Em artigo publicado no Journal of Applied Physiology no dia 2 de outubro, pesquisadores da USP mostram que o dano causado pelo SARS-CoV-2 ao revestimento de pequenos vasos pulmonares é um fenômeno determinante para o agravamento da doença.

Por Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP


A trombose em pequenos vasos (capilares) do pulmão é uma das primeiras consequências da COVID-19 grave, precedendo até mesmo a dificuldade respiratória decorrente do chamado dano alveolar difuso. Foi o que comprovou um estudo brasileiro publicado este mês no Journal of Applied Physiology. A partir da autópsia de nove pacientes que morreram após desenvolver a forma grave da doença, foi possível observar um quadro muito característico, envolvendo alterações na vascularização pulmonar e trombose.

Dano endotelial

No trabalho, os pesquisadores descrevem, pela primeira vez, aspectos relacionados ao dano endotelial e à formação de trombos ocasionados pela infecção. As descobertas – entre elas a constatação de que a COVID-19 tem como caráter central a formação de trombos na microcirculação pulmonar – contribuem para o entendimento da fisiopatologia da enfermidade e o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas.

“Esse estudo foi a prova final do que vínhamos alertando desde o comecinho da pandemia: a COVID-19 grave é uma doença trombótica. O vírus SARS-CoV-2 tem um tropismo pelo endotélio [é atraído para esse tecido], a camada de células que reveste os vasos sanguíneos. Portanto, ao invadir as células endoteliais, ele afeta primeiro a microcirculação. O problema começa nos capilares do pulmão, para depois ir coagulando os vasos maiores, podendo atingir qualquer outro órgão”, explica a pneumologista Elnara Negri, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), coautora do artigo e uma das primeiras pesquisadoras do mundo a trabalhar com essa hipótese.

Heparina

Antes do trabalho publicado no Journal of Applied Physiology, o grupo de Negri já havia observado, ainda em 2020, que o uso de heparina (um anticoagulante) melhorou a oxigenação de pacientes críticos. No ano seguinte, em colaboração com colegas de vários países, eles realizaram um ensaio clínico randomizado em que puderam demonstrar que o tratamento com heparina diminuiu a mortalidade em casos graves de COVID-19. Os resultados foram divulgados no British Medical Journal.

“O estudo contribuiu para mudar as diretrizes de tratamento da COVID-19 no mundo, pois pudemos demonstrar uma redução de 78% no risco de mortalidade quando a anticoagulação foi iniciada em pacientes que necessitavam receber oxigenação, mas ainda não estavam na UTI”, conta a pesquisadora.

 

Pesquisadores da USP analisaram tecidos de nove pacientes que morreram de COVID-19. Ilustração: Elia Caldini

 

Trombos

Outro estudo recém-publicado na Nature Medicine por cientistas britânicos reforça o caráter de formação de trombos do SARS-CoV-2. No trabalho, os únicos marcadores de prognóstico para COVID longa identificados foram fibrinogênio e dímero D – duas proteínas associadas à coagulação.

“O estudo mostra que a COVID longa resulta de trombose que não foi tratada adequadamente. O problema na microcirculação pode persistir em diversos órgãos, inclusive no cérebro, coração e músculos, como se o paciente sofresse pequenos infartos”, explica Negri.

Fonte: Agência Fapesp


Destaque – Imagem: aloart


Publicação:
Domingo | 7 de outubro, 2023