Em acelerado processo, em vez de abrigarem apartamentos acessíveis, prédios cada vez mais altos, construídos ao redor de estações de trem, metrô e corredores de ônibus, estão se tornando enclaves de alta renda, empurrando populações de menor poder aquisitivo para as periferias.

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP


Um novo surto de verticalização está modificando rapidamente a paisagem urbana da cidade de São Paulo. Intensificado entre 2005 e 2019, o processo retomou seu ímpeto depois da pandemia. Áreas anteriormente de baixa densidade, como a região da avenida Faria Lima e os bairros de Pinheiros e Vila Madalena, são palcos da proliferação acelerada de edifícios altos e adquirem um novo perfil socioeconômico, a exemplo do que já havia ocorrido tempos atrás nos bairros de Moema e Santana e no vizinho município de Osasco. Trata-se de um fenômeno complexo, que interage com macroestruturas de financeirização global, dinâmicas de mercado imobiliário e políticas de habitação e planejamento urbano.

Com colaborações de vários especialistas, um livro investiga o tema em profundidade, comparando os processos de verticalização de diferentes cidades do mundo. Trata-se de Producing and living the high-rise: New contexts, old questions? [Produzindo e vivendo em arranha-céus: Novos contextos, velhas questões?], editado por Manoel Rodrigues Alves, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP); Manuel Appert, professor da École Nationale Supérieure d’Architecture de Lyon, França; Christian Montès, professor da Université Lyon 2.

Moradias distantes das populações de baixa renda

“Adotando um olhar não eurocêntrico, o livro ilustra novas formas de produzir desigualdade por meio da verticalização residencial. E acrescenta uma nova dimensão à distribuição espacial das populações, reexaminando os processos de segregação e fragmentação na cidade”, diz Rodrigues Alves.

E informa que, na cidade de São Paulo, o atual boom de verticalização foi impulsionado por supostos novos modos de morar, mudanças na política de financiamento habitacional e pelas possibilidades encontradas por agentes do mercado imobiliário, em um contexto de financeirização da habitação, com a articulação das grandes corporações imobiliárias com fundos de investimento, que priorizam o retorno financeiro em detrimento de considerações ambientais ou sociais.

O resultado, explica o pesquisador, é uma produção de moradia que não atende às necessidades das populações de distintos perfis socioeconômicos, em particular as de baixa renda, intensificando ainda mais a segregação urbana. Bairros antes acessíveis, representação de uma cidade miscigenada e de uma maior equidade urbana, tornam-se enclaves de alta renda, empurrando populações de menor poder aquisitivo para periferias distantes.

Alta renda em áreas próximas ao transporte público

O Plano Diretor Estratégico de São Paulo, de 31 de julho de 2014, visando o adensamento ao longo dos chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, liberou áreas consideráveis ao redor de estações de trem, estações de metrô e corredores de transporte público para a construção de edifícios verticais sem limitação de andares. O objetivo declarado era oferecer opções, por meio do instrumento específico da “Cota Habitação”, de moradia para segmentos sociais de menor renda e promover a concentração populacional em regiões mais bem servidas por transporte público e equipamentos urbanos. “Mas o mercado imobiliário rapidamente encontrou maneiras de perverter o plano”, afirma Rodrigues Alves.

E destaca como agentes do mercado imobiliário, explorando brechas nas regulamentações de normas de planejamento, utilizam os espaços públicos no entorno de novos edifícios residenciais em São Paulo: “Em vez de uma maior equidade urbana, um olhar mais atento mostra como a suposta ‘inclusão’ é trabalhada por esses agentes, por meio de truques projetuais, para a obtenção de permissões das autoridades locais, muitas vezes resultando em uma paisagem urbana caracterizada por espaços urbanos privados e controlados com um certo grau de domínio público”.

Gentrificação

O pesquisador dá exemplos: em áreas limitadas a 55 metros quadrados, em vez de apartamentos populares de dois dormitórios, estão sendo construídos estúdios sofisticados, até mesmo financiados para empreendedores por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida; a limitação de uma vaga por apartamento na garagem, conforme proposto pelo Plano Diretor, é contornada com o aluguel, a preços simbólicos, de vagas adicionais nos estacionamentos; a perversão dos “espaços públicos de fruição” no nível da rua ou a forma como é implementada a assim denominada “fachada ativa”, com os estabelecimentos comerciais de alto padrão.

“O processo de gentrificação ocorre inclusive no interior dos edifícios (built-high gentrification), onde os apartamentos mais altos são valorizados e conferem maior status social aos moradores. Em uma cidade de prédios cada vez mais altos, o descortínio visual tornou-se um valor agregado ao imóvel”, comenta Rodrigues Alves.


Destaque – São Paulo, capital. Vista da Vila Madalena/Alto de Pinheiros à noite. Abril, 2020. Foto: Cornelius Kibelka / +aloart


Publicação:
Quarta-feira | 3 de julho, 2024


Leia outras matérias desta editoria

1º turno das eleições: SP terá esquema especial neste domingo

Gratuidade no transporte e reforço na polícia, farão parte do esquema montado para garantir o acesso e segurança aos eleitores. A Polícia Militar trabalhará com 100% do efetivo neste final de semana. O governo paulista preparou um esquema especial de...

Túnel Santos – Guarujá: começam audiências públicas de Impacto Ambiental

O Governo de São Paulo dará início às audiências públicas sobre os projetos do túnel imerso; as sessões sobre o estudo ambiental acontecerão na próxima semana. O Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) convocou para os dias 9 e 10 de outubro duas...

Acordo Paulista IPVA visa motoristas de aplicativos e entregadores – conheça

O Governo de São Paulo lançou a nova fase do programa e agora pretende negociar R$ 2 bilhões em dívidas, regularizando inclusive pequenos débitos, com desconto de 100% em multas e juros, além de parcelamento em até 60 vezes. O governador Tarcísio de...

Faleceu em São Paulo o empresário Romão – “artilheiro dos 4.000 gols”

Fundador da famosa loja Romão Calçados, a trajetória icônica da sua marca de sucesso só pode ser comparada com sua popularidade e o amor pelo Timão. “Corinthians na cabeça e bola no pé, desde criancinha”. A frase foi dita no mesmo local da foto que...

“A Maçonaria e sua contribuição para o mundo contemporâneo”, evento será realizado em SP

Contando com mais de 30 palestras, o encontro acontecerá no dia 29 de setembro (domingo). Mais de mil maçons devem participar deste que é o maior congresso maçônico do país. Nesta sua XXIX edição, a cumprir-se no próximo domingo, 29, a Jornada Maçônica do...

Governo de SP reestrutura agências reguladoras e cria a SP-Águas

As agências reguladoras possuem funções importantes e de interesses que podem afetar de maneira fundamental a população. A Artesp, Arsesp e SP Águas serão responsáveis pela fiscalização e regulação de serviços públicos no Estado, incluindo transporte,...

Túnel Sena Madureira: começam as obras

O projeto do Complexo Viário Sena Madureira – Ricardo Jafet que teve início na última segunda-feira (16/09) deve trazer benefícios há muito aguardados, como o desafogamento do trânsito na região, previram os integrantes das Secretarias Municipais de...

Poupatempo alerta para golpistas que cobram pelo serviço, entenda

O aviso foi divulgado hoje pelo Governo de São Paulo e chama atenção para sites falsos que pedem pagamento para agendar serviços, lembrando que o agendamento é gratuito, pessoal e intransferível nas 240 unidades do estado de São Paulo. O Poupatempo orienta...