Terça-feira, 15 de março de 2016 às 10h39
A informação foi divulgada no último dia 10, depois da publicação de cientistas brasileiros na revista Thyroid.
Karina Toledo | Agência FAPESP – Um estudo publicado por cientistas brasileiros na revista Thyroid apresentou, pela primeira vez, evidências diretas de que a deficiência de hormônios tireoidianos prejudica o funcionamento renal.
Ao suspender temporariamente a terapia de reposição hormonal de pacientes que tiveram a glândula retirada em decorrência de um câncer, os pesquisadores observaram prejuízo médio de 18% no ritmo de filtração glomerular – primeira etapa do processo de formação da urina nos rins.
A pesquisa foi realizada com apoio da FAPESP durante o doutorado de George Barberio Coura Filho, sob orientação do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Marcelo Sapienza, vinculado ao Instituto de Radiologia (InRad-USP).
“Evidências da literatura científica indicavam que alguns portadores de disfunção tireoidiana apresentavam disfunção renal associada. Mas eram poucos os trabalhos sobre o tema e eles avaliaram a função renal de maneira indireta”, comentou Coura Filho, que também é diretor da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN).
O grupo então decidiu investigar se o ritmo de filtração glomerular – parâmetro comumente utilizado na avaliação da função renal – era ou não dependente dos níveis de hormônios tireoidianos.
O estudo foi feito com 28 pacientes submetidos a cirurgia para retirada da tireoide após o diagnóstico de câncer. Nenhum deles tinha histórico de disfunção renal e todos teriam de passar por um tratamento complementar com iodo-131, substância radioativa, para reduzir o risco de recidiva e de metástase.
“Para aumentar a eficiência do tratamento com radioiodo, é preciso aumentar os níveis do hormônio estimulante da tireoide (TSH, na sigla em inglês), que é produzido pela hipófise e facilita a entrada do iodo nas células”, explicou Coura Filho.
Segundo o pesquisador, há duas maneiras de se alcançar esse objetivo: administrando ao paciente uma versão sintética do hormônio TSH ou suspendendo a terapia de reposição tireoidiana, o que faz com que a hipófise passe a produzir o hormônio estimulante da tireoide na tentativa de corrigir o déficit.
Antes de iniciar a radioiodo terapia, portanto, os 28 pacientes foram divididos em dois grupos. Metade recebeu TSH sintético e, os demais, tiveram a reposição hormonal suspensa, entrando em estado clínico de hipotireoidismo.
Com auxílio de uma técnica de medicina nuclear, os pesquisadores avaliaram nos dois grupos a evolução do ritmo de filtração glomerular. Para isso, foi injetado nos pacientes um radiofármaco chamado Cr51-EDTA.
“O Cr51-EDTA é um marcador filtrado exclusivamente pelos glomérulos, sem que haja secreção ou absorção significativa nos túbulos renais (onde ocorre a segunda etapa de formação da urina). Portanto, quanto maior for o ritmo de filtração glomerular, mais rapidamente o marcador radioativo é excretado do organismo”, explicou Coura Filho.
Duas e quatro horas após a injeção do isótopo, amostras de sangue dos voluntários de ambos os grupos foram colhidas e colocadas em um contador de radiação.
“As análises mostraram que, no grupo que teve a reposição hormonal suspensa, o ritmo de filtração glomerular caiu em média 18% em comparação ao nível inicial. Já no grupo que recebeu TSH sintético, observamos aumento de 4% na filtração, mas o número não foi estatisticamente significativo e podemos dizer que, nesse caso, a função renal ficou estável”, disse Coura Filho.
Resíduos represados
Quando a taxa de filtração glomerular cai, menor quantidade de urina é formada, o que significa que toxinas e metabólitos indesejados ficam represados no organismo. Uma das formas mais usadas de investigar se isso está acontecendo é dosar na urina ou no sangue do paciente uma substância chamada creatinina – formada a partir da quebra da proteína creatina fosfato, necessária para o funcionamento dos músculos.
Dados do artigo mostram que, nos pacientes que tiveram a reposição hormonal suspensa, a taxa de excreção de creatinina na urina caiu 22%. Também foi observado aumento das concentrações de creatinina no sangue.
Na avaliação de Sapienza, o estudo deixa claro que o hipotireoidismo, mesmo em uma apresentação aguda, leva a significativa redução da filtração glomerular, o que pode ter implicação na farmacocinética de outras drogas e agravar a situação de pacientes que já tenham doença renal prévia.
“O hipotireoidismo associa-se a redução da função renal provavelmente por levar a alterações do sistema cardiocirculatório, talvez associadas a modificações de transporte hidroeletrolítico renal. Apesar de essa relação ser bem conhecida em outras situações, não é ainda claro o grau e intervalo em que ocorre essa disfunção no hipotireoidismo agudo e como quantificá-la na prática clínica. Neste trabalho, além de determinar o impacto do hipotireoidismo agudo na filtração glomerular, medida pelo clareamento plasmático [excreção pela urina] do 51Cr-EDTA, foi possível estabelecer parâmetros baseados na dosagem sérica de creatinina, que permitem fazer esse monitoramento de forma mais acessível clinicamente”, avaliou.
Para Coura Filho, os resultados reforçam a necessidade de uma reposição tireoidiana eficiente. “Agora que conhecemos como os hormônios tireoidianos interagem com o funcionamento dos rins, podemos evitar que pacientes com hipotireoidismo primário – aqueles que têm a glândula, mas ela não funciona adequadamente – venham a sofrer prejuízos renais futuramente. Devemos adotar medidas preventivas”, opinou.
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