SITUAÇÃO FUNDIÁRIA REQUER AMPLO DEBATE ENTRE TODOS OS ENVOLVIDOS
Depois da primeira série de reportagens sobre a possível desapropriação de mais de 200 famílias pelo Incra no Sertão de Itamambuca, o órgão sugeriu que o portal Alô Tatuapé não promoveu um amplo debate na elaboração de suas reportagens, o que não é verdade.
Desde o dia 30 de janeiro, quando tomamos conhecimento do Edital publicado pelo Incra (leia aqui) no dia 21 daquele mês, começamos um estudo para compreender e iniciar um trabalho investigativo, a fim de levar ao conhecimento da sociedade como a questão fundiária no país pode ser cruel ou cometer injustiças em prol da própria justiça que pretende proporcionar a um grupo em detrimento de outro.
A partir do dia 3 de fevereiro, já iniciamos um amplo debate, enviando ao órgão diversas perguntas (leia aqui parte delas) que, lamentavelmente, não foram respondidas pela Superintendência de São Paulo. Na verdade, a resposta que recebemos foi um resumo daquilo que já consta na internet (leia aqui).
Conversamos com a assessoria de imprensa do Itesp que nos indicou uma especialista em assuntos fundiários. Apesar da esclarecedora conversa, priorizamos o estudo do Itesp feito em 2008, já que ele é o foco da questão em pauta.
Conversamos com a Prefeitura de Ubatuba sobre o Sertão de Itamambuca no que tange às possíveis desapropriações de moradores e enviamos um e-mail no dia 7 de março (leia aqui parte das perguntas). Mas, até esta data, nada foi respondido pelo órgão municipal. As perguntas são sensíveis à população de maneira geral.
Edital de 21 de janeiro
Sugerindo que as reportagens publicadas ferem sua iniciativa de promover a justiça fundiária, afirmando que os textos poderiam incitar animosidades, a assessoria do Incra não deve ter atentado ao teor da sua própria publicação, como pode ser lido no DOU.
O edital publicado no Diário Oficial da União (DOU) (leia aqui) exibe diversos nomes de pessoas que são legitimamente caiçaras, chamados pelo órgão de não quilombolas. Além daqueles que conseguiu cadastrar, avisa: “Ficam também cientificados pelo presente edital todos os proprietários, posseiros, lindeiros e demais ocupantes com terras inseridas no todo ou em parte no perímetro acima delimitado, mesmo que não mencionados no presente instrumento”.
A todos concedeu 90 dias para se defenderem. Esse prazo vence no dia 21 de abril, lembrando a liberdade e justiça, e a luta travada pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Portanto, ao mesmo tempo que afirma conceder benefícios aos quilombolas e caiçaras, quer expulsar parte destes. Essa atitude é que vem causando animosidades desde 2010, quando o estudo de 2008 foi publicado. Com a publicação do edital mencionado, a situação, obviamente, foi agravada.
Amplo debate
Ao elaborarmos esta série de reportagens, ouvimos todos os envolvidos (leia aqui), respeitando a privacidade de cada um que não quis revelar identidade ou não aprovou a publicação das conversas. Do mesmo modo, aguardamos as manifestações oficiais das entidades e órgãos envolvidos nessa questão.
Para ilustrar esta publicação, destacamos parte das “Conclusões finais e Considerações” relativas ao estudo do Itesp de 2008, publicado em 2010:
“(…) o território indicado está ocupado em sua maioria por não quilombolas de baixa e média renda que adquiriram seus terrenos junto aos quilombolas ao longo dos anos 80 e 90 (…)”; concluíram, segundo o item 2 do estudo: “2. urge a regularização fundiária do território quilombola e as desapropriações cabíveis para assegurar o direito da comunidade de permanecer em suas terras e obter acesso aos recursos naturais de que sempre dispuseram, respeitando-se a legislação ambiental”. Por fim, o órgão recomenda: “Para proceder à regularização fundiária, o Estado, representado por órgãos estaduais e municipais, deverá apresentar alternativas e soluções para as dezenas de famílias de baixa renda residentes no local, procurando reduzir processos de expulsão”.
Na próxima edição: Leia os depoimentos, colhidos pela nossa equipe junto aos moradores.
Eis aqui alguns dos motivos que criaram animosidades, nem precisariam existir outros, pois de uma hora para outra, o Incra lança a ameaça de desapropriar mais de 200 famílias, entre elas inúmeros caiçaras e migrantes.
Portanto, fica claro que não se trata apenas de rever as terras de grandes proprietários, como afirma a assessoria de comunicação do Incra: “Os estudos conduzidos pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) demonstram, de forma inequívoca, que a maioria dos atuais ocupantes da área em questão não são caiçaras tradicionais, mas, sim, grandes proprietários, muitos deles estrangeiros e de alto poder aquisitivo, que buscam explorar um território que, historicamente, pertence às comunidades quilombolas e caiçaras,” diz a nota.
O órgão vinculado ao governo federal, ao mesmo tempo em que afirma querer proteger os direitos dos caiçaras, pretende desapropriar parte deles.
O honroso 21 de abril, data em que culmina o prazo final dado pelo sinistro edital de 21 de janeiro, não faz jus à luta de Tiradentes por justiça e liberdade.
Destaque – Rua Manoel Soares da Silva (antiga Estrada da Casanga): casas simples em meio à natureza sob as quais paira a ameaça de desapropriação pelo Incra. Foto: aloimage