29 de maio de 2014
Séculos de corrupção não podem ser descritos neste artigo. O Brasil, parece que o patriotismo não há. Se existe está espalhado por seu imenso território de tal forma a não poder ser visto. Talvez, num relance, daqui a exatas duas semanas, quando a Seleção Brasileira entrar em campo, com seus 11 jogadores, reservas e a Comissão Técnica; no estádio de uma das maiores torcidas do país do futebol, construído sob um alicerce de dúvidas quanto a legitimidade das verbas a ele destinadas e todos sabem disso.
Gerson Soares
Talvez, entre os escolhidos do enérgico Felipão, ali também proliferem alguns patriotas, pelo menos durante os 90 minutos em que o mundo estiver olhando. Do lado de fora muitos outros ficarão, não os patriotas, os que desejam alguma coisa que não sabem bem o que é. Protestam contra tudo e contra todos. Uma geração, duas gerações, várias, que cresceram sem ter um ideal real, um norte a seguir, um modelo patriótico. E, cada um a seu modo, seguiu como pode.
Muitos encontraram até o caminho do patriotismo, da civilidade, da honestidade, do caráter, da moral. Outros foram encontrados por forças às quais não puderam resistir e se entregaram. Afinal, é muito fácil viver sem compromisso, ter uma boa vida, não lembrar que ao seu lado um irmão cai, sem alento para seguir o bem ou o mal.
Ele é derrubado por forças muito maiores do que pode suportar. Uma nuvem que engloba fluidos difíceis de entender e inebriam a mente, traem a consciência e a própria razão. Assim, o ciclo se repete. Através dos tempos, sempre existiram dois mundos no Brasil. As descrições mais conhecidas foram feitas por jornalistas, fotógrafos, escritores ou cidadãos comuns, desde o final do século XIX, quando a comunicação tomou volume no mundo. “São Paulo lembra as ruas da Europa, mas chegando ao Carmo, o mau cheiro entorpece as narinas”, escreveu em outras palavras, um desses observadores, no alvorecer do século XX, sobre a Várzea do Carmo que servia aos dejetos da cidade que desorganizada crescia, olhando apenas para o próprio umbigo.
A observação de 100 anos atrás, ainda pode ser vista e sentida pelo Brasil afora. Devido a essa comparação extrema e a interesses próprios, cada categoria ou brasileiro tem algo a reivindicar antes da Copa. Mas o Brasil não mudará tão facilmente. Não serão as manifestações e greves prometidas que farão as mudanças. Nem tampouco as leis que estão sendo criadas e as forças armadas para coibi-las. As mudanças terão de acontecer nas urnas, no engajamento político de cada indivíduo e no cotidiano. A situação caótica assim exige, caso contrário o descanso merecido no final do dia e o jogo de futebol não precisariam ser trocados pelas passeatas, greves, bombas, flechas, pauladas, depredações, balas de borracha, gases e discórdia.
A bandeira do Brasil deveria tremular em cada sacada, muito tempo antes e bem depois que a Copa da Fifa terminar. Os visitantes, que conhecem a hospitalidade brasileira, irão curtir, se divertirão, mas terão de ir. Os irados brasileiros ficarão. Com a conta ou sem se dar conta, de que o tempo passa e as gerações trocam de lugar, mas a situação não mudará enquanto houver desorganização de ambos os lados, dos reclamantes e dos reclamados.
O verde dos gramados deveria ir para o coração dos brasileiros através da sua bandeira. Ela causará temor aos que insistem em desafiar suas palavras, se em cada lar ela tremular soberana em causa contínua de patriotismo, deixando de lado os interesses particulares e momentâneos, pensando grande, como verdadeiramente é o Brasil.
Texto escrito por Rui Barbosa, paraninfo da turma de 1920, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, SP.
Trecho da Oração aos Moços — Rui Barbosa
(...) Mercê, porém, de circunstâncias inopinadas, com o encerro do meu meio século de trabalho na jurisprudência se ajusta o remate dos meus cinqüenta anos de serviços à nação.
(...) Era presunção, era temeridade, era inconsciência insistir na insana pretensão da minha fraqueza. Só um predestinado poderia arrostar empresa tamanha. Desde 1892 me empenhava eu em lutar com esses mares e ventos.
(...) Por isso me saí da longa odisséia sem créditos de Ulisses(20). Mas, se o não soube imitar nas artes medrançosas de político fértil em meios e manhas, em compensação tudo envidei por inculcar ao povo os costumes da liberdade e à república as leis do bom governo, que prosperam os Estados, moralizam as sociedades, e honram as nações.
(...) Preguei, demonstrei, honrei a verdade eleitoral, a verdade constitucional, a verdade republicana. Pobres clientes estas, entre nós, sem armas, nem oiro, nem consideração, mal achavam, em uma nacionalidade esmorecida e indiferente, nos títulos rotos do seu direito, com que habilitar o mísero advogado a sustentar-lhes com alma, com dignidade, com sobrançaria, as desprezadas reivindicações. As três verdades não podiam alcançar melhor sentença no tribunal da corrupção política do que o Deus vivo no de Pilatos.
Foi mantida a escrita original. Por isso:
– cinquenta = cinqüenta;
– odisseia = odisséia;
– oiro = ouro.
Nota de rodapé, da Oração aos Moços, anotada pelo preparador do texto, Adriano Gama Kury, 1979.
20 – Ulisses, herói do poema épico grego Odisseia, de Homero, era extremamente astucioso e fértil em estratagemas contra os troianos, seus inimigos. A esses atributos liga-se o adjetivo medrançosas da linha seguinte (que Rui deve ter conhecido no escritor português Antônio Feliciano de Castilho), aqui significando aproximadamente “engenhosas, produtivas”.