente, apesar de nunca ter sido ignorado. Estrangeiros, antes de saírem de seus países em direção ao tropical e belo gigante da América do Sul, procuram vacinar-se e sabem que correrão riscos, caso contraiam alguma doença ou sofram um acidente. Apesar de o dinheiro que trazem e os planos de saúde mais abrangentes lhes garantirem vantagens concretas em detrimento dos que aqui vivem.
Segundo os pacientes e seus representantes com os quais conversamos, o atendimento melhorou na AME Maria Zélia, depois que os bastidores das humilhações que ocorriam no local foram reveladas pela imprensa. Cabe lembrar que nos últimos tempos, parece que boa parte do que diz respeito aos governos e à política, nas suas mais variadas esferas, se tornou caso grave de polícia e manchetes negativas nos veículos de comunicação. Sob vários aspectos, há no país a premência de autoridades e mesmo de forças políticas que trabalham para que o Brasil seja passado a limpo, mas a tarefa é árdua.
Distante de um sistema mais humano e inteligente de distribuição de remédios e mesmo de atendimento à saúde de forma geral, a SES/SP cria vazios logísticos entre seus funcionários, os médicos credenciados e pacientes que precisam de remédios para viver e controlar as doenças que possuem, sendo estes últimos os mais afetados pelo abismo criado entre suas necessidades e aquilo que lhes é realmente oferecido.
Adotamos a ideia de que pessoas que tomam medicações também devem ter qualidade de vida, como quaisquer outras e não é isso que se pode constatar nos locais onde são dispensados os atendimentos a eles. Cabe à SES/SP zelar pela saúde do povo paulista que acorre aos seus cuidados e fazer valer a máxima de que os salários pagos e as verbas de investimentos emanam do próprio povo ao qual deve sim, mais respeito e cordialidade.
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