Quinta-feira, 21 de junho de 2018 às 17h49


Depois do isolamento do grafeno, em 2004, outro material em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) também muito promissor despontou em razão de suas propriedades semicondutoras: o fósforo negro.

Elton Alisson | Agência FAPESP

Um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias (MackGraphe) da Universidade Presbiteriana Mackenzie – apoiado pela FAPESP – conseguiu explicar uma propriedade observada experimentalmente, mas até então não compreendida do fósforo negro.

 

A figura mostra uma representação artística de um floco de fósforo negro sendo iluminado por um laser verde. A luz vermelha representa a luz espalhada com energia diferente da incidente sendo que este efeito é conhecido como espalhamento Raman. Ao girar o cristal, as medidas de dependência angular deste efeito deveriam se comportar conforme a linha cinza mostrada no gráfico no final da luz vermelha, no entanto, comportam-se conforme os pontos verdes no mesmo gráfico. Imagem: Henrique Bücker Ribeiro

 

Os resultados do estudo, feito em parceria com pesquisadores das universidades Federal de Minas Gerais (UFMG), Nacional de Singapura e de Antioquia (Colômbia) foram publicados em 2015 na revista ACS Nano, da American Chemical Society (ACS).

Há poucos meses, o artigo entrou na seleta lista dos 1% mais citados em comparação com outros trabalhos publicados em seu campo de estudo, de acordo com os Essential Science Indicators, elaborados pela Clarivate Analytics, do grupo Thomson Reuters.

“Conseguimos oferecer, com base em dados experimentais, explicação para um comportamento anômalo observado quando um laser incide sobre um cristal de fósforo negro e é espalhado inelasticamente. Percebemos que não só a intensidade da luz espalhada, mas também a sua fase [propriedade encontrada em todas as ondas] varia com o ângulo que a polarização da luz incidente faz com o cristal. A variação da fase é normalmente desconsiderada”, disse Christiano José Santiago de Matos, pesquisador do MackGraphe e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.

“A partir dessa explicação, outros pesquisadores que estudam fósforo negro e outros cristais similares começaram a citar nosso artigo, pois é essencial levar em consideração esse fenômeno para ajustar dados e compreender bem os resultados experimentais”, disse Matos.

O fósforo negro é um cristal com estrutura sanfonada, composta por camadas bidimensionais de fósforo empilhadas com apenas um átomo de espessura. O material apresenta uma característica chamada anisotropia, pela qual suas propriedades físicas variam dependendo da direção – ou ângulo – do cristal.

“Em uma direção, os átomos na estrutura do material estão dispostos de um jeito e em outra direção estão ordenados de forma diferente. Desse modo, ao medir, por exemplo, a condutividade elétrica do material em uma direção o resultado é um, e em outra direção o resultado é diferente”, explicou Henrique Bücker Ribeiro, pós-doutorando no MackGraphe com Bolsa da FAPESP e primeiro autor do artigo.

A fim de estudar esse fenômeno, os pesquisadores utilizaram espectroscopia Raman, técnica que permite obter informação química e estrutural de quase qualquer material por meio da análise da luz espalhada por ele.

A técnica consiste em incidir a luz de um laser sobre um material. A luz interage e perde energia para as vibrações do material, induzindo a redução da sua frequência. As energias de vibração de cada material são únicas e podem ser usadas como uma “impressão digital” dele, uma vez que cada material tem tipos de átomos diferentes, com ligações também específicas.

Ao analisar a luz espalhada ou refletida pelo material por meio dessa técnica é possível saber exatamente qual é a energia de vibração e, consequentemente, conhecer um cristal estudado.

“A espectroscopia Raman é uma técnica fundamental não só para caracterizar, mas também entender uma série de propriedades de materiais bidimensionais, como o grafeno”, disse Matos. Tais materiais têm espessura de um átomo até alguns poucos nanômetros, possuem propriedades únicas ligadas à sua dimensionalidade e são protagonistas do desenvolvimento da nanotecnologia e da nanoengenharia.

Ao analisar um cristal de fósforo negro por meio dessa técnica, contudo, a “impressão digital” ou espectro Raman do material varia com o ângulo da polarização da luz, o que é uma consequência da sua anisotropia.

“Isso ocorre não só com o fósforo negro, mas também com alguns outros materiais lamelares [com arranjo em camadas]”, disse Eunézio Antônio Thoroh de Souza, coordenador da área de Fotônica do MackGraphe e um dos autores do estudo.

Resposta incomum

Diferentemente de outros materiais anisotrópicos, no fósforo negro uma análise simplificada e amplamente usada, que despreza atrasos de fase do espectro Raman, era incapaz de explicar o comportamento observado em função do ângulo.

Os pesquisadores recordaram então que estudos antigos de cristais tridimensionais específicos apresentavam comportamento similar, e que era necessário, nesses casos, considerar o atraso de fase.

Com base nessa constatação, eles utilizaram essa mesma análise e conseguiram descrever o comportamento experimental. Além disso, encontraram duas explicações para o comportamento tão peculiar do fósforo negro. A primeira explicação é que o material, além de anisotrópico, é absorvedor de luz.

“Muitos outros materiais analisados por espectroscopia Raman não são absorvedores de luz e, caso sejam, são isotrópicos [o índice de refração é constante, não importando a direção considerada, ou seja, o raio de luz se propaga com a mesma velocidade independentemente da sua polarização]. Como o fósforo negro é ao mesmo tempo absorvedor e anisotrópico, isso pode fazer com que a resposta Raman seja complexa, apresentando variações de intensidade e fase, o que não é usual”, disse Matos.

A segunda explicação é mais complicada e envolve conceitos de mecânica quântica, que descrevem como a luz, os elétrons e as vibrações interagem entre si. “Depois desse nosso estudo esse comportamento foi demonstrado em outros materiais lamelares”, disse Ribeiro.

Contribuições da descoberta

Na avaliação dos pesquisadores do MackGraphe, as descobertas contribuem para caracterizar melhor o material, considerado extremamente promissor para futuras aplicações eletrônicas e optoeletrônicas.

O fósforo negro pode, por exemplo, ser usado em transistores, desempenhando as funções lógicas necessárias em sistemas digitais; em detectores de luz, transformando energia luminosa em corrente elétrica para sistemas de comunicações ópticas (fibra óptica) ou para células fotovoltaicas; e em novos emissores de luz para as comunicações ópticas.

“Entender a resposta do material e suas propriedades físicas é fundamental para usá-lo em um dispositivo”, disse Matos.


O artigo Unusual angular dependence of the Raman response in black phosphorus (doi: 10.1021/acsnano.5b00698), de Henrique B. Ribeiro, Marcos A. Pimenta, Christiano J. S. de Matos, Roberto Luiz Moreira, Aleksandr S. Rodin, Juan D. Zapata, Eunézio A. T. de Souza e Antonio H. Castro Neto, pode ser lido na revista ACS Nano em pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/acsnano.5b00698.

Acima, deformação da folha de grafeno pela ponta do microscópio de força atômica (imagem: Scientific Reports) e, no fundo da imagem, a estrutura cristalina ideal de grafeno que tem o formato de uma grelha hexagonal. Imagem: AlexanderAlUS via Wikicommons

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